Noemisa
Texto
Noemisa Batista dos Santos (Caraí, Minas Gerais, 1947). Ceramista. Artista da região do Vale do Jequitinhonha e com uma produção figurativa, suas peças representam cenas do cotidiano e ritos católicos e se distinguem pela decoração em engobe1 com motivos florais e zoomorfos.
Nascida em Ribeirão da Capivara, distrito do município mineiro de Caraí, filha de um agricultor e uma artesã, aprende a modelar o barro com a mãe, Joana Gomes dos Santos, ceramista respeitada na região. A partir dos sete anos de idade começa a criar peças figurativas para brincar, como bois e cavalos. Em seguida, recebe encomendas de presépios e a produção em cerâmica se torna um trabalho remunerado por meio do qual a artista desenvolve uma linguagem pessoal, que se distingue da tradição familiar voltada para a produção de cerâmica utilitária. As irmãs também se dedicam à cerâmica, trabalhando a partir do repertório criado pela mãe e por Noemisa, de maneira que a produção da família adquire um estilo característico que pode ser facilmente reconhecido. Ainda que a cerâmica no Jequitinhonha seja uma atividade tradicionalmente ligada ao trabalho de mulheres, tanto a família de Noemisa quanto as de outros artistas e artesãos da região reconhecem em Ulisses Pereira Chaves (1922-2006)2 um grande incentivador do trabalho com argila em Caraí.
O barro de coloração rosa, vermelha ou branca vem de uma olaria próxima e é preparado de acordo com técnicas, supostamente, transmitidas pelos povos originários da região. As ferramentas utilizadas são aquelas disponíveis no ambiente, como espigas de milho, pedaços de pau e penas. Após a modelagem, as peças são pintadas com engobe vermelho e branco e decoradas com motivos florais ou desenhos de animais. As flores aparecem também em alto relevo, feito a partir da delicada aplicação desses motivos em argila sobre as peças. Em geral, os trabalhos de Noemisa são compostos a partir de uma placa de argila sobre a qual são colocadas as figuras que compõem as cenas. A produção é queimada em fornos a lenha que costumam ser construídos pelas próprias artesãs.
Cabe notar que o acabamento da cerâmica do município de Caraí se distingue daquele encontrado nas demais regiões do Vale do Jequitinhonha, não só por conta do uso dos engobes vermelho e branco e da decoração, mas por explorar a cor natural da argila queimada, exposta em grande parte da superfície das peças. Nas outras regiões, a tendência é o uso do engobe recobrindo as peças por inteiro e apresentando uma maior variedade de cores e texturas.
No que diz respeito à temática, a produção de Noemisa constitui uma crônica da vida no bairro rural em que vive a artista. Além de uma grande variedade de animais, como cachorros e tatus, estão presentes cenas do dia-a-dia e ritos religiosos, como batizados e casamentos. As mulheres são representadas com vestidos estampados e acessórios elaborados, como brincos, bolsas e sapatos; os homens, em postura viril, com ombros largos, aparecem como caçadores, soldados ou médicos. Com um repertório de cerca de 40 bonecos, as figuras da artista incluem roda de fiar, roda de girar mandioca, cadeia, folião, cantador e abelha fazendo mel, entre vários outros.
A cena do casamento é recorrente na produção da artista, ainda que haja variações em sua representação. A vestimenta dos noivos e convidados é sempre muito elaborada, com riqueza de detalhes, mas eles podem aparecer todos dentro de uma capelinha ou próximos ao altar, na presença do padre. As capelinhas também apresentam variações, com a cruz do topo mostrando a imagem de Jesus ou não. Mas, independentemente das variações, costumam estar presentes: a placa de argila como base para construção da cena, a minuciosa decoração em engobe e o nome da artista, assinado em letra cursiva, que orna com os motivos da decoração, geralmente ocupando lugar de destaque na peça.
Quanto aos animais, chama atenção o Cachorro caçador, trabalho no qual um cachorro em posição de alerta, tendo o corpo decorado com grafismos e carregando uma grossa coleira, observa uma cobra toda enrolada. O padrão gráfico pontilhado que cobre toda a superfície da cobra está presente também no corpo do cachorro e no adorno lateral da placa que sustenta a cena, gerando integração entre os elementos da peça. Já em Tatu, enquanto o animal recebe um tratamento que acrescenta textura aos grafismos, buscando remeter à sensação de um casco de tatu real, a toca do tatu é idealizada como tendo um formato semelhante a um forno de cerâmica recoberto de motivos florais e com um buquê de flores no topo.
A partir da década de 1970, o trabalho de Noemisa passa a ser exposto pelo Brasil e no exterior, integrando acervos de museus e coleções particulares. Entre as exposições estão Brésil Arts Populaires (Paris, 1987) e a Brasil + 500 Mostra do Redescobrimento (São Paulo, 2000). Suas obras também integram o acervo do Museu Casa do Pontal e do Museu de Folclore Edison Carneiro, ambos no Rio de Janeiro, e do Centro Cultural de São Francisco, na Paraíba, dentre outros.
Um dos nomes mais destacados da arte figurativa do Vale do Jequitinhonha, Noemisa desenvolve uma linguagem própria a partir da herança cultural familiar, na qual interpreta a realidade que a cerca.
Notas
1. Barro em pasta ou quase líquido cujas cores são, tradicionalmente, decorrência de pigmentos minerais encontrados na natureza. É utilizado para pintar peças de cerâmica.
2. Escultor e ceramista, é um dos nomes mais citados da arte popular brasileira, internacionalmente reconhecido por suas peças de seres fantásticos, figuras antropomórficas e zoomórficas.
Exposições 19
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3/4/1987 - 18/5/1987
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4/7/1989 - 27/7/1989
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24/4/2000 - 10/9/2000
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17/8/2000 - 8/9/2000
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20/12/2001 - 31/7/2000
Fontes de pesquisa 7
- FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro: século XX. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005.
- GALERIA Estação. Noemisa. São Paulo. Disponível em: http://www.galeriaestacao.com.br/pt-br/artista/62/noemisa. Acesso em: 18 jan. 2021.
- LIMA, Camila da Costa. O objeto cerâmico como elemento da cultura: um estudo a partir da Coleção Lalada Dalglish. São Paulo, 2016, 602 f. Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2016.
- MULHERES na arte popular. Versão do texto para o inglês Maria Fernanda Mazzuco. São Paulo: Galeria Estação, 2020. Disponível em: http://www.galeriaestacao.com.br/documents/catalog_108_fc3e6-catexpmulpop2020.pdf. Acesso em: 29 out. 2021.
- NOEMISA. Arte Popular no Brasil, 2011. Disponível em: http://artepopularbrasil.blogspot.com/2011/02/noemisa.html. Acesso: 6 abr. 2022.
- SONHOS e desilusões, todo o poder das mulheres na arte popular. Revista Dasartes, 6 abr. 2020. Disponível em: https://dasartes.com.br/de-arte-a-z/sonhos-e-desilusoes-todo-o-poder-das-mulheres-na-arte-popular/. Acesso: 6 abr. 2022.
- VIEIRA, Daniela Guimarães. Narrativas dos mestres de ofício do Vale do Jequitinhonha: saberes plurais. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 30., 2016, João Pessoa.
Como citar
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NOEMISA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa216744/noemisa. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7