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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Brás, Bexiga e Barra Funda

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 08.02.2021
1927
Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Brás, Bexiga e Barra Funda, 1927
Alcântara Machado

Partindo da atuação como jornalista, Machado evidencia o que chama de “artigos de fundo” (isto é, textos de destaque de uma publicação diária) sobre protagonistas da cidade e da nação brasileira, os italianos. Do “consórcio da gente imigrante com o ambiente” nascem as “notícias” do volume, que começa com a apresentação de “Gaetaninho”. O apelido...

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Publicada em 1927, Brás, Bexiga e Barra Funda é a obra importante de Antônio de Alcântara Machado (1901-1934). Ao longo dos 11 contos nela coligidos, o autor observa as transformações sociais da capital paulista sob o prisma da imigração italiana.

Partindo da atuação como jornalista, Machado evidencia o que chama de “artigos de fundo” (isto é, textos de destaque de uma publicação diária) sobre protagonistas da cidade e da nação brasileira, os italianos. Do “consórcio da gente imigrante com o ambiente” nascem as “notícias” do volume, que começa com a apresentação de “Gaetaninho”. O apelido é transformado em manchete por conta de uma uma tragédia cotidiana: o atropelamento de um menino cujo sonho é acompanhar um enterro ao lado do cocheiro. Dos sonhos interrompidos de uma criança, passa-se ao jogo social, cujos protagonistas podem ser: uma jovem tecelã, “Carmela”, (dividida entre seu relacionamento com um pobre barbeiro da colônia e a aventura a bordo de um Buick com um bon vivant local); uma criança, a pobre “Lisetta”, (às voltas com o desejo irrefreável de brincar com o urso de pelúcia de uma menina de melhor condição econômica); ou um deputado de nome luso-brasileiro, “Januário Peixoto de Faria”, cujo passado de orfandade esconde o nome bárbaro de “Gennaro”. 

Em outros momentos, os retratos expandem-se para abranger: situações-limite, caso de “Amor e Sangue”, em que se narra um crime passional; casamentos arranjados, como em “Sociedade”, em que italianos e brasileiros celebram o enriquecimento mútuo à sombra do preconceito com o imigrante; ocasiões festivas da população operária da cidade, “Corinthians (2) vs. Palestra (1)”, em que a rivalidade entre agremiações pauta as decisões amorosas de uma jovem dividida entre dois amantes; ou ainda o abraço de corrompidos e corruptores, “Armazém Progresso de São Paulo”, com que também se celebra a prosperidade do imigrante e dos nascidos na cidade. Com foco no retrato, ou no interesse da situação, Alcântara Machado aborda a integração dos italianos à vida brasileira, explorada pelos modernistas pós-Semana de 1922, sobretudo a partir do movimento pau-brasil (1924).    

À medida que segue os contemporâneos modernistas e constrói retratos do “italianinho” paulista, tendo por horizonte a formação de uma nacionalidade, Alcântara Machado empresta sutileza épica às narrativas. Essa é a percepção do crítico e diretor teatral Sérgio de Carvalho (1967): “o drama de todos os dias, a ser mostrado em cena, deveria se dar em escala de epopeia, compondo um painel de heróis moralmente ambíguos, formalização ampla no tempo e espaço, feita de episódios em que predomina o exame da ação e não do caráter individual”1. Tal painel contrapõe-se, no plano estético, a uma crítica comum à técnica literária de Alcântara Machado – a da inexistência, como afirma Alfredo Bosi (1936), de qualquer

identificação coerente [de Alcântara Machado] com o imigrante, pitoresco no máximo, patético porque criança (o conto célebre de Gaetaninho), mas, em geral, ambicioso, petulante, quando capaz de competir com as famílias tradicionais em declínio. O populismo literário é ambíguo: sentimental, mas intimamente distante2

Quando vista sob a perspectiva de uma “epopeia do progresso urbano”, no entanto, a suposta deficiência da caracterização (que por vezes sugere tons de sátira e paródia, principalmente no que toca à linguagem dos imigrantes) deriva menos do elitismo ideológico do autor do que de opções estéticas que colocam Brás, Bexiga e Barra Funda na literatura urbana dos grandes centros. Nesse sentido, ainda soa verdadeiro o comentário contemporâneo do jornalista Peregrino Jr. (1898-1983) sobre a vida “Sem enfeites. Sem disfarces. Sem comentários” representada na obra, “sem a preocupação besta de falar difícil, de fazer teses e explicar fenômenos sociológicos”3. O “espírito de observação” elogiado pelo crítico, espírito que “anda pela vida com uns olhos grandes de ‘kodak’, fixando com exatidão as coisas que encontra em seu caminho”, remonta à apropriação da experiência fragmentada da metrópole e das técnicas de informação que guiam o romance vanguardista europeu e norte-americano das décadas de 1920 e 1930.

Na ação e integração das personagens em um horizonte mais amplo de sentido, nacional ou paulista, podemos observar em Alcântara Machado a construção de uma ética narrativa calcada na exposição técnica de seus processos (vide a relação entre literatura e jornalismo, conto e notícia, que abre o volume). 

Notas

1 FLORES Jr., Wilson José. O modernismo e a representação “realista” do cotidiano urbano: Mário de Andrade lê Antônio de Alcântara Machado. Revista Garrafa, Rio de Janeiro, n. 25 , set./ dez. 2011.

2 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 32 ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1994. p. 375.

3 FLORES Jr., Wilson José. O modernismo e a representação “realista” do cotidiano urbano: Mário de Andrade lê Antônio de Alcântara Machado. Revista Garrafa, Rio de Janeiro, n. 25 , set./ dez. 2011.

Fontes de pesquisa 4

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  • ALCÂNTARA MACHADO, Antônio de. Brás, Bexiga e Barra Funda e Laranja da China. São Paulo: Klick: O Estado de São Paulo, 1999.
  • BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 32. ed. rev. e aum. São Paulo: Cultrix, 1994.
  • CARVALHO, Sérgio de. O drama impossível: teatro modernista de António de Alcântara Machado, Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São paulo, São Paulo, 2002.
  • FLORES JR., Wilson José. O modernismo e a representação “realista” do cotidiano urbano: Mário de Andrade lê Antônio de Alcântara Machado. Revista Garrafa, Rio de Janeiro, n. 25 , set./ dez. 2011.

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