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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Os Parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira e a transformação dos meios de vida

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 12.09.2022
1964
Os Parceiros do Rio Bonito: Estudo Sobre o Caipira Paulista e a Transformação dos Seus Meios de Vida é a tese de doutorado em Ciências Sociais do escritor Antonio Candido. É defendida em 1954 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e publicada em 1964 na coleção Documentos Brasileiros, da editora José Olympio.

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Análise

Os Parceiros do Rio Bonito: Estudo Sobre o Caipira Paulista e a Transformação dos Seus Meios de Vida é a tese de doutorado em Ciências Sociais do escritor Antonio Candido. É defendida em 1954 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e publicada em 1964 na coleção Documentos Brasileiros, da editora José Olympio.

Escrito ao mesmo tempo que Formação da Literatura Brasileira (1959), o livro apreende das mudanças nos meios de vida do caipira paulista a uma perspectiva da formação social brasileira. Deriva de investigação sobre a poesia popular presente no cururu, dança cantada do caipira paulista, baseada em desafio entre dois repentistas.

Ao notar que o cunho coletivo dessa manifestação se individualiza, Candido decide estudar as transformações e os problemas econômico-sociais vividos pelos caipiras. Baseia-se em entrevistas com alguns deles, observação e obras como A Ideologia Alemã, dos filósofos alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), Hunger and Work in a Savage Tribe, da antropóloga inglesa Audrey Richards (1899-1984), e Monções, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Entre 1947 e 1954, Candido faz pesquisa de campo no interior de São Paulo, residindo, por 20 dias (em 1948) e 40 (em 1954), num agrupamento rural do município de Bofete, antigo Rio Bonito, perto de Botucatu.
 
Os parceiros do Rio Bonito, caipiras do meio rural dessa região, viviam num sistema fechado com base na agricultura de subsistência e na cooperação entre vizinhos e familiares, à margem dos latifúndios. Quando a comercialização da solidariedade vicinal, a industrialização, a urbanização e o aumento da necessidade de comprar alimentos e bens de consumo se estabelecem, sofrem decadência e depauperamento. Candido analisa o processo e o contexto em que a miséria de muitos aponta a urgência de reforma agrária. 
 
O livro é composto de introdução, três partes principais, conclusão, a parte complementar “A Vida Familiar do Caipira” (artigo publicado na revista Sociologia em 1954), apêndices e bibliografia. A primeira parte, “A Vida Caipira Tradicional”, descreve o tipo de economia semifechada em que a cultura caipira se firma em São Paulo. Em uma sociedade formada com a exploração de escravos e colonos por bandeirantes e fazendeiros, os caipiras permanecem isolados em bairros, baseados na agricultura de subsistência, caça, pesca, indústria caseira e trocas próprias da solidariedade interfamiliar e vicinal.
 
A segunda parte, “A Situação Presente”, apresenta traços de permanência e mudança do agrupamento caipira, que passa de uma economia autossuficiente para a do capitalismo, com destruição dos meios de subsistência e das formas de concepção do mundo. A luta para não passar fome se intensifica, e a dieta do caipira torna-se mal equilibrada.
 
Na terceira parte, “Análise da Mudança”, Candido avalia a migração para o meio urbano quando a autossuficiência dos caipiras é substituída pela aceleração do ritmo de trabalho e pela proletarização. Alguns passam a trabalhar em zonas da agricultura moderna e, com a concentração do latifúndio cafeeiro, sofrem degradação econômica. Isso porque com a nova cultura material multiplica-se o preço de suas necessidades e passam a sofrer de “utopia retrospectiva”, projetando-se num passado de abundância, solidariedade e sabedoria.
 
Para concluir a obra, Candido enfatiza que seu olhar de sociólogo deve ceder a palavra ao político, em busca de soluções para os problemas dos caipiras. A reforma agrária surge no horizonte de sua pesquisa: sem planejamento, a fome atinge o trabalhador, e o latifundiário é inútil. Se a fuga dos caipiras para as cidades buscava suprir as necessidades mínimas vitais e sociais, os bens necessários deveriam incluir arte, recreação e supérfluos.
 
Ao tratar de questões sobre o mundo dos caipiras, como a sociabilidade vicinal, a habitação em bairros, narrativas populares, especificidades da agricultura e da caça e questões de urbanização, o livro de Candido contribui para áreas como a antropologia, a sociologia, a história, a nutrologia e a ciência política.

A recepção entre seus pares é marcada, até hoje, pelo reconhecimento da importância e originalidade da obra. Acadêmicos de Letras, Sociologia e Filosofia, como Celia Pedrosa, José de Souza Martins, Luiz Antonio C. Santos e Maria Sylvia de Carvalho Franco, ressaltam em artigos o fato de a obra tomar como protagonistas os caipiras de São Paulo e combinar múltiplos interesses. Entre eles, por poesia, teoria e métodos antropológicos e sociológicos, observação empírica. Destaca-se ainda pelo viés ético e político, pela clareza de exposição e capacidade de sentir e promover comoção, com empatia pelo objeto.

O olhar atual de Candido para a formação social do país configurada na obra garante que, 30 anos depois, o professor de Sociologia da USP Luiz Carlos Jackson dedique-lhe seu mestrado e livro: A Tradição Esquecida: Os Parceiros do Rio Bonito e a Sociologia de Antonio Candido. Inspiradora também na esfera da arte, a obra de Candido é uma das fontes de Na Carrêra do Divino (1979), peça de Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) sobre uma família de caipiras que migra para a cidade. O  título da peça, nos originais do autor, é Narração Visionária do Velho Nhô Roque Lameu, referência à narrativa de um caipira, registrada no livro de Candido1.
 
Como resultado de pesquisa de campo e embasamento teórico, Os Parceiros do Rio Bonito contribui para o entendimento da história do Brasil. Oferece – com um olhar para tradições, transformações e problemas vividos por parceiros do meio rural – consciência da formação desigual da sociedade brasileira, da necessidade de reforma agrária e de certo potencial de solidariedade.

Nota

1. Cf. BALISTA, Lígia Rodrigues. Pesquisando Soffredini: um mergulho por seu acervo e na história da publicação de um autor ‘quase’ popular. Revista Sala Preta, São Paulo, vol. 17, n. 2, p. 269, dez. 2017. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/138376 > Acesso em 04 jul. 2018; TORTORELLA, Maria Emília. O estudo da estética soffrediniana, dos textos aos palcos: uma proposta de pesquisa. Cadernos Letra e Ato, Campinas, ano 5, n. 5, p. 80, jul. 2015. Disponível em: < https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/letraeato/article/view/320 > Acesso em 04 jul. 2018.

Fontes de pesquisa 9

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  • CARVALHO FRANCO, Maria Sylvia de. A tradição esquecida: os parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido. Belo Horizonte: UFMG; São Paulo: Fapesp, 2002.
  • CARVALHO FRANCO, Maria Sylvia de. Entrevista. Trans/Form/Ação, Marília, v. 34, n. especial, p. 167-177, 2011. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732011000300007&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em 04 jul. 2018
  • D'INCAO, Maria Angela; SCARABÔTOLO, Eloísa Faria (Orgs.) Dentro do texto, dentro da vida: ensaios sobre Antonio Candido. São Paulo: Editora Companhia das Letras: Instituto Moreira Salles, 1992. p. 81-5
  • DEDALUS: Banco de dados bibliográficos da USP. São Paulo, [s.d.]. Disponível em: http://dedalus.usp.br/F. Acesso em: 12 set. 2022.
  • JACKSON, Luiz Carlos. A tradição esquecida: estudo sobre a sociologia de Antonio Candido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 16, n. 47, p. 127-140, 2001. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092001000300008&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em 04 jul 2018
  • LAFER, Celso (Org.). Esboço de figura: homenagem a Antonio Candido. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1979.
  • MARTINS, José de Souza. Antonio Candido e a sociologia em São Paulo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 ago. 1998. Cultura.
  • PEDROSA, Celia. Antonio Candido: a palavra empenhada. São Paulo: Edusp; Niterói: Eduff, 1994.
  • SANTOS, Luiz Antonio C. A radicalidade de Os parceiros do Rio Bonito. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 31-38, jun. 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000200003&lng=en&nrm=iso >. Acesso em 04 jul. 2018

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