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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Vincent Carelli

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 31.01.2024
1953 França / Ile de France / Paris
Vincent Carelli (Paris, França, 1953). Indigenista, diretor de cinema. Destaca-se pelo trabalho em contato direto com povos indígenas na luta pela emancipação, afirmação das identidades culturais e reconhecimento do direito à terra de pelo menos sessenta etnias. É um dos pioneiros na formação audiovisual como instrumento de luta política de cine...

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Vincent Carelli (Paris, França, 1953). Indigenista, diretor de cinema. Destaca-se pelo trabalho em contato direto com povos indígenas na luta pela emancipação, afirmação das identidades culturais e reconhecimento do direito à terra de pelo menos sessenta etnias. É um dos pioneiros na formação audiovisual como instrumento de luta política de cineastas indígenas e na visibilização de suas culturas na sociedade nacional. 

Filho de pai brasileiro e mãe francesa, sua família se estabelece em São Paulo quando tem cinco anos de idade. Aos 16 anos, graças a um vizinho missionário indigenista, faz seu primeiro contato com índios Xikrin, no Pará. Cursa Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP) por um ano, mas abandona o curso em 1973  para retornar à aldeia Xikrin. Lá, é adotado pela família de Akruantury, acontecimento raro entre indigenistas. 

Durante a ditadura militar (1964-1985)1 trabalha por dois anos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e depara com a intervenção autoritária dos militares: pouco investimento, pouca autonomia e total tutela dos indígenas. Em 1979, dedica-se ao projeto que rejeita as políticas indigenistas oficiais e funda, ao lado de antropólogos e indigenistas, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI).  

A organização trabalha pela autodeterminação dos povos indígenas, ajudando-os a conquistar autonomia e independência do Estado nas decisões que os afetam. Para isso, o CTI realiza ações e projetos voltados à valorização das identidades culturais dos indígenas e à proteção ambiental das suas terras originárias.

Em 1987, cria, ao lado de sua esposa, a antropóloga Virgínia Valadão (1952-1998), o projeto Vídeo nas Aldeias (VNA), ainda no CTI. Em 2000, o projeto se torna uma organização não governamental (ONG) e atua no registro em vídeo de tradições das culturas indígenas amazônicas. O primeiro grupo com o qual trabalha é o povo Nhambikwara, no Mato Grosso e em Rondônia.  

Diante da curiosidade dos indígenas pelas imagens, o VNA se torna também uma escola de cinema indígena. Reivindicada pelos próprios indígenas, a câmera troca de lado e Carelli passa a formar cineastas indígenas em oficinas que lhes permitem realizar o que define como autoetnografia.  

De tradição oral, os índios veem no vídeo um meio atraente para o processo de reflexão sobre si mesmos, como objetos e sujeitos dessa reflexão. Com a câmera na mão e ideias na cabeça, esses cineastas se apropriam das imagens de suas culturas e se negam a continuar como “alvo de um safári fotográfico”, segundo o Xavante Hiparidi D. Top’Tiro.  

Por meio do vídeo, os indígenas descobrem a importância da imagem para preservar suas memórias materiais e imateriais e se tornam mediadores do processo de comunicação entre diferentes aldeias,  gerações, povos indígenas (no Brasil e no exterior) e entre líderes e suas comunidades. É ainda recurso valioso no registro de reuniões com órgãos do governo, o que lhes possibilita cobrar ações essenciais à luta política dos povos indígenas.   

Aos 36 anos, começa a produzir documentários que alcançam repercussão nacional e internacional. Com o processo de formação de cineastas indígenas, sua relação com o cinema se aprofunda. Do uso inicial da fotografia como meio de registro e engajamento, ele passa a filmar as transformações das sociedades indígenas no contato com a sociedade nacional.  

Entre 1986 e 2006, em parceria com o indigenista Marcelo Santos, realiza uma série de filmagens para obter provas que convençam a Justiça da existência de grupos indígenas isolados na região, sobreviventes de massacre perpetrado por fazendeiros. Essas provas são decisivas para garantir legalmente a permanência dos índios em suas terras.   

Seu primeiro longa-metragem Corumbiara (2009) conta a história desse massacre ocorrido em 1985 na Gleba Corumbiara, em Rondônia. Ao longo de vinte anos, o diretor realiza um filme-processo no qual passa da busca de indícios da presença de indígenas sobreviventes à testemunha das consequências destrutivas do massacre.  

Como participante da história de resistência dos indígenas aos fazendeiros, constata também a resistência deles ao próprio filme e a seus realizadores. As filmagens levantam questões éticas relativas ao próprio ato de filmar e revelam o entrelaçamento entre o filmado e o vivido pelo cineasta. Cada tentativa frustrada de aproximação questiona o próprio projeto.

Seu encontro surpreendente com o “índio do buraco”, único sobrevivente de etnia desconhecida, ocorre em 1998. O indígena isolado recusa o contato mesmo com seus parentes Kanoê e Akuntsu. Carelli faz um fugaz registro do “índio do buraco”, único vestígio de sua existência.  

Em 2016, realiza o longa Martírio, codirigido pelo fotógrafo Ernesto de Carvalho (1981) e pela montadora Tatiana Almeida. O filme retrata o genocídio contemporâneo no processo de expropriação dos Guarani Kaiowá de seus territórios. Martírio assume a perspectiva da resistência dos indígenas vencidos, fundada na força espiritual que emana da sacralização da natureza, para contar a história invisível e perversa da relação do Estado com os indígenas, em um processo colonial de dizimação ainda em curso.  

Na trajetória como indigenista e cineasta, Vincent Carelli produz imagens e reflexões que rompem a invisibilidade a que são relegadas as culturas e as lutas políticas dos povos indígenas, em particular na Amazônia. Em cada documentário que realiza, o que se expõe e se combate é o genocídio continuado dos indígenas brasileiros ao longo de mais de cinco séculos.

Notas

1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.

Exposições 10

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Fontes de pesquisa 16

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  • ALVARENGA, Clarisse. Da cena do contato ao inacabamento da história: os últimos isolados (1967-1999), Corumbiara (1986-2009) e Os Arara (1980-). Salvador: EDUFBA, 2017.
  • BAKER, Vicky (reportagem). Quem é o índio isolado filmado pela Funai na Amazônia, último sobrevivente de sua tribo e 'o homem mais solitário do mundo'. BBC News Brasil, 21 jul. 2010. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-44911345. Acesso em: 21 out. 2021.
  • BONILHA, Patricia. Indígenas ocupam salas de cinema: Martírio, de Vincent Carelli, estreia hoje em 19 capitais. CIMI – Conselho Indigenista Missionário, 13 abr. 2017. Disponível em: https://cimi.org.br/2017/04/39418/. Acesso em: 19 out.2021.
  • CARVALHO, Ernesto de. O índio na fotografia brasileira. Disponível em: http://fotografia.povosindigenas.com.br/ernesto-de-carvalho/. Acesso em: 22 out. 2021.
  • CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA (CTI). Brasília, São Paulo, Tabatinga. Disponível em: https://trabalhoindigenista.org.br/home/. Acesso em: 16 out. 2021.
  • CESAR, Amaranta; BRASIL, André; LEANDRO, Anita; MESQUITA, Claudia. Nomear o genocídio: uma conversa sobre Martírio, com Vincent Carelli. Revista ECO PÓS – Imagens do Presente, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 232-257, 2017.
  • DOSSIÊ Mostra de vídeos e filmes: os Brasis indígenas. Sinopse Revista de Cinema, São Paulo, ano II, n. 5, p.81-99, jun. 2000.
  • FRESQUET, Adriana; CARDOSO JR., Wilson. Cinema, educação e interculturalidade: Martírio, o filme. Revista Digital do LAV, Santa Maria, v. 10, n. 2, p. 120-139, maio-ago. 2017.
  • GALLOIS, Dominique T.; CARELLI, Vincent. Vídeo e diálogo cultural: experiência do projeto. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 1, n. 2, p. 61-72, jul.-set. 1995.
  • GLOBO AMAZÔNIA. Ex-madeireiro, indigenista monitora único sobrevivente de povo massacrado em RO. Terras Indígenas do Brasil (Instituto Socioambiental), 19 dez. 2010. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/96591. Acesso em: 23 out. 2021.
  • MILANEZ, Felipe. Martírio: um filme para indignar Brasília. Carta Capital, São Paulo, 22 set. 2016. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/cultura/martirio-um-filme-para-indignar-brasilia/. Acesso em: 24 out. 2021.
  • MÍDIA NINJA. O golpe é anti-indígena. O Mato Grosso do Sul é a palestina brasileira. Terras Indígenas do Brasil (Instituto Socioambiental), 30 jul. 2017. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/noticia/174229. Acesso em: 23 out. 2021.
  • OLIVEIRA, Rodrigo. Índio que ninguém viu é boato. Revista Cinética, [s.l.], ago. 2009. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/gramado09dia4a.htm. Acesso em: 16 out. 2021.
  • REUTERS. Índios da Amazônia entram na era digital para defender suas tribos. Portal R7, São Paulo, 17 jan. 2020. Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/indios-da-amazonia-entram-na-era-digital-para-defender-suas-tribos-17012020. Acesso em: 16 out. 2021.
  • SOUZA, Gustavo. A questão indígena e a reescrita da história. Contracampo, Niterói, v. 39, n 3, p.3-16, dez.-mar. 2021.
  • VÍDEO NAS ALDEIAS lança plataforma de streaming com 88 filmes com temática indígena. Instituto Socioambiental (ISA), 17 abr. 2017. Disponível em: https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/video-nas-aldeias-lanca-plataforma-de-streaming-com-88-filmes-com-tematica-indigena. Acesso em: 18 out. 2021.

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