Fernando Coni Campos
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Biografia
Fernando Luís Coni Campos (Conceição do Almeida, Bahia, 1933 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988). Diretor de cinema, roteirista e produtor. Muda-se, quando criança, para Castro Alves e, na adolescência, para Salvador, onde se dedica às artes plásticas. Em 1951, vai a São Paulo estudar desenho, gravura e história da arte e, anos depois, para o Rio de Janeiro, estudar desenho industrial e comunicação visual.
Trabalha inicialmente com o designer gráfico Aloísio Magalhães (1927-1982) e depois com o urbanista Lúcio Costa (1902-1998) no Plano Piloto de Brasília – que origina seu primeiro filme, o curta-metragem Brasília, Planejamento Urbano (1964). Em 1960, estuda introdução à semiótica na Escola Superior da Forma, em Ulm, na Alemanha. Paralelamente, escreve os livros de poesia O Nome (1963) e Repasto Frugal (inédito). Estreia no longa-metragem com o policial Morte em Três Tempos (1964), adaptado do conto Ninguém Mais se Perderá por Luba, do escritor Luiz Lopes Coelho (1911-1975).
A partir de Brasília, realiza diversos curtas documentais, como Do Grotesco ao Arabesco (1965), Tarsila, 50 Anos de Pintura (1969) e Art Noveau (1979). Inspirado nos capítulos O Delírio e O Senão do Livro, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, do escritor Machado de Assis (1839-1908), realiza o tropicalista Viagem ao Fim do Mundo (1967), premiado no Festival de Locarno em 1968. Com a saída do cineasta Paulo Gil Soares (1935-2000) da direção de Um Homem e Sua Jaula, adaptação do romance Matéria de Memória, de Carlos Heitor Cony (1926), Coni Campos, que já produzia o filme, assume a direção. Interditado pela censura,1 a obra não é lançada nos cinemas. Em seguida, dirige e escreve com o cineasta Renato Neumann (1943) o longa Sangue Quente em Tarde Fria (1970). Inspirado na canção País Tropical, do músico Jorge Benjor (1945), e com ele no elenco, realiza Uma Nega Chamada Tereza (1973). Realiza, em 1977, Ladrões de Cinema, buscando maior aproximação com o público. Seu último longa é O Mágico e o Delegado, inspirado no terceiro capítulo do livro Depois do Último Trem, do escritor Josué Guimarães (1921-1986), e grande ganhador do 16° Festival de Brasília, com quatro troféus, incluindo os de melhor filme e roteiro. Ainda escreve, em parceria, os roteiros de Romance (1987), de Sérgio Bianchi (1945), e Lua Cheia (1989), de Alain Fresnot (1951), entre outros não realizados.
Análise
Fernando Coni Campos dificilmente pode ser enquadrado em algum movimento ou escola cinematográfica. No Rio de Janeiro, conhece e se relaciona com a turma que forma o chamado cinema novo, sem aderir às temáticas e às formas praticadas pelos cinema-novistas. O cineasta prefere relatar um mundo que conhece, urbano, sem denúncias sobre a miséria do país. Seu primeiro longa, Morte em Três Tempos, é realizado no auge do cinema novo. Ao tratar sobre o assassinato da bela personagem Luba, Coni Campos opta por trabalhar o cinema de gênero, com cenas de violência e nudez, extirpadas depois pela censura.
Egresso de outras áreas artísticas, como as artes visuais – principalmente arquitetura, design, gravura – e a literatura, Coni Campos, ao migrar para o cinema, continua muito ligado às imagens fortes e ao texto. Dos sete longas que dirige, cinco são adaptações, quatro de livros, uma de música. O cineasta e roteirista, porém, realiza adaptações nada ortodoxas; todos os seus filmes têm forte inspiração literária, baseando-se mais no espírito das obras do que nos acontecimentos narrativos.
Seus cinco primeiros longas apresentam forte experimentalismo, aliando imagens ousadas a personagens verborrágicos e influências contraculturais. Tais características o associam ao chamado cinema marginal, em grande parte porque seus filmes são baseados em ideias do escritor Oswald de Andrade (1890-1954) – Coni Campos, inclusive, escreve o roteiro Tupy or Not Tupy?, nunca filmado. Em contrapartida, seus curtas são todos documentais, em sua maioria tratando de artes visuais, e trazem um tom educativo e professoral, com narração em off. Ele opta pelo risco, via experimentação estética e formal, em seus longas, diferindo da maioria dos cineastas brasileiros que se utilizam de curtas-metragens para tal finalidade.
Viagem ao Fim do Mundo é o filme mais emblemático de sua primeira fase. O crítico Ruy Gardnier (1976) caracteriza o longa como “radicalmente diferente de tudo que estava sendo feito no momento em cinema”. O filme-colagem – entremeado por documentários históricos, cinerreportagens e cenas filmadas para o longa, sem uma linha narrativa linear e com citações diversas a escritores, mídias e músicas – se passa numa viagem de avião de uma hora e meia de duração, em que a leitura, por um jovem, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, desperta uma série de sensações e delírios – dele e de outros personagens. “Menos um descontrolado amontoado de citações do que a construção de uma tessitura de retalhos que constroem um novo significado a partir de signos já existentes, Viagem ao Fim do Mundo é um filme experimental na forma e instigante naquilo que tem a dizer”, complementa Gardnier em seu texto.2
Ainda que Coni Campos trabalhe com um cinema mais narrativo na primeira fase, especialmente em Morte em Três Tempos, Um Homem e Sua Jaula e Uma Nega Chamada Tereza, há uma guinada a partir de Ladrões de Cinema, quando o cineasta busca se aproximar de um público popular, utilizando uma narrativa linear, sem experimentalismos formais e com personagens populares. As influências oswaldianas permanecem, porém. No longa, favelados do morro assaltam uma equipe de filmagem norte-americana para eles mesmos fazerem um filme sobre a Inconfidência Mineira.3
Esse traço popularesco de Coni Campos é acentuado em seu último filme, O Mágico e o Delegado, um embate entre a magia da arte e a opressão do poder, em que o mágico é preso pelo delegado por ser considerado uma ameaça à autoridade. A resposta do mágico é dada com o contínuo exercício de prestidigitação e sonhos, mesmo que isso lhe custe a vida. Trata-se de um filme-testamento por sintetizar a carreira do cineasta que, em sua obra, busca se aprofundar na ludicidade e sinestesia. Porém seus filmes são interditados ou cortados pela censura do regime militar. O poder podando a arte.
Notas
1 À época o país estava sob o regime militar (1964-1985), que censurava todos os tipos de obra que considerasse subversiva, ou seja, que não se alinhassem a seu ideário.
2 GARDNIER, Ruy. A viagem de Fernando Coni Campos. In: Contracampo, edição 51. Rio de Janeiro, jul. 2003. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2012.
3 O movimento separatista, ocorrido em 1789, pleiteia a independência da capitania de Minas Gerais do jugo português, principalmente devido à cobrança de altos impostos sobre a extração de ouro.
Obras 1
Como citar
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FERNANDO Coni Campos.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa17641/fernando-coni-campos. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7