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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Carinhoso

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 26.02.2024
1917
Considerada nosso “segundo hino nacional”, “Carinhoso” é uma das canções mais lembradas pelos brasileiros1. Escrita por volta de 19172, ela perdura na memória auditiva de gerações e testemunha, nos vários registros, as mudanças por que passou a música popular brasileira. A declaração de Pixinguinha (1987-1973) sobre sua composição é reveladora: 

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Análise

Considerada nosso “segundo hino nacional”, “Carinhoso” é uma das canções mais lembradas pelos brasileiros1. Escrita por volta de 19172, ela perdura na memória auditiva de gerações e testemunha, nos vários registros, as mudanças por que passou a música popular brasileira. A declaração de Pixinguinha (1987-1973) sobre sua composição é reveladora: 

Quando fiz a música, Carinhoso era uma polca lenta. Naquele tempo, tudo era polca. O andamento era esse de hoje. Por isso, eu chamei de polca-lenta ou polca vagarosa. Depois, passei a chamar de choro. Mais tarde, alguns acharam que era um samba3

De fato, ao longo de suas regravações, “Carinhoso” registra a sedimentação dos gêneros musicais brasileiros.

Segundo as lembranças de Pixinguinha, “Carinhoso” surge como uma polca atípica: possuía apenas duas partes (ABAB4), numa época em que se exige do gênero que seja ternário (ABACA). Por isso, o compositor não cogita gravá-la ou editá-la em partitura, deixando-a “encostada” por muitos anos. Seu primeiro registro, sob a denominação “choro” e ainda sem letra, é realizado em 1928, na Parlophon, onde Pixinguinha trabalha como arranjador. É interpretada por uma banda de sopros, a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, num andamento mais rápido do que o executado hoje em dia. A gravação apresenta o famoso baixo que, na primeira parte da música, preenche as notas longas no fim de cada frase da melodia principal. Esse recurso, que imprime à peça um dinamismo harmônico inovador, é considerado, à época, efeito da “jazzificação” de Pixinguinha, que andaria “influenciado pelos ritmos e melodias da música de jazz5. Segundo Cruz Cordeiro (1905-1984), crítico de discos da revista Phonoarte, a “introdução [da música] é um verdadeiro fox-trot” e, “no seu decorrer, apresenta combinações de pura música popular yankee”6. Uma gravação semelhante é realizada pela Victor, em 1929, ano em que “Carinhoso” integra a trilha do filme Acabaram-se os Otários (1929), de Luiz de Barros (1893-1982).

Segundo o biógrafo de Pixinguinha, Sérgio Cabral (1937), o primeiro compositor a escrever uma letra para “Carinhoso” é Benoit Certain, que chega a cantá-la num programa de rádio, sem sucesso. Pouco depois, em 1936, a cantora Heloisa Helena (1917-1999) pede ao compositor Braguinha que escreva novos versos para a canção. Pretende interpretá-la num espetáculo beneficente organizado pela primeira-dama Darcy Vargas (1895-1968). É essa a versão que se imortaliza, mesmo sendo alvo de desconfiança. Talvez por conta da simplicidade da letra, Francisco Alves (1898-1952) e Carlos Galhardo (1913-1985) recusam-se a gravá-la, ficando seu registro a cargo do pouco conhecido Orlando Silva (1915-1978). Mesmo duvidando da qualidade dos versos, Silva encomenda uma nova letra a Pedro Caetano (1911-1992). O diretor da Victor, contudo, insiste na versão de Braguinha, que alcança enorme sucesso na voz do “cantor das multidões”. 

Uma das qualidades da canção é a sintonia entre estrutura musical e narrativa poética. Os versos enunciam os sentimentos de um enamorado que, após observar sua amada de longe (“Meu coração, não sei por quê/ Bate feliz quando te vê”), imagina como seria declarar seu amor (“Ah se tu soubesses como sou tão carinhoso/ E o muito, muito que te quero”) e, finalmente, consumá-lo (“Vem sentir o calor dos lábios meus/ À procura dos teus”). Esses três momentos, carga emotiva crescente, correspondem às três seções da música (e não duas, como afirmava Pixinguinha). A primeira, em Fá maior (do início até “foges de mim”), a segunda, em Lá menor (de “Ah se tu soubesses” até “não fugirias mais de mim”) e a terceira, em Fá maior (de “Vem sentir o calor” até o final). Musicalmente, essas seções também acumulam uma tensão progressiva, sobretudo na passagem da segunda para a terceira partes, ligadas por uma ponte modulatória7 (“Vem, vem, vem, vem”), que prepara o retorno à tonalidade inicial.

Outro elemento que pode explicar o sucesso da gravação de Orlando Silva – cujo selo indica o gênero “samba estilizado” – é o arranjo, atribuído a Pixinguinha. Nele, a banda de sopros da gravação de 1928 cede lugar a um arranjo regional (flauta, dois clarinetes, violão, cavaquinho, bateria e contrabaixo). Além disso, o andamento é mais lento, o que atribui uma aura sentimental à peça, condizente com a letra. Orlando Silva ajuda a imprimir esse caráter à composição ao estender ou encurtar a duração de algumas sílabas. Tal efeito é perceptível na segunda estrofe (“E os meus olhos/ ficam sorrindo...”), quando o cantor substitui o ritmo característico do maxixe, presente na versão instrumental, por outro mais fluido, quase tercinado. Outra novidade de 1937 é a introdução, que não aparece em nenhuma das versões anteriores8. Faz tanto sucesso, que é agregada à composição.

Em 1938, Pixinguinha escreve um “arranjo sinfônico” de “Carinhoso”, no qual dá destaque para os arcos (violino, violas e violoncelo) e emprega recursos rítmicos e harmônicos incomuns no choro, como sétimas diminutas e nonas aumentadas9. A obra, levada ao ar pela rádio Mayrink Veiga, é, talvez, uma resposta aos boatos da época, de que Pixinguinha teria “perdido a vez” para Radamés Gnattali (1906-1988) por não dominar a escrita para cordas10. Independentemente das razões do compositor, o arranjo revela que “Carinhoso”, surgido como polca, criticado como choro “jazzificado”, eternizado como samba-canção, também pode revestir-se do espírito sinfônico e das sonoridades das big-bands. Essa maleabilidade da composição talvez explique por que ela permanece atual.

Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), “Carinhoso” está entre as canções brasileiras mais regravadas no país11. Ao longo de mais de 80 anos, foi registrada por quase 300 intérpretes.  Entre solistas de música instrumental, pode-se citar Jacob do Bandolim (1918-1969), Garoto (1915-1955) e Dilermando Reis (1916-1977). Exemplos de regravações por orquestras e conjuntos são Sexteto Radamés Gnattali, Jazz Sinfônica de São Paulo e Banda Sinfônica do Rio de Janeiro. Entre os cantores, pode-se citar: Ângela Maria (1929), Elizeth Cardoso (1920-1990) e Paulinho da Viola (1942).

 

 

Notas

1. Em 1949, a canção venceu uma enquete sobre “Os dez maiores sambas brasileiros”, realizada pela revista Cigarra-Magazine. Em 1989, foi a mais indicada pelos participantes da série de programas “As Dez Mais de Sua Vida”, produzida e apresentada por Luís Carlos Saroldi nas rádios MEC e JB. In: SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, v.1(1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. p.155.

2.  Segundo o próprio compositor, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som (MIS) em 1968. In: MOTA, M. A. Rezende (Coord.). Pixinguinha. Rio de Janeiro: UERJ: MIS, 1997. p. 80. (Série Depoimentos.)

3. Idem, ibidem.

4. Forma de organizar a estrutura de uma peça musical, na qual o compositor elege uma ordem das partes da música para apresentar suas ideias e temas. Essas partes são representadas pelas letras ABCD e ajudam o músico a indicar as alternâncias com os temas, as repetições e os contrastes na composição. 

5. Apud CALADO, Carlos. O Jazz como Espetáculo. São Paulo: Perspectiva: Secretaria do Estado da Cultura, 1990. p. 237. (Debates.)

6. Apud CALADO, op. cit.

7. Trecho musical que faz a passagem de uma tonalidade para outra.

8. Além das gravações da “Orquestra Típica Pixinguinha-Donga” (1928) e da “Orquestra Victor Brasileira” (1929), outra foi realizada em 1934, por Luperce Miranda ao bandolim. Em todas elas, a música inicia-se na primeira parte, sem nenhum tipo de introdução.

9. Encarte do disco Som Pixinguinha, de 1971.

10. CABRAL, Sérgio. Pixinguinha: Vida e obra. 4. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 2007. p. 167.

11. BIDERMAN, Iara. Toca outra vez. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 ago. 2013. Ilustrada, p. E1. 

Fontes de pesquisa 9

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  • ALMADA, Carlos. Correlações entre Estrutura Musical e Narrativa Poética em Carinhoso. Revista Brasileira de Estudos da Canção. Natal, v.1, n.1, jan-jun 2012. Disponível em: www.rbec.ect.ufrn.br. Acesso em: 05 jun. 2015.
  • BESSA, Virginia de Almeida. A escuta singular de Pixinguinha. História e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930. São Paulo: Alameda, 2010.
  • BIDERMAN, Iara. Toca outra vez. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 ago. 2013. Ilustrada, p. E1.
  • CABRAL, Sérgio. Pixinguinha: Vida e Obra. 4. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 2007.
  • CALADO, Carlos. O Jazz como Espetáculo. São Paulo: Perspectiva: Secretaria do Estado da Cultura, 1990. (Debates.).
  • MOTA, M. A. Rezende (Coord.). Pixinguinha. Rio de Janeiro: UERJ: MIS, 1997.(Série Depoimentos.).
  • PIXINGUINHA. Som Pixinguinha. Rio de Janeiro: Odeon, 1971 (1 disco + encarte).
  • SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
  • SILVA, Marilia Barboza da; SILVA FILHO, Artur. Pixinguinha: Filho de Ogum Bexiguento. Rio de Janeiro: Gryphus, 1997.

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