Pixote, a Lei do mais Fraco
Texto
Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980) é o terceiro longa-metragem de Hector Babenco (1946-2016). Retrata a trajetória de um garoto de 11 anos, apelidado Pixote, do momento em que é enviado a um reformatório até a experiência vivenciada por ele e mais três colegas após a fuga da instituição. Trata da infância marginalizada e da decadência de instituições regeneradoras em tom de denúncia. O roteiro, assinado por Babenco e Jorge Durán (1942), é inspirado no romance Infância dos Mortos, de José Louzeiro (1932). O elenco do filme é formado por jovens moradores de favelas da cidade de São Paulo, entre eles, Fernando Ramos da Silva, que interpreta Pixote e contracena com atores profissionais, como Marília Pêra (1943-2015) e Jardel Filho (1927-1983).
A versão em vídeo tem um prólogo no qual o diretor, em meio ao cenário de uma favela paulista, expõe aos espectadores a tese na qual acredita. Ressalta a importância econômica de São Paulo no panorama latino-americano e, em seguida, descreve a condição das crianças nas favelas da cidade. Neste momento é apresentado o intérprete de Pixote, ao lado da mãe e dos irmãos. Na visão de Babenco, estas crianças, ao serem relegadas pelos pais, terminam aliciadas por criminosos.
A primeira sequência do filme retrata a rotina numa delegacia de menores, quando uma televisão hipnotiza os garotos presentes, exibindo cenas de agressão. O desinteresse da instituição perante o problema da criminalidade infantil recebe um tratamento caricato. O escrivão da delegacia conversa com a namorada ao telefone enquanto uma mãe indaga-o, aflita, sobre o filho desaparecido. A aparição do protagonista dá-se ao lado dos companheiros da futura jornada em liberdade. Enquadrados pela câmera, são apresentados aos espectadores por meio de um funcionário que berra o nome de cada um pedindo confirmação de dados.
A trajetória de Pixote é o eixo condutor da narrativa, dividida em duas partes. A primeira é ambientada nos pavilhões de dois reformatórios. Babenco denuncia a falência destas instituições, ao enfatizar as atrocidades que lá são cometidas – estupros, agressões e homicídios. Ao mesmo tempo, trata-as como refúgios precários, que oferecem cuidados e divertimento.
O filme descreve o cotidiano naquelas instituições e centra-se na experiência de quatro integrantes – Pixote, o transexual Lilica e os garotos Dito e Chico – após a reconquista do espaço urbano. A passagem de uma parte para outra é o assassinato de um colega pela polícia para justificar a morte de um desembargador. Quando assistem ao telejornal no refeitório, os detentos ficam cientes do homicídio e de que a polícia escolhe um membro do grupo como bode expiatório, Garotão. O episódio incita uma rebelião interna e a fuga dos quatro jovens.
A segunda parte inicia com os meninos praticando “trombadas” em São Paulo e submetendo-se ao tráfico de cocaína e a assaltos no Rio de Janeiro. Chico é assassinado num cabaré quando vai cobrar o dinheiro da droga, devido por uma dançarina. Em seguida, o trio faz uma parceria com a prostituta Sueli (Marília Pêra) nos chamados golpes de “suadouro”, em que atrai clientes para seu apartamento para roubá-los. Seduzido pelo apelo erótico desta mulher, Dito começa a se relacionar com ela, relegando Lilica, que abandona o grupo. O elo estabelecido entre os restantes rompe-se quando, ao balear um estrangeiro atraído ao assalto, por um erro no gatilho, Pixote também acerta Dito, terminando sozinho na história.
É nítido o anseio do protagonista pela figura materna, desejo que se desloca para as personagens femininas com quem tem contato, culminando na relação estabelecida com a prostituta. Já os colegas de Pixote ressentem a falta de uma parceira sexual e, assim, Lilica cumpre papel de amante e, por vezes, de mãe, numa relação confusa, explícita na cena da morte de Garotão. Ela chora a perda do parceiro, mas segura-o nos braços como um filho, semelhante à Pietá. Essa composição repete-se no fim do filme, quando Sueli segura Pixote em posição fetal, deixando-o mamar em seu seio. Arrependida do gesto maternal, a prostituta expulsa-o. Isto permite afirmar que as nuances sociais da obra aparecem nas relações afetivas entre homem e mulher.
O filme termina com o protagonista, com seu revólver na cintura, equilibrando-se ludicamente nos trilhos ferroviários. A imagem pertence ao imaginário cinematográfico, num diálogo direto com filmes de Charles Chaplin (1889-1977).
Pixote estréia no circuito comercial paulista e carioca no segundo semestre de 1980. Às vésperas do lançamento, é exibido e debatido em sessão especial numa unidade da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), em São Paulo, para profissionais do meio. Desperta polêmica e impele os seus dirigentes a se posicionarem perante a imprensa.
O impacto das imagens é determinante na repercussão de Pixote na mídia. Jornalistas ressaltam a qualidade do roteiro e o apuro técnico, aliados à autenticidade da representação. O filme torna-se instrumento de reflexão sobre a condição do menor abandonado, servindo como pretexto para críticas às instituições corretivas.
A crítica cinematográfica, entretanto, vê-o com restrições e condena o tratamento superficial do tema e a desconexão entre as duas partes, como apontado pelas pesquisadoras Zulmira Ribeiro Tavares1 e Maria Rita Kehl. Esta última ressalta que o único personagem que permite a identificação com espectadores é o próprio Pixote, uma vez que estes não estão representados na trama, reduzindo-se a “rápidas caricaturas de gente”. Este aspecto, segundo ela, torna a história alheia ao universo a que o público pertence2.
Pixote obtém sucesso de público e colabora com a projeção e valorização do cinema brasileiro, de Hector Babenco e da atriz Marília Pêra no exterior. É premiado em oito festivais em países como Canadá, Espanha, Estados Unidos, França e Itália. O ator principal também se torna conhecido, mas acaba relegado no meio artístico. Envolve-se com o crime e é morto pela polícia quase uma década depois da estréia do filme. A história de Fernando Ramos da Silva, do momento em que ingressa no cinema até o seu assassinato é retratada posteriormente na obra de José Joffily (1945), Quem matou Pixote? (1996).
Notas
1 TAVARES, Zulmira Ribeiro. A briga de Pixote: quem arma, quem compra, quem leva. Filme Cultura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 38 e 39, p. 79, ago. nov. 1981.
2 KEHL, Maria Rita. Aventuras de Tom Sawyer num mundo cão. Filme Cultura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 38 e 39, p. 78-79, ago. nov. 1981.
Fontes de pesquisa 5
- CALEIRO, Maurício de Medeiros. A tela dos excluídos: a infância marginalizada no cinema brasileiro. 2002. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Instituto de Arte e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2002.
- KEHL, Maria Rita. Aventuras de Tom Sawyer num mundo cão. Filme Cultura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 38 e 39, p. 78-79, ago. nov. 1981.
- MARTINS, Ana Lúcia Lucas. Representações da pobreza urbana no cinema brasileiro. 1999. Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
- SOARES, Mariza de Carvalho; FERREIRA, Jorge (orgs.). A História vai ao cinema: vinte filmes brasileiros comentados por historiadores. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 111-122.
- TAVARES, Zulmira Ribeiro. A briga de Pixote: quem arma, quem compra, quem leva. Filme Cultura, Rio de Janeiro, ano 15, n. 38 e 39, p. 79-81, ago. nov. 1981.
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PIXOTE, a Lei do mais Fraco.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra67645/pixote-a-lei-do-mais-fraco. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7