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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Cidade de Deus

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 20.05.2024
2002
Cidade de Deus é dirigido por Fernando Meirelles (1955), e codirigido por Kátia Lund (1966). Inspirado no romance homônimo, publicado em 1997, de Paulo Lins (1958), a trama é construída com base no crime organizado do bairro Cidade de Deus, subúrbio do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1960 e de 1980. Para compor o elenco, cerca de 110 garotos...

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Cidade de Deus é dirigido por Fernando Meirelles (1955), e codirigido por Kátia Lund (1966). Inspirado no romance homônimo, publicado em 1997, de Paulo Lins (1958), a trama é construída com base no crime organizado do bairro Cidade de Deus, subúrbio do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1960 e de 1980. Para compor o elenco, cerca de 110 garotos, das diversas comunidades do Rio de Janeiro, participam durante oito meses de uma oficina de interpretação criada por Meirelles e Lund. As filmagens foram realizadas durante nove semanas, e a produção do filme tem um custo de  3,3 milhões de dólares, financiado em 85% pela produtora O2, e o restante pela Lei do Audiovisual.  

Cidade de Deus é narrado do ponto de vista do garoto Buscapé, interpretado por Alexandre Rodrigues (1983). A história apresenta um clima violento ligado ao tráfico e ao crime, do qual Buscapé encontra a possibilidade de escapar ao tornar-se – quase que acidentalmente – fotógrafo. Por meio desse personagem, o filme explora a vida na favela: entre a polícia e os bandidos, a população torna-se vítima1, situação trabalhada logo nos primeiros minutos da narrativa. Um churrasco acontece,  ouve-se o som de facas sendo afiadas misturado a pandeiros e cuícas. A música é interrompida e a cena cortada para uma galinha caminhando na rua. “A galinha fugiu! ”, grita Zé Pequeno, interpretado por Leandro Firmino (1978),  um dos chefes do tráfico. Inicia-se uma corrida frenética para recuperar o animal, ao som de instrumentos musicais. Corta-se a cena para dois meninos que caminham e conversam, um deles Buscapé. A música é interrompida, de repente estão todos frente à frente. A câmera gira em torno de Buscapé, e por trás dele vê-se um carro da polícia aproximar-se. O rapaz fica, então, ali parado, entre os bandidos e a polícia, todos empunhando suas armas. A câmera gira 360 graus em torno de Buscapé, e a história retrocede no tempo, mostrando o rapaz criança, na favela que começava a se formar.

Segundo o crítico Ismail Xavier (1947), Cidade de Deus está entre os filmes que “colocam em debate uma corrosão do espaço social, uma crise na construção da cidadania, evidenciando o loteamento das zonas de poder pelo crime organizado”2. O longa-metragem traz para as telas um novo imaginário sobre a violência que prevalece no Brasil, a partir da década de 1990, e do processo de redemocratização. Jornais, novelas e séries passam a tratar exaustivamente da favela, apresentando suas mazelas e confrontos ligados ao tráfico de drogas3. No caso de Cidade de Deus, a violência não é retratada como efeito do Estado autoritário, como nas décadas de 1960 e 1970, mas como resultado do descaso do Estado. No início do filme, Buscapé diz: “A rapaziada do governo não brincava. Não tem onde morar? Manda para a Cidade de Deus. Lá não tinha luz, não tinha asfalto, não tinha ônibus. Mas para o governo dos ricos não importava(...). A Cidade de Deus fica muito longe do cartão postal do Rio de Janeiro”. Essas palavras são ditas após o narrador apresentar o “trio ternura”: três garotos considerados bandidos “amadores”, enquanto os traficantes que disputam o controle da favela desenham-se mais como homens de negócios que levam ao extremo as regras do jogo capitalista4.  Os três garotos que compõem o trio aparecem assaltando um caminhão de gás para os moradores do bairro, e nada têm em comum com os traficantes que controlarão a favela nas décadas seguintes, como profissionais que operam dentro da rede de comércio global do narcotráfico.

Com grande repercussão nacional e internacional o filme leva mais de 3,3 milhões de pessoas às salas de cinema brasileiras, e é indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e a quatro Oscars: Melhor Fotografia, Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Montagem. Além de receber diversos prêmios da Academia Brasileira de Cinema, e nos festivais de Cartagena, Colômbia, e de Santo Domingo, República Dominicana.

O filme foi alvo de críticas. De acordo com a pesquisadora Ivana Bentes (1964) o filme é um dos principais representantes daquilo que ela intitula “cosmética da fome”, tendência de estetização da miséria, que vigora no cinema a partir da década de 1990, e se contrapõe à “estética da fome”, trabalhada pelo Cinema Novo . Em suas palavras, a“cosmética da fome”, opera uma passagem:

da idéia na cabeça e da câmera na mão (um corpo-a-corpo com o real) ao steadcam, a câmera que surfa sobre a realidade, signo de um discurso que valoriza o “belo” e a “qualidade” da imagem, ou ainda, o domínio da técnica e da narrativa clássicas. Um cinema “internacional popular” ou “globalizado” cuja fórmula seria um tema local, histórico ou tradicional, e uma estética “internacional”.5

A antropóloga Alba Azular (1942) faz críticas tanto ao filme quanto ao romance de Paulo Lins. Para ela, a maneira como as crianças são apresentadas é inverosímil e recai sobre  “a teoria do criminoso nato, que, do ponto de vista da criminologia, já está completamente superada”6. Esse é o caso da história de Zé Pequeno,  “é contada como se ele já tivesse nascido ruim”7. Para Azular, o filme de Meirelles cria a Cidade de Deus, como um gueto, a exemplo do que se faz nos Estados Unidos. Essa estratégia facilita que estrangeiros compreendam a situação, mas não corresponde à realidade brasileira8.

Notas

1. XAVIER, Ismail. Da violência justiceira à violência ressentida. Ilha do Desterro, Florianópolis, n.51, p. 55- 68, jul./dez. 2006. p. 63.
2. XAVIER, Ismail. Op. Cit. p. 56.
3. HAMBURGER, Esther. Violência e pobreza no cinema brasileiro recente: reflexões sobre a ideia de espetáculo. Novos estudos – Cebrap [online], n.78, p. 113-128. 2007. p.120. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000200011&lng=en&nrm=iso&tlng=pt >. Acesso em : 10 out. 2015. 
4. XAVIER, Ismail. Op. Cit.  p.60.
5. BENTES, Ivana. Sertões e favelas no cinema brasileiro contemporâneo: estética e cosmética da fome. Alceu: Revista de Comunicação, Cultura e Política. Rio de Janeiro, v.8, n.15, p. 242-255, jul./dez. 2007. Social. p. 245. Disponível: < http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n15_bentes.pdf >. Acesso em:
6. GOIS, Antônio. "Hipermasculinidade" leva jovem ao mundo do crime. Entrevista com Alba Azular. Folha de São Paulo. São Paulo, 12 jul. 2004, Brasil. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1207200423.htm >.  Acesso em : 10 out. 2015.
7. GOIS, Antônio. Op. Cit. 
8. FOLHA DE SÃO PAULO. Diretor de "Cidade de Deus" enfrenta críticas e minimiza a sua pretensão. Folha Online, São Paulo, 30 ago. 2002, Ilustrada. Disponível em : < http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u26965.shtml >. Acesso em: 10 out. 2015.

 

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