Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Mestre Guarany

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 30.05.2023
02.04.1884 Brasil / Bahia / Santa Maria da Vitória
04.05.1985 Brasil / Bahia / Santa Maria da Vitória
Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany (Santa Maria da Vitória, Bahia, 1884 - Idem, 1985). Escultor, marceneiro, carpinteiro. Considerado o maior carranqueiro do Brasil, Guarany tem uma trajetória marcada pela peculiaridade cultural e geográfica da região do médio São Francisco e pela descoberta de suas carrancas por parte da crítica artística na...

Texto

Abrir módulo

Francisco Biquiba dy Lafuente Guarany (Santa Maria da Vitória, Bahia, 1884 - Idem, 1985). Escultor, marceneiro, carpinteiro. Considerado o maior carranqueiro do Brasil, Guarany tem uma trajetória marcada pela peculiaridade cultural e geográfica da região do médio São Francisco e pela descoberta de suas carrancas por parte da crítica artística na segunda metade do século XX.

Filho do construtor de barcas Cornélio Biquiba dy Lafuente (1844-1898), recebe do pai o apelido de Guarany devido a sua bisavó índia. Com 14 anos, inicia na marcenaria. Constrói madeiramentos de telhados, barris e móveis. Também trabalha com o imaginário, fazendo santos, altares e oratórios domésticos.

Em 1901, realiza sua primeira carranca para a barca Tamandaré. Desde então, elabora carrancas encomendadas pelos comerciantes da Bacia do Corrente. Na década de 1920, passa a ser conhecido e respeitado como carranqueiro. Até meados de 1940, produz cerca de 80 carrancas encomendadas para as barcas que navegam no Rio São Francisco. Com o fim do ciclo das barcas de remeiros, Guarany para de receber encomendas.

A compreensão das carrancas feitas por ele nesse período perpassa o contexto e as peculiaridades do local de sua produção. A vida econômica e social da região depende do transporte fluvial: separada por cachoeiras do baixo e do alto São Francisco e sem acesso por estradas, é pelas barcas que chegam notícias e mercadorias. Essa dificuldade de acesso resulta em certo isolamento da Bacia do Corrente no começo do século XX, mantendo viva a tradição oral de lendas acerca de criaturas aquáticas perigosas, como o Caboclo d’Água e a Mãe d’Água. Essa riqueza cultural e o sentimento regionalista estão presentes nas figuras de proa de Guarany: suas carrancas têm, por um lado, fins comerciais, pois chamam a atenção da população ribeirinha às barcas que chegam e, por outro, fins simbólico-ritualísticos, pois defendem a tripulação de criaturas e animais perigosos.

No fim da década de 1940, Guarany é descoberto pela imprensa e pela crítica artística. Em 1947, o jornalista Theóphilo de Andrade escreve o artigo “Carrancas de proa do São Francisco” na revista O cruzeiro, publicado junto com imagens do fotógrafo francês Marcel Gautherot (1910-1996). Únicas figuras de proa encontradas em embarcações brasileiras, as carrancas do Rio São Francisco são relatadas pela primeira vez em 1888, no livro Descrições práticas da província da Bahia, de Durval Vieira de Aguiar, mas é no artigo de Andrade que o termo “carranca”, que designa cara feia ou disforme, é usado pela primeira vez.

Produzidas com pedaços de tronco de madeira imburana ou cedro, as esculturas de Guarany têm comprimento que varia entre 40 e 50 cm e diâmetro de 30 cm. O pescoço, no qual elas se sustentam, mede entre 80 cm e 1 m. O corte do artista é preciso, habilidade expressa, por exemplo, na cabeleira, elemento constante em suas peças. Cobrindo a cabeça e o pescoço das carrancas, ela se assemelha à juba leonina, mas é composta de ranhuras simétricas, como o cabelo dos santos com os quais o escultor trabalha no início de sua carreira. As carrancas têm sobrancelhas arqueadas e olhos humanos, com dentes afiados de animais ferozes. A face e o pescoço se prolongam no corpo, que é a própria barca. Algumas são pintadas em preto, branco e vermelho, como a Muritan, carranca que exibe a testa franzida, como a de um humano, e as orelhas eriçadas, como as de um bicho diante de sua presa. Outras, como a Ituy, são de madeira aparente.

O crescente interesse de artistas e críticos de arte popular brasileira contribui para que, em 1954, o escultor volte a fazer carrancas, mas agora sob encomenda de colecionadores. No mesmo ano, algumas delas são exibidas em Salvador, na exposição organizada por Vasconcelos Maia, e no pavilhão de arte popular do Parque Ibirapuera, que sedia os festejos do 4° Centenário de São Paulo. O médico e crítico de arte Clarival do Prado Valladares (1918-1983) dedica às carrancas o capítulo “Duendes do São Francisco”, em seu livro Paisagem rediviva (1962). Ele observa, nas peças de Guarany, uma “expressão de terror e vigília” e “de decisão de luta na postura ereta do pescoço”. Valladares atribui à mistura de homem e besta uma subjetividade que enriquece o trabalho.

As carrancas também ilustram capas dos livros do romancista Osório Alves de Castro (1898-1978), em 1961, e do jornalista Carlos Lacerda (1914-1977), em 1964. A nova apreciação das carrancas altera a própria relação de Guarany com suas peças, que, a partir de 1963, passam a ser batizadas e assinadas por ele como “F. Guarany”. Em 1968, recebe o diploma de membro correspondente da Academia Brasileira de Belas Artes. Em 1969, o trabalho de Guarany faz parte da exposição “A mão do povo brasileiro”, organizada pela arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992), no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).

Em 1972, Guarany ministra palestra sobre as carrancas e o Rio São Francisco na Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP). Uma exposição homônima é realizada no Masp em 1975. Em 1977, recebe convite para participar da Exposição Internacional de Arte e Cultura Negra, realizada na Nigéria, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Suas carrancas são expostas também no Museu Flutuante, em Paris, e na “Mostra do redescobrimento”, na Bienal de São Paulo, em 2000.

Guarany é um dos nomes de maior interesse da arte popular brasileira. Sua produção preserva parte da cultura tradicional e a divulga por meio das habilidades técnicas do artista, destacando-se pela originalidade e precisão.

Exposições 15

Abrir módulo

Fontes de pesquisa 11

Abrir módulo
  • ANDRADE, Carlos D. Amar se aprende amando. São Paulo: Círculo do Livro, 1987.
  • COELHO, Lélia F. Arte do povo. Disponível em: http://www.museucasadopontal.com.br/sites/default/files/artigos/pdf/Artigo%202%20Lelia%20Coelho%20Frota.pdf. Acesso em: 31 ago. 2013.
  • DRÄNGER, Carlos (coord.). Pop Brasil: arte popular e o popular na arte. Curadoria Paulo Klein; tradução João Moris, Beatriz Karan Guimarães, Maurício Nogueira Silva. São Paulo: CCBB, 2002. SPccbb 2002/pb
  • FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro, século XX. Versão em inglês Elvyn Laura Marshall. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2005.
  • GALERIA ESTAÇÃO. Mestre Guarany. Disponível em; http://www.galeriaestacao.com.br/pt-br/artista/35/mestre-guarany. Acesso em: 18 jan. 2021.
  • GONÇALVES, Vauline. Dragões do velho Chico. Revista Conterrâneos, n. 28, jan.-fev. 2011. Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/-g2ZoSi05DgM/TnZsKGQkgOI/AAAAAAAAAqM/Jr4-y_Lrxnw/s1600/capa.jpg. Acesso em: 31 ago. 2013.
  • MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000, SÃO PAULO, SP. Arte Popular. Curadoria Emanoel Araújo, Frederico Pernambucano de Mello; tradução Grant Ellis, Izabel Murat Burbridge, John Norman, Paulo Henriques Britto. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo : Associação Brasil 500 anos Artes Visuais, 2000. 745.50981 M9161a
  • PARDAL, P. Carrancas do São Francisco. Rio de Janeiro: Serviço Geral da Marinha, 1974.
  • PARDAL, P.; VALLADARES, C. Guarany: 80 anos de carrancas. Rio de Janeiro: Berlendis e Vertecchia, 1981.
  • VALLADARES, C. Duendes do São Francisco. In: Paisagem rediviva. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia, 1962.
  • VALLADARES, C. São Francisco, de carrancas transfiguradas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 dez. 1972.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: