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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Bang Bang

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 01.09.2023
1971
Análise

Texto

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Análise
Bang Bang é dirigido por Andrea Tonacci (1944-2016) e produzido pela Total Filmes, em 1971, com recursos da Comissão Estadual de Cinema de São Paulo. Filmado em Belo Horizonte, este primeiro longa-metragem do diretor retoma com mais rigor traços anunciados no curta Olho por Olho, de 1966. Destacam-se a perambulação em longas viagens sem destino e a grande quantidade de cenas em que os gestos dos atores não cumprem a finalidade esperada, o que produz ora uma suspensão, ora uma distensão da narrativa. As quebras de expectativas, cheias de ironia, procuram levar o espectador a uma reflexão sobre o próprio cinema.

A principal linha de ação, apenas esboçada e nunca chegando ao desenlace, é a perseguição a um homem qualquer, sem nome, feita por uma caricata trinca de gângsteres: um janota vaidoso a pentear os cabelos, um travesti gordo que come bananas e um baixinho cego, munido de uma bengala. O perseguido é o anti-herói de personalidade enigmática: passageiro de táxi, homem-macaco ou, simplesmente, um fugitivo.

A primeira sequência anuncia a proposta fundamental de não finalização das ações iniciadas. Dentro de um táxi, segue-se o diálogo entre protagonista (Paulo César Pereio) e chofer, que estão no banco da frente. A câmera, no banco de trás, permite a visão dos dois e do deslocamento do carro em uma situação que dura mais de cinco minutos. Os gestos do chofer sobre o câmbio são acompanhados pelo som do motor. Na impossibilidade de engatar a segunda marcha, as rotações em ascensão são ciclicamente interrompidas. Sem anunciar o destino, o passageiro questiona as qualidades do carro e do rapaz ao volante, atribuindo-lhes a culpa pela falta de rumo. Impaciente, ordena mudanças de direção a cada esquina, sempre em momentos em que o taxista não pode mais realizá-las. A corrida é finalmente interrompida quando os dois partem para a briga. O destino não tem importância diante da impotência e da falta de rumo. Esta é a base do filme: um paradoxal passeio em que se discute o destino como forma de não se chegar a lugar algum. 

Na constante recusa em avançar na narrativa, o filme torna seu recomeçar um jogo cujas regras estão ao alcance do espectador atento. O que se passa na tela deve ser tomado como um experimento em que o mais importante é o processo, não o produto final; o caminho trilhado na incorporação de clichês, não o prazer de ver uma charada resolvida1. Isso não impede que a sucessão dos episódios, bem como cada um deles em suas relações internas, tenha uma composição rigorosa. O esquema é do tipo "tema e variações", que sugere a ideia de um filme-ensaio. 

Com sua postura francamente experimental, discute fetiches da vida contemporânea - o automóvel, a verticalização da cidade, a competência dos heróis. Neste caso, um anti-herói, que mais parece uma miscelânea de velhos tipos da indústria cinematográfica, dando tiros a esmo, num exercício de vaidade, mau gosto e diálogos sem sentido acerca de uma maleta cujo conteúdo é desconhecido e, em verdade, sem importância.

Bang Bang participa do cinema marginal, denominação controversa, porém consolidada na identificação de um grupo de filmes realizados entre 1969 e 1973, com muito baixo orçamento dentro de um espírito irreverente de subversão dos códigos do cinema. Como acontece em outros filmes desse movimento, cita com ironia os clichês da narrativa clássica e repetidamente sonega resposta, o que agride o espectador.

O filme dialoga com o film noir norte-americano, tal como o faz a obra de Jean-Luc Godard, e traz lances de comédia que lembram a chanchada brasileira, não hesitando em explorar o gesto grotesco, a má-educação. Um exemplo é a brincadeira com o homem-macaco, personagem que usa uma máscara do filme O Planeta dos Macacos (1968), de Franklin J. Schaffner. Ele se barbeia diante do espelho, toma leite de magnésia enquanto cantarola uma valsinha. Em seguida faz sexo com uma moça melancólica, de modo a, não sem humor, brutalizar a potência sexual no único gesto que se completa no decorrer do filme. 

Embora finalizado em 1970, Bang Bang não é exibido no Brasil. As primeiras críticas surgem a partir de apresentações restritas e da participação na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes em 1970. José Carlos Avellar chama atenção para a interpretação dos atores. Em um filme baseado em falas espontâneas, os diálogos não têm importância: "O que verdadeiramente importa em Bang Bang é a estrutura dramática nova que ele propõe, onde não cabem o tradicional personagem de cinema nem mesmo os estilos de trabalho do ator. O intérprete se encontra diante da câmera solicitado a se comportar como o ator das novas experiências teatrais, a falar cada vez mais com sua expressão corporal"2.

O lançamento comercial acontece em 1973, dois meses após sua exibição na Sociedade Amigos da Cinemateca, contexto no qual o crítico Paulo Emílio Salles Gomes denuncia a falta de interesse por parte do circuito exibidor e, comentando alguns dos traços formais do filme, observa que Tonacci circula à vontade entre diferentes polos e estilos narrativos: "Cada instante de fala, gesto, ruído e ambiente adquire uma responsabilidade dramática decisiva". E acrescenta que "as outras partes de Bang Bang são fortemente estilizadas, mágicas mesmo e emergem delas situações e personagens marcantes [...]". Ao contrário da espontaneidade apontada por Avellar, Gomes indica no filme uma liberdade que envolve certo rigor. Existe assim uma eficácia na construção da gratuidade e da aparente desordem, indicando que, pelo rigor da forma, o cineasta mostra muito bem a consistência do projeto e sua bem conduzida realização.

Notas
1  XAVIER, Ismail. Bang Bang, o processo, não o produto. In: ______. Alegorias do Subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.
2  AVELLAR, José Carlos. Conversa de botequim. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 fev. 1971. Caderno B.

Fontes de pesquisa 9

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  • AGUILAR, Nelson Alfredo. A câmara dentro do filme. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 maio 1973.
  • ARAÚJO, Inácio. O Pornógrafo.In: CINEMA Marginal e suas fronteiras: filmes produzidos nas décadas de 60 e 70. Curadoria Eugênio Puppo, Vera Haddad. São Paulo, SP: Centro Cultural Banco do Brasil, 2001.
  • AVELLAR, José Carlos. Conversa de Botequim. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 fev. 1971. Caderno B.
  • CINEMA Marginal e suas fronteiras: filmes produzidos nas décadas de 60 e 70. Curadoria Eugênio Puppo, Vera Haddad. São Paulo, SP: Centro Cultural Banco do Brasil, 2001.
  • FERREIRA, Jairo. Candeias. Cinema de invenção. São Paulo: Limiar, 2000.
  • GOMES, Paulo Emilio Salles. Os exibidores se esqueceram deste filme. Jornal da Tarde, São Paulo, 21 abr. 1973.
  • RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968-1973): a representação em seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993. principalmente p. 139-158.
  • XAVIER, Ismail. O Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

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