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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Narradores de Javé

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 20.05.2024
2002
Narradores de Javé (2002), é o segundo longa-metragem de Eliane Caffé (1960). É filmado inteiramente na cidade de Gameleira da Lapa, sertão baiano. No processo de preparação das filmagens, que dura quatro meses, a cidade (moradores e locação) é incorporada ao filme. Gameleira transforma-se no espaço fictício de Javé. A interação acontece entre a...

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Narradores de Javé (2002), é o segundo longa-metragem de Eliane Caffé (1960). É filmado inteiramente na cidade de Gameleira da Lapa, sertão baiano. No processo de preparação das filmagens, que dura quatro meses, a cidade (moradores e locação) é incorporada ao filme. Gameleira transforma-se no espaço fictício de Javé. A interação acontece entre atores profissionais, como José Dumont (1950)  e Nelson Xavier (1941) e amadores, composta pelos habitantes da cidade. O recurso dominante da câmera na mão, e a construção de um diálogo inspirado na fala dos moradores, trazem à cena informações sobre a realidade do povoado. O filme discute a  importância da memória como resistência diante do “progresso” destrói o que aparece no caminho. A busca do passado para salvar presente dá-se pelo universo da história oral e da tradição, patrimônio resgatado pelo Narradores. Por meio da narração sobre o fim da cidade contam-se outras histórias que explicam sua origem.

Zaqueu, personagem interpretado por Nelson Xavier, é um líder na comunidade. Ele conta, em retrospectiva, a história do vilarejo. A população, reunida na Igreja e em grande alvoroço, recebe dele a confirmação de que Javé está no caminho das águas da represa, e será inundada. Na falta de alternativa para deter o “progresso”, a solução é produzir um dossiê com os feitos do povoado, contados por seus moradores. Como estes últimos são analfabetos, sobra para Antônio Biá, personagem de José Dumont, a tarefa de ouvir e registrar os fatos mais importantes. Biá tem caráter duvidoso e anárquico e é responsável pelos correios da cidade. Uma figura repudiada na cidade por enviar cartas difamatórias sobre os moradores, para manter o correio ativo e salvar seu emprego. Ao todo são cinco histórias narradas sobre as origens do povoado, com a finalidade de compor o dossiê e, assim, tentar deter a destruição a caminho.

A sequência inicial tem um caráter simbólico e condensa o sentido de todo o filme. Apresenta um travelling de carro que acompanham a corrida de um rapaz à luz de um dia de sol. O espaço é uma estrada de terra e um descampado, e o som, o da natureza. Em seguida, o rapaz sai do quadro, ocorre um corte e uma elipse de tempo. Estamos no fim do dia, e o rapaz ainda correndo chega atrasado no porto, de onde ele pegaria um barco. A câmera faz uma rápida panorâmica e vemos o rapaz, o rio, o pôr do sol, e o barco indo embora. A imagem evoca o rio que irá afundar Javé. Assim, a corrida contra o tempo dá-se como derrota. Remete aos moradores de Javé em busca de seu passado, para que a cidade não desapareça.

Em outra sequência, é noite e uma série de planos contextualiza o bar em que o rapaz está sentado ouvindo o som eletrônico, misturado à música nordestina, de um walkman. Algumas pessoas, frequentadoras do bar, conversam. Entre elas, Souza, interpretado por Matheus Nachtergaele (1968) o dono do bar, e Zaqueu, a liderança de Javé. A mãe de Souza lê um livro, alheia a tudo, e não atende ao pedido de uma água de coco do rapaz. Um debate sobre o horário para o próximo barco, e um comentário de Souza sobre sua mãe querer aprender a ler depois de velha, dá o mote para que Zaqueu conte a história de Javé. Na narrativa, a falta de leitura dos moradores teria levado ao destino trágico da cidade. Desde o início a sequência direciona-se simbolicamente para o presente de Javé, que se torna rio, para, então, o filme contar o início de tudo.

Para a professora Genilda Azevedo1, o tema central do filme é a narração. Tematiza a oposição entre dois tipos de narrativas, a oral e a escrita. A primeira é a contada pelos moradores que procuram resistir à destruição de sua cidade, e a segunda, a oficial, representa a modernidade, o progresso representado pela usina. Para a estudiosa, o filme aborda a relação de poder da linguagem escrita, legítima, sobre a cultura popular oral. Entre estes dois polos, segundo Luiz Alberto Rocha Mello2, situa-se Antônio Biá, o carteiro com a função de escrever as histórias dos narradores e salvar a cidade. O personagem representa a figura do intelectual do Cinema Novo nos anos 1960: de classe média, a voz da razão e o mediador popular. Biá é do povo, e o que o diferencia é o fato de saber ler.  Mesmo assim, segundo o crítico, o carteiro não se sente integrado a seus pares e nem estes buscam agregá-lo. O que une o “intelectuário”, como ele mesmo se define, aos intelectuais de elite que figuram nos filmes dos anos 1960, é o sentimento de “marginalidade”.

Narradores de Javé recebe inúmeros prêmios em festivais internacionais e nacionais com destaque para o prêmio de Melhor Filme e Melhor Roteiro no Festival de Bruxelas, Bélgica; Prêmio da Imprensa Internacional do Festival de Freiburg, Checoslováquia; sete prêmios no Cine PE, Pernambuco, dentre os quais o de melhor Filme, melhor Direção, melhor Ator Principal (José Dumont) e o Prêmio da Crítica; e o prêmio de melhor Filme, melhor Ator e melhor Filme pelo júri popular no Festival do Rio, Rio de Janeiro.

Notas
1 AZEREDO, Genilda. Narradores de Javé : estratégias narrativas e relações de poder. In: MACHADO JR., Rubens; SOARES, Rosana Lima; ARAÚO, Luciana Corrêa de (Orgs.). Estudos de Cinema. São Paulo : Annablume, 2007. p. 147-154. (Estudos de cinema – Socine, VIII).
2 ROCHA MELO, Luis Alberto. "Intelectuários" e a barca do atraso em Narradores de Javé. Contracampo, n.58.  Artigos. Disponível em: < http://www.contracampo.com.br/58/javemorris.htm >. Acesso em: 12 ago. 2015.

Fontes de pesquisa 10

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  • ARANTES, Silvana. O Dono da História. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 jan. 2004.
  • AZEREDO, Genilda. Narradores de Javé: estratégias narrativas e relações de poder. In: MACHADO JR., Rubens; SOARES, Rosana Lima; ARAÚO, Luciana Corrêa de (Orgs.). Estudos de Cinema. São Paulo: Annablume, 2007. p. 147-154. (Estudos de cinema – Socine, VIII).
  • DARRAS, Matthieu. O Descobrimento: à la découverte de l'homme brésilien. Positiv, n. 539 , p.67-70, jan 2006.
  • LAPERA, Pedro Vinicius Asterito. Brasis imaginados: a experiência do cinema brasileiro contemporâneo (1990-2007). Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. 193 p. il.
  • LAUB, Michel. Ironia Popular. Bravo!, São Paulo, n. 77, p.70-71, fev. 2004.
  • MERTEN, Luis Carlos. A busca de Eliane Caffé por uma nova narrativa. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 jan. 2004.
  • ORICCHIO, Luiz Zanin. Narradores de Javé, a causa da memória reencontrada. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 jan. 2004.
  • ROCHA MELO, Luís Alberto. "Intelectuários" e a barca do atraso em Narradores de Javé. Contracampo, n.58. Artigos. Disponível em: < http://www.contracampo.com.br/58/javemorris.htm >. Acesso em: 12 ago. 2015.;.
  • SIMÕES, Eduardo. Um reality film. O Globo, Rio de Janeiro, 20 jan. 2004.
  • SOUSA, Ana Paula. Um nordeste de fábula. Carta Capital, São Paulo, n.274. p. 64-65.

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