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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Morte e Vida Severina

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 19.03.2024
1955
Poema célebre da literatura brasileira do século XX, publicado pela primeira vez em 1956 e definido por seu autor como um auto de Natal pernambucano, é considerado um dos textos mais representativos da lírica objetiva e árida que caracteriza a obra do poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999).

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Poema célebre da literatura brasileira do século XX, publicado pela primeira vez em 1956 e definido por seu autor como um auto de Natal pernambucano, é considerado um dos textos mais representativos da lírica objetiva e árida que caracteriza a obra do poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999).

Composto de 18 atos introduzidos por pequenos títulos que explicam brevemente a ação apresentada nas estrofes seguintes, o longo poema tem mais de 1.200 versos escritos em redondilhas maiores1 e conta a história de um retirante nordestino em sua travessia do sertão pernambucano à cidade do Recife. Vocábulo escolhido pelo autor não somente como substantivo próprio para nomear a principal personagem do poema, “Severino” adjetiva a existência de pessoas que migram de suas terras em busca de condições menos duras de vida e para escapar da sentença de morte proferida pela miséria e pela seca. 

Formalmente, Morte e vida severina se encaixa na estrutura de poema dramático, com atributos herdados do auto, gênero teatral de origem ibérica difundido sobretudo na Espanha do século XII que se caracteriza por abordar temas de cunho religioso, traduzidos em linguagem popular, apelo cênico e rítmico, com objetivo de promover e expandir a fé cristã. Há, ainda, na estrutura do poema, forte influência da literatura de cordel, expressão literária escrita em versos simples, publicada em folhetos e que se populariza a partir do século XIX, em especial na região Nordeste.

Retrato da realidade de um Brasil profundamente marcado pela desigualdade, a obra é escrita em um momento marcado pelo início do crescimento da urbanização do país, ensejada principalmente pelo movimento migratório da população rural da região Nordeste em direção aos grandes centros urbanos. O contingente de pessoas migrantes está representado no poema pela voz de Severino, mas se faz notar também pelo coro de vozes das muitas personagens que cruzam o caminho do homem, todas elas atravessadas pelas mesmas mazelas e pela proximidade com a morte. A individualidade de Severino se mostra, então, como uma identidade coletiva. 

Acompanhando um cortejo fúnebre e se guiando pelo curso do rio Capiberibe, que se alarga à medida que se aproxima do mar, Severino segue seu trajeto até se encontrar com José, personagem que remete o texto poético ao texto bíblico, pois representa ali o mestre carpinteiro que se torna pai da criança que nasce e devolve a esperança à Severino, numa clara alusão ao nascimento do menino Jesus. A nova vida que surge, mesmo sendo uma vida severina, desponta como a força de um povo que insiste em resistir. Mesclando um caráter incontornável de crítica social ao discurso religioso, o poema “pode ser lido como um convite à reflexão a respeito da condição severina [leia-se humana] na perspectiva de um possível dialogismo entre vida e morte”2.

Escrito entre os anos de 1954 e 1955, a partir de uma encomenda feita pela escritora Maria Clara Machado (1921-2001), o poema alcança grande repercussão apenas uma década depois de sua publicação. Em 1965, ganha montagem cênica do grupo do Teatro Universitário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TUCA), com direção do dramaturgo Silnei Siqueira (1934-2013) e música assinada pelo cantor e compositor Chico Buarque (1944). O espetáculo se torna sucesso de crítica e público e pavimenta um percurso de êxito da obra, que nas décadas seguintes é traduzida para outras línguas, adaptada para o cinema em longa-metragem homônimo (1977), dirigido pelo cineasta Zelito Viana (1938), e para a televisão, em 1981, no especial homônimo da Rede Globo, com direção de Walter Avancini (1935-2001). Em 1990, com Morte e vida severina, João Cabral de Melo Neto se torna o primeiro escritor brasileiro a vencer o Prêmio Camões de Literatura e, em 1994, com júri composto pelo escritor português José Saramago (1922-2010), entre outros nomes, o poema vence o prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana.

A partir do olhar crítico e da linguagem precisa e sem excessos de seu autor, Morte e vida severina compõe o cânone da literatura brasileira e se fixa como obra capaz de traduzir os efeitos da desigualdade social brasileira. Ao amplificar as vozes dos muitos Severinos, retirantes brasileiros que fogem da miséria e da morte, o poema comprova que o lirismo está presente também naquilo que parece não caber na beleza da poesia.

Notas

1. Redondilha é nomenclatura utilizada para designar versos compostos por cinco ou sete sílabas poéticas. As estruturas de versos com cinco sílabas poéticas (pentassílabos) são chamadas de redondilhas menores e as de versos de sete sílabas poéticas (heptassílabos), redondilhas maiores.

2. PINTO JÚNIOR, Braz. Alusão e intertexto: a dinâmica da apropriação em Morte e vida severina. Dourados: Editora UFGD, 2014. p. 28.

Fontes de pesquisa 6

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  • CORRÊA, Ana Laura dos Reis et al. As fraturas da modernização em Morte e vida severina. Revista Cerrados, Brasília, v. 13, n. 17, p. 35-53, 2004.
  • LUCENA, Bruna Paiva de. É fácil ver a chuva quando você não se molha: os gabinetes da historiografia literária e do cordel e as poéticas a céu aberto. 2016. 180 f. Tese (Doutorado em Literatura) – Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/22603/1/2016_BrunaPaivadeLucena.pdf. Acesso em: 13 out. 2022.
  • MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1974.
  • PINTO JÚNIOR, Braz. Alusão e intertexto: a dinâmica da apropriação em Morte e vida severina. Dourados: Editora UFGD, 2014.
  • RIBEIRO, Edneia Rodrigues. “O dialeto” de João Cabral de Melo Neto. Alea Estudos Neolatinos, v. 23, n. 2, p. 92-109, maio/ago. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1517-106X/202123292109. Acesso: 12 out. 2022.
  • SOUZA, Warley. João Cabral de Melo Neto. Mundo Educação, [S.l.], [s.d.]. Escritores brasileiros. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/joao-cabral-melo-neto.htm. Acesso em: 26 maio 2023.

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