Fogo Morto
Texto
Fogo Morto (1976) é o terceiro longa-metragem dirigido por Marcos Farias (1935-1985). Produzido em parceria com a Empresa Brasileira de Filmes S.A.(Embrafilme), é uma adaptação do livro homônimo de José Lins do Rego (1901-1957), publicado em 1943. Seguindo a tendência entre os cineastas do cinema novo de filmar clássicos da literatura moderna brasileira, Fogo Morto retrata a decadência dos engenhos na região canavieira da Paraíba, no início do século XX, quando passam a ser substituídos por grandes usinas. Com melancolia e usando lembranças da infância e adolescência como material para a criação, o escritor concentra o enredo na tensão gerada pelo avanço da modernidade no interior do Nordeste. Cria personagens cuja desorientação provêm da vida num mundo em declínio.
Farias procura preservar a estrutura narrativa do livro, dividida entre três protagonistas: o mestre Zé Amaro [Jofre Soares (1918-1996)], o latifundiário Lula de Holanda [Othon Bastos (1933)] e o quixotesco capitão Vitorino Carneiro da Cunha [Rafael de Carvalho (1918-1981)]. Zé Amaro é artesão que vive de favores em um engenho e tem uma filha com doença mental. Lula de Holanda, senhor do Engenho Santa Fé, refugia-se na religião católica diante da decadência iminente. Vitorino é um capitão que busca resolver os problemas da região canavieira e ascender socialmente.
O drama inicia-se quando Lula de Holanda expulsa Zé Amaro de suas terras, originando uma disputa pelo poder, que envolve militares, políticos locais e cangaceiros liderados por Antônio Silvino [Fernando Peixoto (1937-2012)]. Os três protagonistas de Fogo Morto perdem o lugar no mundo, tornando-se passado naquele contexto em transformação.
Representando a falta de perspectiva que envolve esses personagens, Marcos Farias constrói sequências marcadas por um ritmo temporal lento e cenas com escassas as ações dramáticas. As tomadas de caráter documental (os bois conduzidos ao curral), a repetição de cenas quase idênticas (o ex-escravo Zé Passarinho assoviando à toa), ou a observação minuciosa dos afazeres cotidianos no canavial (o coronel Lula de Holanda rezando) reforçam o sentimento de monotonia e decadência. Esse tratamento predomina desde a abertura do filme. Por exemplo, na sequência em que o cego Torquato encomenda alpargatas ao mestre Zé Amaro, a câmera detém-se na observação deste em seu ofício e na descrição do casebre onde vive com a filha deficiente. Enquanto isso, apresenta, em montagem paralela, cenas do personagem Passarinho, dançando em frente a um riacho e chupando cana em um canavial.
Embora seja um dos aspectos mais atraentes de Fogo Morto, esse tratamento da monotonia é visto com desconfiança pela maioria da crítica jornalística contemporânea ao filme. Oscar Guilherme Lopes, no semanário Opinião, observa, com restrições, a tendência de privilegiar a fala e a narração em voz over em detrimento da ação: "A falta de perspectivas próprias levará as personagens a substituir a ação pela fala. Daí a prevalência que a palavra – recurso literário – assume sobre a imagem no filme de Marcos Farias. E, quase sempre, mesmo quando se dirigem aos outros, os personagens falam para si mesmos. Eles se fecham sobre si mesmos (...). A interferência da voz do narrador é um recurso literário utilizado para contar o que a imagem não foi capaz de mostrar"1.
O crítico José Carlos Avellar (1936-2016) concorda com essa análise: "Na maior parte dos casos as coisas que os personagens fazem em cena esclarece pouco sobre eles mesmos. [...] É muito provável que as situações só se liguem com coerência para o espectador que tenha lido o romance antes de ir ao cinema, porque o filme elimina informações a rigor necessárias [...] [procurando] na maior parte do tempo envolver o espectador numa atmosfera em lugar de levá-lo a participar de uma história"2.
Apesar das restrições, a crítica elogia a fotografia do filme – feita sem iluminação artificial – e o trabalho cenográfico realizado por Raquel Sisson. A minuciosa pesquisa sobre a ambientação e as vestimentas na região canavieira ficcionalizada por José Lins do Rego é publicada no livro Cenografia e Vida em Fogo Morto (1977) pela Embrafilme e editora Artenova. Em consequência da recepção pouco entusiástica da imprensa, Marcos Farias publica em 10 de dezembro de 1976, na revista Opinião, a carta "Todo filme brasileiro é bom". Nela, sugere aos jornalistas que celebrem como vitória a ocupação do mercado interno de exibição cinematográfica por qualquer filme nacional, independentemente de sua qualidade, contra o domínio do cinema norte-americano. O filme estreia no Rio de Janeiro em novembro de 1976, entrando em cartaz em São Paulo em maio do ano seguinte.
Notas
1 LOPES, Oscar Guilherme. Cinema em fogo brando. Opinião, São Paulo, 6 nov. 1976.
2 AVELLAR, José Carlos. Memória visual. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 nov. 1976.
Fontes de pesquisa 6
- AVELLAR, José Carlos. Memória visual. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 nov. 1976.
- FARIAS, Marcos. Todo filme brasileiro é bom. Opinião, São Paulo, n. 214, 10 dez. 1976.
- LOPES, Oscar Guilherme. Cinema em fogo brando. Opinião, São Paulo, n. 212, 26 nov. 1976.
- O ESTADO de S. Paulo. “FOGO morto” estréia no circuito paulista. Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 mai. 1977.
- REGO, José Lins do. Fogo Morto. Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.
- SISSON, Rachel. Cenografia e vida em Fogo morto. Rio de Janeiro: Artenova, Embrafilme, 1977.
Como citar
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FOGO Morto.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra70192/fogo-morto. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7