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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Vídeo nas Aldeias (VNA)

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 01.11.2024
1986 Brasil / São Paulo / São Paulo
O Vídeo nas Aldeias (VNA) é fundado em 1986 na cidade de São Paulo. Dedica-se à formação audiovisual e à produção compartilhada de filmes junto a mais de 40 povos indígenas provenientes das cinco regiões do Brasil.

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O Vídeo nas Aldeias (VNA) é fundado em 1986 na cidade de São Paulo. Dedica-se à formação audiovisual e à produção compartilhada de filmes junto a mais de 40 povos indígenas provenientes das cinco regiões do Brasil.

O fotógrafo e cineasta francês Vincent Carelli (1953), fundador do VNA, aproxima-se do universo indígena ao integrar o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) na luta contra um decreto emitido nos anos 1970, sob a ditadura militar (1964-1985)1, que permitiria a expulsão de todos os povos originários de suas terras2. Carelli passa, então, a vasculhar acervos de museus, imprensa e arquivos pessoais para encontrar registros fotográficos dos modos de vida desses povos. Por outro lado, para além de utilizar esses materiais para conscientizar os não indígenas, sente a necessidade de “devolver”3 esses documentos para os povos neles registrados. O VNA surge, assim, com o intuito de promover os primeiros contatos dos indígenas com suas próprias imagens.

A primeira fase do projeto é marcada pela noção de “filme-processo”4. Esse modo singular de produzir cinema é possível graças à possibilidade técnica do formato VHS de registrar e exibir imagens no mesmo dia. O realizador partilha as imagens com a comunidade filmada na medida em que filma, assimilando, nas gravações diárias seguintes, as inquietações e desejos manifestos pelo grupo. 

A festa da moça (1987), de Carelli, é um marco dessa forma de realização baseada em trocas e negociações intensas com as pessoas filmadas. Neste curta-metragem, o diretor registra em vídeo o ritual nambiquara da passagem feminina para a vida adulta. Ao assistirem à fita, os indígenas ficam insatisfeitos com a ausência de pinturas corporais. Diante disso, o ato de se ver mobiliza, já no dia seguinte, o desejo de reproduzirem o rito em aproximação mais rigorosa com os preceitos tradicionais. O processo de filmagem desperta, ainda, o desejo dos Nambiquaras de se assistirem realizando outros rituais não praticados há décadas e os leva a retomarem práticas como a furação de lábios e nariz dos rapazes. 

As atividades do VNA, portanto, repercutem em transformações diretas no cotidiano dos povos filmados. Ao constituir uma ampla rede de trocas entre aldeias, no contato com as imagens de outros povos, muitos indígenas transformam ou retomam rituais esquecidos. 

Em 1995, o VNA, a partir da parceria entre indígenas e não indígenas, produz o Programa de Índio, veiculado na televisão educativa de Cuiabá. Em 1997, inicia-se a segunda fase do VNA, caracterizada pela realização de oficinas, tendo como resultado a formação de diversos cineastas e coletivos de cinema indígenas. Em 2003, pela valorização da memória das populações da Amazônia, recebe do Ministério do Meio Ambiente o prêmio Chico Mendes. A partir de 2004, com recursos do governo federal oriundos dos programas Cultura Viva e Pontos de Cultura, o VNA distribui câmeras de vídeo e equipamentos de exibição para que os povos com os quais se relaciona possam ter autonomia em suas produções. 

O coletivo de cinema Mbyá Guaraní, formado em 2007 por indígenas dessa etnia que participam das oficinas do VNA, é um exemplo do impacto destas atividades formativas nas comunidades. O filme Bicicletas de Nhanderú (2011), dirigido por Patrícia Ferreira Mbya (1985) e Ariel Ortega (1985) recebe diversos prêmios em festivais como CachoeiraDoc e forumdoc.bh e evidencia as inovações nos modos de filmar uma comunidade indígena a partir de uma perspectiva interna. Nota-se uma horizontalidade singular entre as pessoas que filmam e as que são filmadas, passando a câmera de mãos em mãos. Destaca-se a capacidade aguçada de perceber e apresentar as manifestações da espiritualidade na natureza e em todas as esferas do cotidiano.

No filme Martírio (2016), de Ernesto de Carvalho (1981), Tatiana Almeida (1982) e Vincent Carelli, premiado em diversos festivais como o 49º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro, também fica evidente o uso das imagens produzidas pelos indígenas na luta por seus direitos. O último plano do longa-metragem, filmado por um indígena do povo Guarani Kaiowá, do Centro-Oeste do país, revela a invasão de um dos seus acampamentos por um homem armado disparando tiros. Com câmeras concedidas pelo VNA, produzem provas dos sucessivos crimes que sofrem. Essas imagens circulam não só no cinema, mas também em outros veículos midiáticos e nos tribunais brasileiros.

Ainda em 2016, o VNA ganha destaque ao apresentar a videoinstalação O Brasil dos índios: um arquivo aberto na 32ª Bienal de Arte de São Paulo. Os 85 trechos audiovisuais dispostos em três telas de projeção formam um arco histórico de 1911 a 2016. Sua composição mescla cenas de filmes produzidos pelo VNA, além de arquivos históricos próprios e cedidos por instituições parceiras e cineastas indígenas e não indígenas, sobretudo com registros de ações militantes que revelam as lutas desses povos. A última imagem da terceira tela mostra a cacica Damiana Guarani-Kaiowá (1940) sendo despejada em ocasião próxima à exibição do trabalho. Esse final convida o espectador a refletir sobre a urgência e a atualidade dessa produção. Segundo consta no panfleto que acompanha a obra, as imagens apresentadas “tomam partido e se posicionam junto a eles [os indígenas] na luta pela descolonização do Brasil e contra as narrativas dominantes, num gesto que restitui atos, rostos e corpos arbitrariamente apagados pelo Estado”5.

Responsável pela realização de mais de setenta filmes, o Vídeo nas Aldeias apresenta as diferentes estéticas desenvolvidas pelo cinema indígena, além de ser crucial para a preservação de suas memórias e visibilidade de suas lutas. 

Notas

1.  Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.

2. Trata-se do  Decreto de Emancipação, encampado pelo Ministro do Interior do governo de Ernesto Geisel (1907-1996). A suposta emancipação significaria a extinção da condição de indígena e, portanto, dos direitos específicos desses povos. 

3. O termo “devolver” é utilizado pelo próprio Vincent Carelli ao discorrer sobre o início do VNA na entrevista “Nomear o genocídio: uma conversa sobre Martírio, com Vincent Carelli”, dispoível em: https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/12504. Acesso em: 18 abr. 2022. 

4. Essa formulação é desenvolvida por Claudia Mesquita no debate “Obra em processo ou processo como obra?”. In: Mostra de Cinema Brasileiro: Anos 2000, 10 Questões. Rio de Janeiro: CCBB, 2011. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/anos2000/questao9.php. Acesso em: 20 abr. 2022.

5. O encarte que acompanha a videoinstalação na 32ª Bienal de Arte de São Paulo encontra-se digitalizado na íntegra neste link: https://issuu.com/videonasaldeias/docs/folhetovnabienal_final_web?workerAddress=ec2-5487-247-92.compute-1.amazonaws.com. Acesso em: 18 abr. 2022. 

 

Exposições 1

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Fontes de pesquisa 9

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  • ALVARENGA, Clarisse. Cinema e arquivo na América Indígena: Andrea Tonacci, encontros e reencontros. Revista C-Legenda, v. 1, n. 38-39, p. 15-27, 2020.
  • ALVARENGA, Clarisse. Refazendo os caminhos do audiovisual comunitário contemporâneo. In: LEONEL, Juliana; FABRINO, Ricardo (Orgs.). Audiovisual comunitário e educação: histórias, processos e produtos. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 87-105.
  • BELISÁRIO, Bernard. Rebobinando a fita: arqueologia do Videotape nas Aldeias. Gesto, Imagem e Som, São Paulo, v. 7, n. 1, 2022. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/gis/article/view/181961/180636. Acesso em: 3 abr. 2024.
  • BRASIL, André; CESAR, Amaranta; LEANDRO, Anita; MESQUITA, Claudia. Nomear o genocídio: uma conversa sobre Martírio, com Vincent Carelli. Revista Eco Pós, v. 20, n. 2, p. 232-257, 2017. Disponível em: https://revistaecopos.eco.ufrj.br/eco_pos/article/view/12504/8766/26201. Acesso em: 3 abr. 2024.
  • CAIXETA DE QUEIROZ, Ruben. Entrevista com Vincent Carelli. In: VALLE, Glaura Cardoso; TORRES, Júnia; ITALIANO, Carla (Orgs.). Catálogo fórumdoc.bh.2009: 13º festival do filme documentário e etnográfico – fórum de antropologia, cinema e vídeo. Belo Horizonte: Filmes de Quinta Editora, 2009. p. 149-160.
  • CARELLI, Vincent. Moi, un indien. In: CORRÊA, Mari; BLOCH, Sérgio; CARELLI, Vincent (Orgs.). Catálogo da Mostra Vídeo nas Aldeias: um olhar indígena. Olinda: Sol Gráfica, 2004. p. 21-32.
  • CARELLI, Vincent. Vídeo e reafirmação étnica. In: CADERNO de textos: antropologia visual. Rio de Janeiro: Museu do Índio, 1987.
  • MESQUITA, Cláudia; MIGLIORIN, Cezar. Obra em processo ou processo como obra?. Mostra de Cinema Brasileiro: Anos 2000, 10 questões. Rio de Janeiro: CCBB, 2011. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/anos2000/questao9.php. Acesso em: 20 abr. 2022.
  • PINHEIRO, Sophia. Entrevista com Ana Carvalho e Vincent Carelli. Iluminuras, Porto Alegre, v. 19, n. 46, p. 459-469, jan./jul. 2018. Disponível em: https://www.academia.edu/38001535/Vi_deo_Nas_Aldeias_na_32a_Bienal_de_Arte_de_Sa_o_Paulo. Acesso em: 20 abr. 2022.

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