Paulo Pederneiras
Texto
Paulo Pederneiras Barbosa (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1951). Arquiteto, cenógrafo, iluminador, diretor artístico e fundador do Grupo Corpo (1975). Aos 16 anos, faz incursões no teatro, em Belo Horizonte, com o ator Jonas Bloch (1939), depois com José Antonio de Souza e Jota Dangelo (1932). No período, estreia também na iluminação ao realizar seus primeiros trabalhos na dança para o Grupo Transforma. Em 1973, no Festival de Inverno de Ouro Preto, Minas Gerais, conhece o coreógrafo argentino Oscar Araiz (1940), com quem inicia uma intensiva parceria, que o motiva a criar uma companhia de dança. Dois anos depois, em 1975, funda o Grupo Corpo com o irmão Rodrigo Pederneiras (1955), Isabel Costa e o bailarino argentino Hugo Travers (1932). Transforma a casa dos pais em sede da companhia e assume a direção geral.
O primeiro espetáculo, Maria Maria (1976), tem coregrafia assinada por Oscar Araiz, assim como o terceiro, Último Trem (1980). Em Tríptico e Interânea, ambos de 1981, Paulo começa a criar iluminação para o grupo. Em 1988, realiza seus primeiros trabalhos de luz fora dos domínios do grupo Corpo, em Dança da Meia-Lua, do Balé Teatro Guaíra, com coreografia de Rodrigo Pederneiras, e Queria Que Fosse Eterno, de Ivaldo Bertazzo (1949). Os convites para fazer iluminação se sucedem a partir dos anos 1990, como para montagens operísticas de Bia Lessa (1958) – Suor Angelica, Don Giovanni, Lucia de Lammermoor, La Voix Humaine, Salomé e Orfeo.
Paulo cria, ainda, projetos para exposições. Realiza diferentes trabalhos: a seção “Arte Indígena e Antropológica” da Mostra do Redescobrimento - Brasil + 500 anos (2000), no Pavilhão da Oca, no Parque Ibirapuera, São Paulo; Imagem e Identidade: Um Olhar sobre a História (São Paulo, 2002), com acervo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro; O Tesouro dos Mapas: A Cartografia na Formação do Brasil (Rio de Janeiro, 2002). Assina, também, a concepção da instalação de arte Borboletas do Rosa (2006), que tem como objetivo comemorar os 50 anos de publicação de Grande Sertão: Veredas, livro de João Guimarães Rosa (1908-1967). E é o autor da instalação Memorial da Imigração Japonesa, que marca, em Belo Horizonte, o centenário da imigração japonesa.
Análise
O Grupo Corpo redefine o conceito de companhia de dança e seu gerenciamento, fixando parâmetros impensáveis na dança brasileira. A bem-sucedida trajetória da companhianão se separa da história de Paulo Pederneiras, seu inventor. É graças ao trabalho de iluminação criado pelo diretor que o Corpo inova a estética na dança brasileira. Nos espetáculos da companhia, cores, contrastes e texturas ambientam a cena em consonância com os elementos que a compõem.
Segundo Paulo, a origem do grupo tem forte relação com o coreógrafo Oscar Arraiz. “Na nossa história”, conta em entrevista à professora e crítica de dança Helena Katz (1950), “talvez Araiz tenha sido a pessoa mais importante. Aprendemos muito, desde que Maria Maria estreou. Foi esta experiência que nos deu condições de levar adiante uma determinada linha, uma certa estrutura de espetáculo que pensamos desenvolver” 1. Mas Helena Katz devolve o protagonismo ao criador do grupo: “Tudo começou antes, com Paulo Pederneiras, o inventor da ousadia”2.
Quando é tomada a decisão de fundar o Corpo, os irmãos de Paulo envolvem-se com a iniciativa. Rodrigo e Miriam (1958) são alunos de dança. Pedro e José Luiz (1950) não têm ligação com a área – um tornou-se diretor de palco; outro, fotógrafo oficial. Esses, porém, embarcam na ideia, por escolha de Oscar Araiz. Desde o início, há uma orquestrada organização de tarefas. E sempre há muito diálogo para conceber cada ingrediente de um novo espetáculo, da trilha sonora à coreografia, passando por cenário, figurinos e iluminação.
O grupo de dança começa com 12 pessoas. E atinge um número de quase 60 funcionários, entre diretores, bailarinos, equipe técnica e administrativa. Os espetáculos rendem longas temporadas no Brasil e no exterior, da Oceania às Américas, do Oriente Médio à Europa.
No início, Paulo administra a escassez. Suas decisões administrativas e artísticas são essenciais para a companhia alçar voos. Os patrocinadores agregam-se aos poucos e adensam a sustentação necessária para a construção da grife Corpo. Helena Katz afirma 3:
O Grupo Corpo é encordoado por Paulo Pederneiras.
Vem dele a força silenciosa que madura a companhia.
O resultado que o público aplaude, se expõe como tautologia: duas escolhas nascem as feições de identidades com que o grupo atua. [...]
O seu comando dá a forma ao modo de ser tão particular das produções do Grupo Corpo.
As contribuições artísticas de Paulo começam no Grupo Transforma e prosseguem no Corpo em função do impedimento de levar um operador de luz nas viagens do primeiro espetáculo, Maria Maria, o que o aproxima ainda mais das ferramentas e das sutilezas da iluminação. Assume a tarefa enquanto o irmão Rodrigo inicia a carreira de coreógrafo. A construção de uma nova sintaxe visual com a luz de Paulo Pederneiras é observada mais enfaticamente nos azuis que povoam a cena em Prelúdios (1985) e nos claros e escuros da ambiência opressiva e claustrofóbica de Missa do Orfanato (1989).
Em 21 (1992) e Nazareth (1993), a precisão de nuances que incidem sobre os objetos em cena e sobre o que vestem os bailarinos dá os contornos solicitados pela construção coreográfica. No primeiro, incidem sobre o patchwork dos figurinos de Freusa Zechmeister e sobre a gigantesca colcha de retalhos criada por Fernando Velloso (1951). Em outro momento, a luz ilumina e serve de espaço para a dança: o canhão de luz forma um túnel móvel para um bloco de corpos. No segundo, tons de âmbar e pêssego projetam-se sobre 14 rosas tridimensionais metálicas (que flutuam no fundo da cena) e compõem a nova ambiência. “Estas mesmas rosas ecoam pretos e cinzas ou cores variadas, em cada um destes momentos, passam a ser outras. São as artes de Paulo Pederneiras [...]” Para ele, o palco é “sempre um contexto, nunca um lugar” 4.
Bach (1996) é outro momento fundamental. Ali, a luz fomenta leituras e compacta o desenho coreográfico de Rodrigo Pederneiras, assim como os tubos cenográficos criados por Fernando Velloso. Fica patente o papel-chave da iluminação na construção dos planos e das dimensões em que habitam os bailarinos pendurados em bambus escuros, espetados no teto ou dispostos no chão, como em uma floresta invertida. A luz parece oferecer um contraponto para os corpos no palco, fazendo com que sejam vistos e entendidos.
Um novo parâmetro é igualmente visto em Ímã (2009). Dessa vez, ele recorre à tecnologia dos refletores de led. O Palletta, equipamento da empresa norte-americana ETC, faz sua estreia mundial com o Grupo Corpo. Paulo Pederneiras propõe uma nova espacialidade cênica, na qual volumetria e textura adquirem vida própria. É o que assinala Helena Katz:
“As cores deslumbrantes dessa luz não ‘criam’ somente o chão, o fundo, os corpos e as laterais, mas também todo o espaço ‘entre’ que existe no que, até então, era tratado como um lugar pronto (um palco), no qual se colocam corpos dançando, cenário, e os iluminam5 ”. Ao criar a luz de uma coreografia, granjeia paisagens aparentemente impossíveis de se detectar. “[...] Tufos de sombras acesos ao lado dos meio-dias”6.
Notas
1. KATZ, Helena. “O Corpo” volta com seu “Último Trem”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 ago. 1980.
2. KATZ, Helena. Grupo Corpo companhia de dança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995. p. 85.
3.Ibid. p. 125.
4. Ibid. p. 105.
5.O ESTADO de São Paulo. Corpo e seu Ímã feito de refinamento. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 ago. 2009. Caderno 2, D5.
6.KATZ, Helena. Grupo Corpo companhia de dança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995. p. 108.
Espetáculos 4
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3/9/1999 - 19/9/1999
Espetáculos de dança 38
Exposições 2
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5/12/2016 - 17/1/2015
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5/12/2016 - 17/1/2015
Fontes de pesquisa 16
- EICHBAUER, Hélio. [Currículo]. Enviado pelo artista em: 24 abr. 2011. Não catalogado
- KATZ, Helena. Corpo a dança como profissão. Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 dez. 1984. Ilustrada, p. 44.
- KATZ, Helena. Corpo despeja beleza de “Bach” em Lyon. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 set. 1996. Caderno 2, p. D4.
- KATZ, Helena. Corpo e seu Ímã feito de refinamento. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 ago. 2009. Caderno 2, p. D5.
- KATZ, Helena. Corpo revela a vanguarda nas festas populares. O Estado de S. Paulo, São Paulo,10 set. 1997. Caderno 2.
- KATZ, Helena. Corpo vai fazer parte da Maison de la Danse de Lyon. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 nov. 1995.
- KATZ, Helena. Grupo Corpo abre temporada brasileira de espetáculo Bach. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 out. 1996. Caderno 2.
- KATZ, Helena. Grupo Corpo companhia de dança. Rio de Janeiro: Salamandra, 1995.
- KATZ, Helena. Nova era na iluminação teatral. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 jul. 2009. Caderno 2, p. D12.
- KATZ, Helena. Uma língua própria para cada criação. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 ago. 2010. Caderno 2, p. D9.
- KATZ, Helena. “O Corpo” volta com seu “Último Trem”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 20 ago. 1980.
- MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000 : SÃO PAULO, SP. Artes Indígenas. Curadoria Lúcia Hussak van Velthem, José António Braga Fernandes Dias, Luiz Donisete Benzi Grupioni, Regina Pólo Miller, Ricardo Ohtake; tradução John Norman; produção gráfica Valéria Mendonça. São Paulo : Fundação Bienal de São Paulo, 2000. Não catalogada
- MUSEU da Pessoa. Depoimento. Museu da Pessoa. Memória Petrobrás. Disponível em: http://www.museudapessoa.net ?. Acesso em: 5 set. 2012.
- PELOSO, Maria do Carmo. Balé de Minas estreia com música de Milton. Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 abr. 1980. Ilustrada, p. 19.
- PONZIO, Ana Francisca. Sedução do Corpo na missa de Mozart. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 out. 1989. Caderno 2, p. 95.
- Programa do espetáculo - Além da Linha D'Água - 1999. Não Catalogado
Como citar
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PAULO Pederneiras.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa14617/paulo-pederneiras. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7