Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

A Morte da Porta-Estandarte, Tati, a Garota e Outras Histórias

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 18.03.2024
1965
Publicado em 1965, A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias é a reunião definitiva dos contos produzidos pelo escritor mineiro Aníbal Machado(1894-1964).O volume representa um resumo da obra de um dos mais importantes prosadores brasileiros do primeiro tempo modernista. Reúne duas coletâneas anteriores: cinco histórias de V...

Texto

Abrir módulo
Publicado em 1965, A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias é a reunião definitiva dos contos produzidos pelo escritor mineiro Aníbal Machado(1894-1964).O volume representa um resumo da obra de um dos mais importantes prosadores brasileiros do primeiro tempo modernista. Reúne duas coletâneas anteriores: cinco histórias de Vila Feliz (1944) mais sete de Histórias Reunidas (1959).

A coletânea respeita a cronologia das publicações anteriores, exceto pelo conto de estreia,“O Rato, o Guarda-civil e o Transatlântico” (1925). Assim, abrem o conjunto as sete histórias de fins da década de 1950, seguidas das cinco escritas entre 1930 e 1940, todas com a mesma preocupação estética e social. A exemplo do que se lê na obra de seus contemporâneos Cyro dos Anjos (1906-1994) e Dyonélio Machado (1895-1985), as histórias de Aníbal Machado retratam os problemas da urbanização que marca a primeira metade do século XX brasileiro. O teor de ruptura social evidencia-se  pela figura do migrante e sua difícil integração à vida urbana  em que predomina a pequena e conservadora  burguesia da era Vargas(1930-1945). É o que se verifica no enredo de algumas narrativas. Por exemplo: em “Viagem aos seios de Duília”, um funcionário público aposenta-se e retorna ao afastado e provinciano vilarejo natal para reencontrar um amor de juventude. Em “O defunto inaugural”, a burocratização da vida determina o destino do cadáver de um tropeiro, usado para a inauguração de um cemitério.Já em “O ascensorista”, vemos um migrante da zona rural, homem de passado violento, aprendendo a sobreviver à solidão da metrópole tecendo observações de elevador sobre a existência pulverizada de um condomínio de apartamentos. A dinâmica dessas histórias tem protagonistas e perspectivas problemáticas: pela frustração da fantasia do funcionário público,  pela do narrador post-mortem,  pela desagregação subjetiva que marca a vida dentro de um elevador.

O interesse de Aníbal Machado pela  suburbano e pelo excluído, que servem, silenciosos e invisíveis à metrópole, deriva da transição do arcaico ao moderno, com suas personagens marginais e fantasmáticas. Estes excluídos figuram, de forma direta, nos dois contos que dão nome à coletânea. Em “Tati, a Garota”, uma costureira e sua filha sem pai deixam a baixada fluminense para tentar a sorte na zona sul carioca. Ali, o estigma e os dilemas da mulher abandonada à própria sorte entram em conflito com a vitalidade sonhadora da garota, cuja fantasia incorpora os dados da contradição social. Em “A Morte da Porta-estandarte”, o crime passional em meio aos desfiles de bloco carnavalesco na Praça Onze tem por protagonistas figuras oriundas do subúrbio. Por meio delas, percebe-se o elemento racial e a tensão entre o espetáculo – produzido pelo povo – e sua audiência, representada no conto por turistas curiosos e amedrontados. Em “Monólogo de Tuquinha Batista” o interesse pelo marginalizado vai mais longe: o fluxo de consciência de uma mulher  pobre revela o dilema entre a sua recusa de se transformar em objeto dos caprichos da elite (representada pela então incipiente indústria cultural brasileira) e o desejo de reconhecimento e realização na comunidade. Em contraponto a esse conjunto de contos, a coletânea traz narrativas ambientadas no interior, como “O Iniciado do Vento” e “Acontecimentos em Vila Feliz”. Ambos com a tensão de fundo modernizador. No primeiro caso, a liberdade marginalizada de um menino que fantasia sua transformação em vento e, no segundo, a comunidade prestando auxílio aos proscritos.      

Ao universo do “remediado”, do “comezinho”1, Aníbal Machado contrapõe a recorrência ao fantasioso, ao sonhado e absurdo, segundo a pesquisadora Marcia Azevedo Coelho. No absurdo que caracteriza as circunstâncias ou a condição de alguns protagonistas, encontram-se argumentos narrativos que ora buscam resgatar,, o desdito e contraditório, ora revelam a persistência  de costumes e modelos passados que se misturam aos novos protocolos da violência social. De tal tensão decorre o que o crítico Manuel Cavalcanti Proença (1905-1966)  chama de uma “estética do meio termo”: sem jamais entregar-se à força do progresso racionalizante, tampouco à fantasia nostálgica ou redentora, Machado acaba por marcar estilisticamente “um terreno fronteiriço, ora pisando chão de realidade, ora pairando nas nuvens do imaginário, entre sonho e vigília, entre espírito e matéria, verdade e mentira, relatório e ficção”2. “Note-se”, diz o crítico, “que em Aníbal Machado não há, como já se disse, o desejo de uma fantasia levitante, sem pés na terra. Não. Fantasia e realidade são uma e só coisa, interpenetram-se, indelimitam-se”3.  Daí as feições particulares do interesse do escritor pelo surrealismo, do qual (em entrevista a Jones Rocha, de 1951) sublinhava a ideia de uma “doutrina que busca a libertação do homem”, “uma nova concepção do universo” cujo acesso não se dá pelo “abandono ao irracional para que nele nos esqueçamos”, mas por seu “domínio”, ao qual concorria sua escrita sóbria4.

A obra de Aníbal Machado permanece contemporânea por sua qualidade estética e pela clareza com que aborda impasses sociais da modernização brasileira, que perduram no século XXI.

Notas
1 COELHO, Marcia Azevedo. Entre a Pedra e o Vento: uma análise dos contos de Aníbal Machado. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 14.
2 PROENÇA, Cavalcanti. Introdução. In: MACHADO, Aníbal M.. A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias (balada em prosa de Aníbal M. Machado, por Carlos Drummond de Andrade; introdução de M. Cavalcanti Proença). 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. p. XVI.
3 Idem. p. XXXI.

Fontes de pesquisa 4

Abrir módulo
  • COELHO, Marcia Azevedo. Entre a Pedra e o Vento: uma análise dos contos de Aníbal Machado. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
  • MACHADO, Aníbal M. A morte da porta-estandarte, Tati, a garota e outras histórias (balada em prosa de Aníbal M. Machado, por Carlos Drummond de Andrade; introdução de M. Cavalcanti Proença). 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
  • TEIXEIRA, Marcos Vinícius. Aníbal Machado: um escritor em preparativos. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
  • VALE, Luiza Vilma Pires. Concepções estéticas em Aníbal Machado: a originalidade criadora em seus contos. Tese (Doutorado em Letras) – Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2011.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: