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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Justiça

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 17.05.2024
2004
Justiça, o terceiro documentário de longa-metragem de Maria Augusta Ramos, é uma produção binacional Holanda-Brasil, rodado no primeiro semestre de 2003, período em que a equipe de filmagem acompanha o desenrolar dos processos de cinco réus de varas criminais e o dia a dia de três juízes e uma defensora pública do Tribunal de Justiça do Rio de J...

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Justiça, o terceiro documentário de longa-metragem de Maria Augusta Ramos, é uma produção binacional Holanda-Brasil, rodado no primeiro semestre de 2003, período em que a equipe de filmagem acompanha o desenrolar dos processos de cinco réus de varas criminais e o dia a dia de três juízes e uma defensora pública do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. As filmagens ocorrem após uma  intensa pesquisa para encontrar as personagens e obter as autorizações para registrar suas vidas. A partir de então, a diretora posiciona a sua câmera para denunciar, a relação entre o Estado brasileiro e os estratos mais pobres da sociedade.

A câmera de Justiça assume o método observacional, isto é, ela posiciona-se em um ponto fixo para observar os acontecimentos, sem qualquer uso da expressividade dos meios do cinema. Esta posição da câmera vincula-se ao modo como foi dada a permissão para filmar as audiências.  A construção narrativa converge com a perspectiva da defensora pública Maria Ignez Cato, responsável por defender os acusados. Cato apresenta sua posição sobre o caráter punitivo do judiciário em relação aos pobres, como se observa na sequência do jantar com a família. Tal posição corresponde ao que se assiste nas audiências. Aqui, a câmera fixa expõe as entradas dos réus na sala, suas defesas e as acusações apresentadas pelos juízes. A câmera acompanha os personagens que participam das audiências, mostra a cela superpovoada da Polinter1 e o tratamento degradante dispensado aos presos. A defensora pública, o juiz/professor Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, e o réu Carlos Eduardo são acompanhados mais de perto com suas famílias. Também se assiste, fora das audiências, à juíza Fátima Maria Clemente, envolta com os preparativos para a cerimônia que a intitula desembargadora.  A cena em que é homenageada e aplaudida de pé por seus pares e o discurso de um desembargador  exaltando seus feitos como juíza contrasta com o anúncio do veredicto que condena Carlos Eduardo. A defensora informa sobre a condenação à mãe do réu, explicando que a juíza não fez a instrução, seu dever como magistrada, isto é, não ouviu todas as partes na condução do processo.

A sequência inicial expõe ao espectador o que se repete durante todo o filme. Vê-se em plano aberto o corredor do tribunal em que um policial conduz um cadeirante. Um corte seco mostra uma sala de audiência. Em seguida, no plano elevado, vê-se o juiz, o escrivão e o acusado. Aqui, o magistrado faz a primeira pergunta ao réu: “essa acusação é verdadeira?”. Ele nega. O juiz, em seguida, questiona-o sobre como se deu a prisão. Após o réu responder, o juiz o interrompe com mais questionamentos: “o que faz da vida?”, “Você trabalha?”. Os planos se intercalam entre o juiz, a defensora e o acusado. O magistrado dita as respostas ao escrivão para, em seguida, nomear Cato como a defensora pública que vai defender o acusado.  Este pede para ser transferido para o hospital dadas as dificuldades que vive na cela por sua condição de cadeirante. O juiz lhe pergunta como perdeu os movimentos, mas informa que só poderia atender à solicitação se ele estivesse doente e se houvesse um diagnóstico médico.  A cena apresenta o absurdo da acusação: a de que o paraplégico pulara um muro alto para assaltar. A cena abre como um prólogo, o título Justiça de Maria Augusta Ramos, prenunciando as imagens seguintes.  

Segundo a diretora2. o foco do longa é retratar a sociedade brasileira, por meio do sistema judiciário e indagar qual é o papel da Justiça nesta realidade que se apresenta como uma máquina de encarceramento de pobres. O crítico Carlos Alberto Mattos[3], na época do lançamento do filme, encontra em Justiça a capacidade de expor, por meio do particular, questões que apontam para a realidade penal brasileira. Segundo ele, a grande força do filme é mostrar um mundo ignorado pela maioria dos espectadores. Estes têm diante de si, pelo jogo de enquadramentos de uma câmera fixa, o labirinto sem saída do sistema penal brasileiro. O professor universitário Bertrand Lira (1957) [4], por sua vez, em um estudo de 2012, encontra em Justiça – por trás da aparência de um olhar acrítico, imparcial e desinteressado de uma câmera que observa os acontecimentos – um ponto de vista construído na montagem.  É nela que o engajamento da diretora se apresenta quando, por exemplo, a câmera acompanha os personagens no seu cotidiano. Tais cenas coladas entre si, apresentam o contraste das condições socioeconômicas entre os Juízes, a defensora pública, os acusados e seus parentes.   

Entre os prêmios internacionais obtidos por Justiça se destacam o Grand Prix do Festival Visions du Réel (2004), na França; o Prêmio de Melhor filme no Festival Internacional de Cinema Feminino de Bordeaux La Vague d'Or (2004); o Prêmio da Anistia Internacional no Festival Internacional de Documentários de Copenhagen (2004); Melhor Filme no Festival Internacional de Documentário de Taiwan (2004) - CN.

Notas

1. Departamento da Polícia Civil – é a polícia Interestadual.

2. ARANTES, Anaí. Para diretora o documentário Justiça é o retrato da sociedade brasileira. Carta Maior, 25 jun. 2004. Seção Mídia. Disponível em: < http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Midia/Para-diretora-do-documentario-i-Justica-i-e-retrato-da-sociedade-brasileira/12/6568 >. Acesso em: 16 set. 2015.

3. MATTOS, Carlos Alberto. Justiça. Críticos. Seção Críticas. Disponível em: < http://criticos.com.br/?p=675&cat=1 >. Acesso em: 16 set. 2015.

4. LIRA, Bertrand. A Construção da “voz” nos documentários observativos Justiça e Juízo. Doc on line, n. 13, dez. 2012, p. 208-226. Disponível em: < http://www.doc.ubi.pt/13/artigo_bertrand_lira.pdf >. Acesso em: 16 set. 2015.

Fontes de pesquisa 6

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  • CÂMARA, Antônio da Silva; LESSA, Rodrigo Oliveira (Org.). Cinema documentário brasileiro em perspectiva. Bahia: Edufba, 2013.
  • LACERDA, Gabriel. O direito no cinema: relato de uma experiência didática no campo do direito. Prefácio de Joaquim Falcão. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
  • LIRA, Bertrand. A Construção da “voz” nos documentários observativos Justiça e Juízo. Doc on line, n. 13, dez. 2012, p. 208-226. Disponível em: < http://www.doc.ubi.pt/13/artigo_bertrand_lira.pdf >. Acesso: 16 set. 2015.
  • MATOS, Carlos Alberto. Justiça. Críticos. Seção Críticas. Disponível em: < http://criticos.com.br/?p=675&cat=1 >. Acesso em: 16 set. 2015.
  • MIGLIORIN, Cézar. (org.) Ensaios no real: o documentário brasileiro hoje. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010.
  • RAMOS, Paulo Roberto. A Imagem, o som e a fúria: a representação da violência no documentário brasileiro. São Paulo: Novos Estudos:Cebrap, 2007, v.21, n.61. p.231-239.

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