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Cinema

Linha de Passe

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 20.05.2024
2008
Linha de passe (2008) é a oitava realização de Walter Salles (1956) e a terceira feita em parceria com Daniela Thomas (1959). Rodado na cidade de São Paulo, o filme é uma produção franco-brasileira. O título vem de uma expressão do futebol, pela qual jogadores de um time trocam passes entre si, sem deixar que o adversário toque na bola.

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Linha de passe (2008) é a oitava realização de Walter Salles (1956) e a terceira feita em parceria com Daniela Thomas (1959). Rodado na cidade de São Paulo, o filme é uma produção franco-brasileira. O título vem de uma expressão do futebol, pela qual jogadores de um time trocam passes entre si, sem deixar que o adversário toque na bola.

O filme retrata o cotidiano de uma família pobre da periferia da cidade, comandada por Cleuza [Sandra Corveloni (1965)], uma empregada doméstica que, além de seus quatro filhos, está grávida de outro. Dênis [João Baldasserini (1984)], o mais velho, é motoboy; Dinho [José Geraldo Rodrigues (1984)] é frentista em um posto de gasolina e evangélico; o sonho de Dario [Vinícius Oliveira (1985)] é se tornar jogador profissional de futebol. Reginaldo [Kaique de Jesus Santos (1993)], o mais novo, busca pelo pai que não conhece. Essa busca é recorrente nos filmes de Walter Salles, como Terra Estrangeira (1995) e Central do Brasil (1998).

Numa cidade com poucas oportunidades, esta família vive ameaçada por adversários distintos. O chefe de Dinho no posto de gasolina, por exemplo, zomba da fé do rapaz. Dario, com 18 anos, não consegue espaço nos clubes de futebol, por ser “velho” para começar a carreira. A patroa de Cleuza, por sua vez, pretende contratar outra empregada para substituí-la durante o período final de gravidez.

Mesmo com as tensões internas e as dificuldades que enfrentam, Cleuza e suas crianças sabem que só podem encontrar segurança entre si. Devem manter uma “linha de passe” constante e “segurar a bola”, pois deixar que a tomem pode resultar em humilhação e desengano.

A expressão utilizada no título é a metáfora da estrutura narrativa. Seu melhor exemplo encontra-se nas sequências iniciais. Na primeira delas, num estádio de futebol, a trilha sonora executa uma música solene. Entre o público encontramos Cleuza, torcedora fanática do Corinthians. Um corte leva para as ruas paulistanas, onde Dênis roda a cidade em seu trabalho. A mesma música executada na cena do estádio permanece durante as imagens do rapaz e mescla-se com o som direto, criando uma atmosfera narrativa e a sincronicidade dos acontecimentos. A cena volta ao estádio e foca Cleuza cantando músicas de apoio ao seu clube. Uma mudança de cenário vai para dentro das cabines de rádio do estádio, onde uma emissora transmite a partida. Desta vez é esta narração que continua na cena seguinte, por meio de um rádio, dentro do ônibus em que está Reginaldo. Ocorre outra passagem de cena para um prédio onde Dênis faz uma entrega. Desta vez a locução ouvida anteriormente, continua em cena por meio do rádio de um porteiro que recebe a encomenda. Mais uma vez aparece o estádio, no exato instante em que há uma falta perigosa contra o Corinthians. Cleuza e outros torcedores começam a rezar para que o gol não aconteça e, neste momento, há um corte para uma igreja, na qual Dinho participa de um culto. A música solene, presente em todas as cenas, retorna durante o culto religioso no momento em que os fiéis cantam e erguem os braços para o alto. Na cena seguinte, a imagem de braços erguidos retorna, só que desta vez são os torcedores corintianos no estádio que a repetem.

A “linha de passe” que se estabelece entre os personagens é constituída por diversos elementos narrativos. Num momento é a música que passa de uma cena para outra; em outro, é a transmissão pelo rádio; adiante, é o gesto de erguer os braços no culto religioso e no estádio e, por fim, o próprio futebol.

A cidade de São Paulo funciona como um “grande estádio”, onde Cleuza e seus filhos disputam o jogo da sobrevivência. São Paulo caracteriza-se como campo adversário, diferentemente do que ocorre na casa da família que, apesar das discussões, é o local onde os protagonistas se sentem seguros.

Os diretores optam por retratar a metrópole como pouco acolhedora, com raras manifestações de afetividade. Esta característica reflete-se no modo de ser dos protagonistas. Poucos são os momentos em que Cleuza e seus filhos demonstram afeto entre si. Essa aproximação entre o modo como São Paulo é retratada e o comportamento dos personagens é comentada pelo diretor Fernando Meirelles (1955)1:

A fotografia avessa a enfeites reforça a dureza de SP que espelha assim a dureza emocional da família. Não há quase demonstração de afeto naquele ambiente masculino e árido. Eles são solidários, mas cada um parece viver seus próprios dramas sozinhos.

Para Marcos Strecker, diferentemente de outras realizações que o antecedem, Linha de passe não se caracteriza por retratar as regiões pobres das grandes cidades pela ótica da violência. Seu olhar sobre a periferia não se dá pela “violência exacerbada, ou pela criminalidade inescapável, mas por personagens factíveis, comuns, invisíveis”2.

Em 2008, o filme recebe o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes e no 30º Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana para Sandra Corveloni. Também é indicado ao Palma de Ouro de melhor filme. O destaque em festivais colabora para sua circulação internacional.

Notas

1. MEIRELLES, Fernando. Salles por Meirelles. Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 set. 2008. Ilustrada, p. D-4.

2. STRECKER, Marcos. Na estrada: o cinema de Walter Salles. São Paulo: Publifolha, 2010. p. 93.

Fontes de pesquisa 18

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  • MEIRELLES, Fernando. Salles por Meirelles. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 12 set. 2008. Ilustrada. p. D-4
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  • NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São Paulo: Editora 34, 2002.
  • ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de novo: um balanço crítico da retomada. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
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  • SANTOS, Márcia Malcher. Futebol ao sol e a recomposição do sujeito crítico: uma interpretação do filme Linha de passe. Revista Urutágua, Maringá, n. 28, mai./out. 2013. p. 11-28
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  • STRECKER, Marcos. Na Estrada: o cinema de Walter Salles. São Paulo, Publifolha, 2010.

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