Baile Perfumado
Texto
Baile Perfumado (1996) é um longa-metragem com direção de Lírio Ferreira (1965) e Paulo Caldas (1964). Realizado com apoio do Governo do Estado de Pernambuco, da Eletrobrás e do Banco do Nordeste do Brasil e da Lei Rouanet. Com lançamento oficial em 1997, é um marco da chamada “retomada” do cinema brasileiro. No longa-metragem, alternam-se imagens de Super 8 e de vídeo, com uma estética que transita entre o cinema novo e os filmes de ação hollywoodianos. A direção musical é assinada por Paulo Rafael sob influência da cena musical manguebeat1, com a participação de Chico Science (1966-1997). Trabalham na pesquisa do filme o crítico e cineasta Fernando Spencer (1927-2014) e o historiador Frederico Pernambucano.
A história é baseada em fatos verídicos: o encontro entre o mascate libanês Benjamin Abrahão (1890-1938) e Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), interpretados respectivamente por Duda Mamberti (1965) e Luis Carlos Vasconcelos (1954). Narrado pelo personagem de Abrahão em libanês, o filme mescla imagens reais capturadas pelo mascate, em preto e branco, e outras ficcionais, coloridas. Com isso, cria um cenário no qual se alternam as décadas de 1930 e de 1990, o interior nordestino e a capital Recife. A montagem constrói-se com focos entrecruzados. Por um lado, Abrahão decide documentar, em filmes e em fotos, Lampião e seu bando, com o objetivo de comercializar a história do cangaceiro. Por outro lado, apresenta os bailes organizados por Lampião - baile é palavra utilizada pelos cangaceiros para designar a guerra2. A narrativa desenvolve-se em cortes secos entre as cenas, exacerbação da violência e alguns momentos de nítida estilização. O tom documental é fruto da incorporação, no filme, dos registros fílmicos feitos por Abrahão e de seu real encontro com os cangaceiros.
Embalado pela música pop do Recife, Baile Perfumado constrói uma colagem em que se alternam imagens com tomadas aéreas e ângulos não convencionais, nas quais se apresentam paisagens do sertão e closes dos personagens feitos de baixo para cima. Uma imagem de Lampião como figura proto-revolucionária cede lugar ao ícone pop, como observa o crítico Ismail Xavier (1947). O autor sublinha a interface entre o moderno, trazida pelos estilos de som, montagem e câmera, e a tradição enfatizada pelo tema do cangaço3. A figura pop de Lampião é marcante no longa-metragem. O cineasta Glauber Rocha (1939-1981), por exemplo, cria em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) a figura do bandido que se aproxima do bandido social, definição do historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012). Um tipo de justiceiro, potencial agente histórico transformador, fazendo da violência algo próximo da ação revolucionária. Glauber atribui ao personagem Corisco certa vaidade, proveniente de sua sabedoria e disposição para a luta e do desejo por justiça social. Nessa perspectiva, um nexo entre revolta e justiça, vaidade e sacrifício, por meio da qual a violência associa-se a interesses particulares.
Lampião de o Baile Perfumado é, também, dotado de vaidade, mas numa lógica distinta: sua vaidade revela-se nos produtos de consumo da vida burguesa, como uísque e, como o próprio nome do filme sugere, perfumes. Esses produtos são adquiridos de uma rede de consumo, na qual se articulam cangaceiros e fazendeiros, num jogo de alianças obscuras4. Do mesmo modo, explicitam-se as relações escusas às quais se refere Ismail Xavier. Estabelecem-se trocas entre a cidade e o sertão, que perde o ascetismo e insere-se no consumo. Há conchavos, envoltos em apostas em jogos de carta e regados a bebida importada.
Nesse cenário, há um proprietário local, cuja atitude desagrada tanto a um coronel quanto à Lampião. Firma-se um negócio velado, por meio do qual Lampião sugere que resolverá a situação. Na sequência, os cangaceiros surgem em poses estáticas prontos para serem fotografados por Abraão. Logo, a câmera traz Lampião ao lado da companheira, Maria Bonita, que arruma seu cabelo. Lampião segura um frasco de perfume, que borrifa em Maria Bonita e em direção à câmera.
Essa cena sugere uma reflexão sobre o papel da imagem em Baile Perfumado. Para José Geraldo Couto (1957) “o filme não é propriamente uma renovação do gênero cangaço, mas uma reflexão sobre a modernização do Nordeste e sobre o papel da imagem (fotográfica, cinematográfica, simbólica) nesse processo”5. Assim, a figura do mascate Abrahão torna-se o fio condutor da história. Como observa Inácio Araujo (1948):
Lampião, como os policiais ou os coronéis, são fatalidades nordestinas. Abrahão não é. Ele busca a aventura, ao mesmo tempo em que corre atrás do fascínio de Lampião. Ele busca o lucro (sonha em ver essas imagens de Lampião exibidas pelo mundo). Ele busca a vida, em última análise. Existe no "Baile Perfumado" uma mistura de euforia - que diz respeito ao triunfo de Abrahão - e depressão - que diz respeito ao destino dessas imagens, quase todas perdidas. Euforia e depressão que de certa forma duplicam a questão lançada pelos diretores: a modernidade que chega ao sertão (levada pelo cinema de Abrahão, pelos novos equipamentos da volante, pelos perfumes franceses de Lampião) é também o que apressa o fim do cangaço real e o transforma em mito, em história6.
Baile Perfumado leva cerca de 80 mil espectadores aos cinemas. É exibido em diversos festivais entre os quais, Cannes, Havana, Toronto, Líbano e São Francisco. Ganha, entre outros, prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção de Arte e Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília, e Prêmio da Unesco.
Notas
1. Termo que abrange a cena musical pernambucana a partir dos anos 1990. Inicialmente cunhado como mangue, passa a ser chamado mangue bit, pela associação das novas tecnologias/ internet com a cultura tradicional. Populariza-se como manguebeat, graças às repetidas menções na imprensa.
2. SALDANHA, Gabriela Lopes. Geração Árido Movie: o cinema cosmopolita dos anos noventa em Pernambuco. Dissertação (Mestrado em Multimeios) - Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009. p. 31.
3. XAVIER, Ismail. Cinema nacional: táticas para um tempo sem estratégias. Comunicação & Educação: Revista do Departamento de Comunicação e Artes ECA/USP, São Paulo, n.18, 2008. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/36923 >. Acesso em: 12 jun. 2016.
4. XAVIER, Ismail. Da violência justiceira à violência ressentida. In: Ilha do Desterro, Florianópolis, n. 51, p. 57-58, jul./ dez. 2006.
5. COUTO, José Geraldo. “Baile Perfumado” moderniza sertão. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 maio 1998. Ilustrada, p. 56. In: CINEMATECA BRASILEIRA(org). Coleção de recortes de jornais e revistas sobre filmes lançados em vídeo no ano de 1998. São Paulo, 1998. 55 documentos. (Anuário 1998). Localização: P. 19988/606 (Cinemateca Brasileira).
6. ARAUJO, Inácio. O aroma do cangaço é recuperado. Folha de São Paulo, São Paulo, 1 ago. 1997. Ilustrada. Disponível em: Acesso em: 2 mar. 2017.
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BAILE Perfumado.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra70117/baile-perfumado. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7