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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Anjos do Arrabalde

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 17.05.2024
1986
Anjos do Arrabalde (1986) é um longa-metragem dirigido por Carlos Reichenbach (1945-2012). Realização da boca do lixo paulista, tem produção rápida, cenas de sexo e contato com o mercado exibidor. De acordo com o diretor1, as filmagens duram apenas seis semanas. Junto com Amor, Palavra Prostituta (1981), Dois Córregos (1999) e Garotas do ABC (20...

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Anjos do Arrabalde (1986) é um longa-metragem dirigido por Carlos Reichenbach (1945-2012). Realização da boca do lixo paulista, tem produção rápida, cenas de sexo e contato com o mercado exibidor. De acordo com o diretor1, as filmagens duram apenas seis semanas. Junto com Amor, Palavra Prostituta (1981), Dois Córregos (1999) e Garotas do ABC (2004), forma um grupo de filmes femininos. As mulheres que erram sem destino, em busca de afirmação pessoal, marcam toda a obra de Reichenbach. Em Anjos do Arrabalde, relacionam-se à experiência urbana do cineasta, que busca retratar as dificuldades enfrentadas por mulheres nas cidades. O diretor inicia um cinema sensitivo, caracterizado pelo enfoque poético, pela elegância visual e por um elaborado trabalho de fotografia. Neste filme, a sociedade é pensada com base na vida íntima das personagens, suas vontades, seus medos e traumas. 

O longa ambienta-se na periferia de São Paulo. Destaca as favelas, regiões de várzea, e o cotidiano da população de média e baixa renda. O tema é a violência suburbana, baseada na história de três professoras de um colégio público de primeiro grau. A brutalidade policial, a violência escolar, a prostituição, o tráfico de drogas e as brigas domésticas seguidas de assassinatos, são o pano de fundo para a agressão contra a mulher. A narrativa segue uma violência calada, remoída no interior das personagens, que se torna explícita. As personagens Dália [Betty Faria (1941)], Carmo [Irene Stefania (1944-2017)] e Rosa [Clarisse Abujamra (1948)] lutam para sobreviver numa sociedade machista e opressora. Dália é uma professora séria e crítica, que sustenta um irmão problemático. Além da queda por Carmona, descobre-se que ela possui uma relação ilícita com o irmão e tendências homossexuais mal resolvidas. Rosa é uma professora solteira e desiludida, que relaciona-se com Soares, inspetor de escolas casado. Carmo, depois de casada, afasta-se da escola para se dedicar à família. O esposo agride-a diariamente e impede que trabalhe fora. Há ainda uma quarta personagem. Aninha [Vanessa Alves (1963)] é uma moça submissa, que não tem coragem de denunciar o estupro sofrido por um motoqueiro. Sofre espancamentos constantes do marido. Em dois atos de cólera, ela assassina o cônjuge e dá um tiro no estuprador.

Anjos do Arrabalde apresenta uma cidade dominada pela pobreza do subúrbio e retrata a violência urbana. Existe uma acumulação de rancores, neuroses, amores não correspondidos e fracassos profissionais, que culmina em explosões de violência. Depois dos acúmulos, os momentos de crise explodem na forma de assassinatos, agressões físicas ou alucinações poéticas. 

No final do filme, os atos de violência intensificam-se. Depois de romper a relação ilícita com Soares, Rosa é afastada da escola pelo referido inspetor. Ele nomeia sua própria esposa como nova coordenadora da entidade e transfere Rosa de trabalho. Dália chega à escola e fica sabendo da transferência da amiga. As duas encontram-se no banheiro. Diante do espelho, Rosa inicia uma autopunição, concluída na sala de aula, em frente dos alunos. Segue-se uma sequência de tom poético. Rosa dá uma aula sobre o poeta Jorge de Lima (1893-1953). A aluna lê o poema Invenção de Orfeu, que faz referências ao julgamento final, numa ilha isolada, diante de um tribunal. Um movimento de câmera amplia o campo de visão, apresentando a professora em frente aos alunos, como se diante de um tribunal. Um close apresenta a face de desespero da personagem. A voz de Rosa sussurra novamente o poema, até que ela corta o pulso com um estilete. O trecho sucede-se como um pesadelo, aproximando o espectador da suposta loucura de Rosa. Metaforicamente, as imagens apresentam a penitência e a autopunição da personagem. A classe e o cotidiano escolar representam a pressão social que suga as esperanças de Rosa. 

Durante o ano de 1987, Anjos do Arrabalde é exibido em diversos festivais. Na Europa, ganha sessões no Festival de Roterdã e no 16º Festival de Figueira da Foz (Portugal), onde a plateia fica chocada com a violência das imagens2.  No 15º Festival de Gramado, o filme é elogiado por sua “sensibilidade ao tratar dos problemas das classes média e baixa brasileiras”3. Neste evento, recebe os prêmios de melhor filme, melhor atriz (Betty Faria) e melhor atriz coadjuvante (Vanessa Alves). Recebe ainda o Prix L´Age D´Or, pela Cinemateca Real de Bruxelas em 1987. Os artigos a respeito do longa proliferam. O contato com a realidade é um dos temas privilegiados. Para Fernão Ramos (1957), a narrativa relaciona-se com “a banalidade de um cotidiano qualquer”, sem carga emocional ou desfecho dramático. “Anjos do Arrabalde é feito de maneira a nos revelar o lado efêmero da nua realidade cotidiana”4. O crítico David Mendes (1962), por sua vez, indica uma mescla de naturalismo e alegoria. A violência, a opressão e as paixões são tratadas de forma naturalista. Na cena do suicídio de Rosa, com os pulsos cortados, há uma dimensão alegórica. Para o crítico, trata-se de um “momento-Buñuel, de alta poesia em meio a uma narrativa naturalista de precisão [...]”5.

A crítica também trata dos pontos de contato entre Anjos do Arrabalde e os filmes do chamado cinema da vila. No Festival de Gramado, o filme de Reichenbach concorre com Anjos da Noite (1987), de Wilson Barros (1948-1992). O crítico e jurado Carlos Alberto de Mattos (1964)6 aproxima-os. Segundo ele, são crônicas que tratam da dificuldade das relações humanas com personagens marcantes. Diversas são as semelhanças: a inconsciência dos personagens, as citações e inspiração em um cinema cosmopolita americano ou europeu.  

Notas

1 A. Entrevista: Carlos Reichenbach. Cinevideo, São Paulo, v. 1, n. 3,  p. 24-28, 1987. 

2 REICHENBACH, Carlos. Dias quentes em Figueira. Cisco, v. 2, n. 8, p. 16-17, jun. 1987.

3 A. Anjos do arrabalde. Ultima Cena, n. 11, p. 4-5, maio 1987.

4 RAMOS, Fernão. Um cotidiano qualquer. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 fev. 1987. Caderno 2, p. 4.

5 MENDES, David França. Resgate dos valores estéticos do Cinema Novo. Caderno de Crítica, n. 4, , set. 1987. p. 19.

6 MATTOS, Carlos Alberto de. Anjos xifópagos. Caderno de Crítica, n. 5,  p. 10-12, maio 1988.

7 YAMAJI, Joel. Os anjos do arrabalde. Cine Imaginário, v. 2, n. 18, p. 7, maio 1987.

Fontes de pesquisa 10

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  • A. Anjos do arrabalde. Ultima Cena, n. 11, p. 4-5, maio 1987.
  • A. “Entrevista: Carlos Reichenbach. Cinevideo, São paulo, v. 1, n. 3, p. 24-28,1987.
  • LYRA, Marcelo. Carlos Reichenbach - O Cinema como Razão de Viver. São Paulo: Imprensa oficial do Estado de São Paulo, 2004.
  • LYRA, Marcelo. Um libertário atrás das câmeras. In. CENTRO Cultural Banco do Brasil. Diretores brasileiros: Carlos Reichenbach. Rio de Janeiro: CCBB, 2005.
  • MATTOS, Carlos Alberto de. Anjos xifópagos. Caderno de Crítica, n. 5, p. 10-12, maio 1988.
  • MENDES, David França. Resgate dos valores estéticos do Cinema Novo. Caderno de Crítica, n. 4, p. 17-9, set. 1987.
  • RAMOS, Fernão. Um cotidiano qualquer. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 fev. 1987. p.4. Caderno 2.
  • REICHENBACH, Carlos. Dias quentes em Figueira. Cisco, v. 2, n. 8, p. 16-17, jun. 1987.
  • THOMÉ, Eliana. Os Anjos de Reichenbach.” Cisco, v.2, n. 7, p. 9, abr. 1987.
  • YAMAJI, Joel. Os anjos do arrabalde. Cine Imaginário, v. 2, n. 18, p. 7, maio 1987.

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