Olho de Peixe
Texto
Histórico
Olho de Peixe é o disco do cantor e compositor Lenine (1959), em parceria com o percussionista Marcos Suzano (1963), lançado em 1993 pelo selo Velas. É o segundo álbum do compositor e responsável por impulsionar sua carreira. O repertório do disco inclui parcerias com os letristas Lula Queiroga (1960), em O Último Pôr do Sol, Bráulio Tavares (1950), em Miragem do Porto, Dudu Falcão (1961) em Pedra e Areia, e Paulo César Pinheiro (1949), em Leão do Norte. A produção é de Lenine, Suzano e do engenheiro de som Denilson Campos.
Apesar de ter uma instrumentação enxuta, quase exclusivamente voz, violão e percussão, Olho de Peixe foge da sonoridade comum de duos com a mesma formação. A escolha dos instrumentos de percussão utilizados no disco tem a preocupação de preencher as frequências sonoras por completo: graves, como, por exemplo, pandeiro, tantã, pandeirão, derbak; médias, como reco-reco, lata, moringa; e agudas, com triângulo, ganzá e block, pode-se ouvir esse resultado mais evidente em O Último Pôr do Sol. Suzano é reconhecido por sua técnica de pandeiro, na qual utiliza o instrumento imitando os comportamentos de uma bateria completa, a exemplo de Olho de Peixe ou em Escrúpulo. Aliado ao violão de Lenine, que consegue ser ao mesmo tempo percussivo, com grooves, bordões nas cordas graves e riffes como em Acredite ou Não, e harmônico com escolha de vozes harmônicas que abrem a sonoridade do acorde, como em Miragem do Porto e O que É Bonito?, o resultado é uma escuta de frequências completas em que não se sente a falta de outros instrumentos. Combinados com a mixagem de Denilson Campos, com exemplo de Caribenha Nação / Tuaregue Nagô, esses elementos são importantes para compreender como eles conseguiram preencher o som de Olho de Peixe com apenas a formação de duo. A percussão vem para o primeiro plano do disco e isso se reflete no palco.
A sonoridade do CD mescla ritmos nordestinos, como maracatu e baião, com rock. Essa fusão já havia sido proposta por Alceu Valença (1946) nos anos 1970, mas nos anos 1990 ela é celebrada na cena musical de Recife principalmente por Chico Science (1966-1997) e pela banda Mundo Livre S.A. No entanto, o resultado do som de Lenine e Suzano é diferente do desses grupos e abre uma nova vertente da então música popular brasileira contemporânea, produzida por artistas de Pernambuco.
Na canção Caribenha Nação / Tuaregue Nagô, busca as origens afrodescendentes do Recife e depois, em contexto mais atual, em Leão do Norte, de Lenine em parceria com Pinheiro, tem citação de vários artistas, poetas e músicos de Pernambuco e do norte do Brasil.
A questão do regional e global fica evidente em Mais Além, em que a letra faz referências ao índio norte-americano: “Ao leste das montanhas da nação cherokee / Um índio na motocicleta cruza o deserto / Ao longe o cemitério onde dorme o pai / Mas ele sabe que seu pai não está ali / É mais além”. Essa relação, ao mesmo tempo distante e extremamente próxima, é captada pela grande angular, pelo olho de peixe do autor. A visão horizontal do mundo e seus povos locais é permeada por uma visão mais vertical e existencial do homem e seus próprios conflitos e sua relação com o incerto, a sociedade e tecnologia e a morte, como nos versos: “O astrônomo lunático / Brincando com o sol / Descobre que a distância / Não é mais que um cálculo / É mais, é mais, é mais além” – no qual o cientista se vê sem respostas, em contraposição a versos mais adiante na canção: “O homem sobre a areia como era no início / Roçando duas pedras, uma em cada mão / Descobre a fagulha / Que incendeia o paraíso / E imaginou que havia inventado Deus / É mais, é mais além”.
Essa visão vertical existencial também aparece em O que É Bonito?, na qual o eu-lírico, seus anseios e dúvidas perante um contexto social esmagador, se desnorteia e apenas absorve, como nos versos: “Eu quero tudo / Que dá e passa / Quero tudo / Que se despe / Se despede e despedaça”, a constante insatisfação na qual ter está atrelado a destruir para ter novamente.
Outro tema é a paisagem idílica e da ideia de praia como em A Gandaia das Ondas / Pedra e Areia, no entanto essa natureza não está restrita ao imaginário nordestino, e esbarra por outros lugares, de maneira que via natureza seja possível trafegar por entre fronteiras: “Paguei promessa e fui a pé daqui até Dakar / Praia, pedra e areia, boto e sereia, os olhos de iemanjá / Água, mágoa do mundo, por um segundo achei que estava lá”.
Olho de Peixe é gravado de maneira independente em quatro semanas, bancado pelos próprios artistas, em uma época em que os homes studios não são ainda de fácil acesso e a gravação é analógica e não digital, o que torna a produção independente de um álbum muito caro. O disco gera repercussão e o duo faz turnê pela Europa e também pelo Japão. Por consequência, o trabalho seguinte de Lenine, O Dia que Faremos Contato (1997), é lançado por uma grande gravadora, a BMG.
Mesmo assim, a independência e a liberdade criativa que Olho de Peixe propicia ao artista são um modelo de trabalho para toda a produção seguinte de Lenine. Em 2013, os músicos se reencontram para tocar músicas do CD em comemoração dos 20 anos do disco.
Fontes de pesquisa 5
- ESSINGER, Silvio. Lenine e Marcos Suzano se reencontram no palco para tocar Olho de Peixe. O Globo, Rio de Janeiro, 18 abr. 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/lenine-marcos-suzano-se-reencontram-no-palco-para-tocar-olho-de-peixe-8142166. Acesso em: 17 de julho de 2013.
- FENERICK, José Adriano. A globalização e a indústria fonográfica dos anos 1990. Revista ArtCultura, Uberlândia, vol. 10, nº 16 , p.123-139, 2008.
- LENINE. Site oficial do artista. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: < www.lenine.com.br >. Acesso em: 18 jul. 2013.
- TERRA, Renato. Lenine lança um som. Revista Piauí, São Paulo, ed. 62. nov. 2011.
- VIANNA, Hermano. Música no plural: novas identidades brasileiras. In: Revista de Cultura Brasileira n.1, p. 299-311, Madri, Embaixada do Brasil na Espanha, mar. 1998.
Como citar
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OLHO de Peixe.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra69210/olho-de-peixe. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7