Beethoven Piano Sonatas, Opp. 27/2, 53, 81a & 110
Texto
Nelson Freire (1944-2021) grava as sonatas para piano de Beethoven em um momento especial de sua carreira. Até então, como assinala o crítico francês Alain Lompech (1954), “Nelson Freire mantém relações complicadas com o estúdio de gravação, um pouco como sua grande inspiradora Guiomar Novaes”. Após gravar discos de destaque no final da década de 1960, sua carreira fonográfica é errática até a virada do século.
O salto qualitativo acontece em 1999, quando Freire é o único brasileiro escolhido para participar do Great Pianists of the 20th Century (Grandes Pianistas do Século XX), ambicioso projeto fonográfico da gravadora Philips, que se anuncia como uma grande enciclopédia do piano, em disco, ao longo do século que se encerra. Seu volume reúne registros feitos entre 1967 e 1984, e o sucesso obtido leva-o a assinar um contrato de exclusividade com a gravadora Decca.
No novo selo, Freire começa com repertório ao qual é mais associado: o romantismo. Assim, lança um disco dedicado a Chopin (2002), outro a Schumann (2003), e um premiado álbum duplo com os concertos para piano de Brahms (2006), acompanhado pela Orquestra Gewandhaus de Leipzig, Alemanha, sob a regência do maestro italiano Riccardo Chailly (1953).
Em seguida, aborda o universo do compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), cujas 32 sonatas para piano são consideradas a culminância do estilo clássico. Em entrevista ao crítico Irineu Perpétuo (1971), Freire afirma que a opção pelo autor de Fidelio (1804-5) reflete seu desejo de versatilidade: “Foi bom agora gravar Beethoven para mostrar um outro lado meu, já que meus discos estavam muito centrados em uma certa época, e eu não queria ficar estereotipado”.
O CD inclui quatro sonatas do compositor, dentre as mais célebres, tocadas e gravadas pelo pianista em diferentes períodos de sua carreira. Evitando a ordem cronológica, a primeira é a Sonata n. 21 em dó maior, Op. 53 (1803-4), conhecida como Waldstein por ter sido dedicada ao conde Ferdinand von Waldstein, mecenas do compositor. É uma das obras mais importantes de Beethoven, também designada, às vezes, pelo apelido de Aurora. A segunda é a Sonata n. 26 em mi bemol maior, Op. 81a (1809-10), designada como Les Adieux (Os Adeuses, em francês), porque cada um de seus movimentos tem um título em alemão, contando uma história de separação e retorno. Assim, o primeiro é Das Lebewohl (O Adeus), o segundo, Die Abwesenheit (A Ausência) e, o terceiro, Das Wiedersehen (O Reencontro). A terceira peça do disco é a Sonata para piano n. 31 em lá bemol maior, Op. 110 (1821), com a complexidade discursiva e de contraponto que caracteriza as obras da última fase de Beethoven. O disco conclui com uma das mais célebres criações do compositor: a Sonata n. 14 em dó sustenido menor Op. 27 n. 2 (1801), conhecida como Ao Luar devido ao caráter onírico e evocativo de seu primeiro movimento, Adagio sostenuto, que faz dela a obra do disco mais conhecida do grande público. Duas dessas sonatas – Waldstein e Les Adieux – já haviam sido gravadas por Guiomar Novaes (1894-1979).
Freire aponta ainda a influência de outro pianista, o austríaco Arthur Schnabel (1882-1951), o primeiro a gravar, na década de 1930, as sonatas de Beethoven na íntegra. "Schnabel é o meu pianista preferido neste repertório, e ele toca bem mais rápido do que a falsa tradição que se firmou depois", afirma. "As críticas da época dizem que Beethoven, como pianista, às vezes tocava tão rápido que as orquestras tinham dificuldade em acompanhá-lo. Esse caráter fogoso e cheio de vitalidade é o que penso estar mais em acordo com o espírito da obra”.
A crítica internacional acolhe o disco com entusiasmo. Na BBC Music Magazine, Misha Donat escreve que “aqui há um pianismo deslumbrante à mostra, mas também uma rara sensibilidade, que permite a Nelson Freire mergulhar nas profundezas dos movimentos lentos de Beethoven sem jamais sentimentalizá-los”, saudando o caráter “genuinamente poético” do primeiro movimento da Sonata “Ao Luar”. Para efeito de comparação, a gravação de Freire da peça dura 5,26 minutos, contra 4,52 minutos de Schnabel e 6,03 minutos de Alfred Brendel (1931).
Na revista Gramophone, Jed Distler (1956) pergunta: “O que não admirar nas interpretações de Beethoven brilhantemente virtuosísticas, sinceras e absolutamente vivas de Nelson Freire?”, chamando o disco de “master class de cumulação firme, que deve revelar mais a cada escuta”. No jornal britânico The Guardian, Andrew Clemens afirma que o disco “é pleno de um jeito de tocar soberano, com uma musicalidade emocionante que pode ser às vezes animada e brusca demais para algumas pessoas, mas que se faz maravilhosamente viva para cada nuance e cor”.
Ao comparar o Beethoven de Nelson Freire com o de Schnabel, pode-se afirmar que ele recupera a inteligência e o frescor de seu predecessor austríaco, reelaborando-a de acordo com suas capacidades técnicas. Dessa forma, as indicações em italiano de cada movimento valem como instruções para o andamento, e para o caráter de cada trecho. Por exemplo: o primeiro movimento da Waldstein é um Allegro con brio, que Freire toca na velocidade requerida (Allegro, ou seja, rápido) e com o temperamento adequado (con brio, ou seja, com bravura).
O pianista retorna a Beethoven em 2014, para gravar a Sonata para piano n. 32 em dó menor, Op. 111 e o Concerto para piano e orquestra n. 5 em mi bemol maior, Op. 73 - “Imperador”, acompanhado pela Orquestra Gewandhaus, sob a batuta de Riccardo Chailly. O CD marca o início de um projeto de gravação integral dos cinco concertos para piano e orquestra de Beethoven.
Notas
1. LOMPECH, Alain. Les Grands Pianistes du XXe Siècle. Paris: Libella, 2012.
2. PERPETUO, Irineu Franco. Beethoven & Freire. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 nov. 2006. Ilustrada.
3. Idem.
4. DONAT, Misha. Piano Sonatas: No. 14, Op. 27/2 (Moonlight); No. 21, Op. 53 (Waldstein); No. 26, Op. 81A (Les Adieux); No. 31 in A flat, Op. 110. BBC Music Magazine, Londres, 20 jan. 2012.
5. DISTLER, Jed. Beethoven piano sonatas Nos 14, 21, 26 & 31. Gramophone Magazine, Londres, set. 2007.
6. CLEMENS, Andrew. Beethoven: Piano Sonatas Opp 27 no 2, 53, 81a and 110, Nelson Freire. The Guardian, Londres, 1jun. 2007.
7. PERPETUO, Irineu Franco. Brio e vigor fazem disco empolgante. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 nov. 2006. Ilustrada.
Fontes de pesquisa 7
- CLEMENS, Andrew. Beethoven: Piano Sonatas Opp 27 no 2, 53, 81a and 110, Nelson Freire. The Guardian, Londres, 1jun. 2007.
- DISTLER, Jed. Beethoven piano sonatas Nos 14, 21, 26 & 31. Gramophone Magazine, Londres, set. 2007.
- DONAT, Misha. Piano Sonatas: No. 14, Op. 27/2 (Moonlight); No. 21, Op. 53 (Waldstein); No. 26, Op. 81A (Les Adieux); No. 31 in A flat, Op. 110. BBC Music Magazine, Londres, 20 jan. 2012.
- LOMPECH, Alain. Les Grands Pianistes du XXe Siècle. Paris: Libella, 2012.
- PERPETUO, Irineu Franco. Beethoven & Freire. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 nov. 2006. Ilustrada.
- PERPETUO, Irineu Franco. Brio e vigor fazem disco empolgante. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 nov. 2006. Ilustrada.
- POGGI, Amedeo. VALLORA, Edgar. Beethoven: Signori, il catalogo è questo! Torino: Giulio Einaudi editore, 1995.
Como citar
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BEETHOVEN Piano Sonatas, Opp. 27/2, 53, 81a & 110.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra67527/beethoven-piano-sonatas-opp-27-2-53-81a-110. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7