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Cinema

O Candinho

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 14.06.2016
1976
O Candinho é um média-metragem realizado por  Ozualdo Candeias , filmado em 16mm e com recursos financeiros do próprio cineasta. Em oposição a uma produção que contava como apoio da Embrafilme ou de produtores já estabilizados, o filme possui a duração reduzida, a linguagem violenta e a precariedade dos meios de produção. Esses fatores fazem da ...

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Histórico
O Candinho é um média-metragem realizado por  Ozualdo Candeias , filmado em 16mm e com recursos financeiros do próprio cineasta. Em oposição a uma produção que contava como apoio da Embrafilme ou de produtores já estabilizados, o filme possui a duração reduzida, a linguagem violenta e a precariedade dos meios de produção. Esses fatores fazem da obra uma 'produção subterrânea', como afirma Candeias1. Assim como Zézero (1974) e A Visita do Velho Senhor (1976) a obra não passar pelo crivo da censura. Sua exibição é clandestina, restrita a cineclubes e sessões especiais, como a ocorrida no Teatro Oficina, em 1980.

Inspirado em uma canção boliviana, O Candinho é a história de um caipira que, expulso do campo, faz uma longa perambulação em direção à cidade de São Paulo. Embora inspirado em um personagem homônimo realizado por Mazzaropi em Candinho (1953), de Abílio Pereira de Almeida, o caipira de Candeias não provoca o riso. O personagem, interpretado por Eduardo Llorente é manco e tem deficiência mental, portador de forte crença em uma salvação divina, carrega um santinho com a imagem de um Cristo, que é apresentado a quem ele encontra pelo caminho. Depois de uma andança malsucedida pela capital, volta à fazenda de origem onde encontra a santidade procurada. Para sua desilusão, o Cristo é amigo do coronel fazendeiro e ostenta indiferença ao ingênuo caipira. Apesar dos pedidos de ajuda, ele é expulso da fazenda pelos capangas do coronel. O personagem revolta-se contra o Cristo e volta a andar, sem destino, pelo campo. Na ultima cena, há uma grande ruptura. A imagem de uma metralhadora, pendurada numa cruz, sugere a libertação do personagem.

Embora sua realização seja posterior ao período marcante do Cinema Marginal, O Candinho guarda pontos de contato com os filmes deste movimento, como é o caso da narrativa extremamente agressiva. Assim como outros dos filmes de Candeias, O Candinho apresenta a cidade de São Paulo o ponto de vista de um olhar marginalizado, identificado como de populações socialmente excluídas. Uma metrópole crua, vista pelo ângulo da barbárie, temática típica dos filmes de Candeias. Ganham destaque os migrantes rurais, os mendigos e os trabalhadores informais. Eles encontram-se à margem da vida urbana, sem vínculos ou cidadania plena, relegados às favelas e aos espaços de várzea. Num contexto histórico de repressão política e censura no campo da cultura, o filme representa a pobreza e a violência urbana, no contraponto à modernização econômica e social do país.

A forma de produção de O Candinho, como o uso de películas preto e branco vencidas e a liberdade de experimentação, contribuem para construção de um estilo violento, que se reflete no resultado final do filme: a definição dos objetos, os contrastes e as luminosidades oscilam constantemente, dificultando a relação do espectador com as imagens. Ao mesmo tempo, a ênfase recai na apresentação de uma paisagem urbana distante do cartão postal, marcada pela decadência e sujeira. Por fim, tudo é expressado de maneira crua, como na cena em que vemos a prostituta se limpar.

Em diálogo com o cinema moderno, um dos principais temas dos filmes de Candeias é o de nos colocar em contato com personagens em deslocamento, em um mundo especialmente dominado pela pobreza e pela desilusão. O trabalho com os personagens não reside na busca de motivações psicológicas para a sua ação.  Em O Candinho, a perambulação assume a forma de uma peregrinação religiosa em busca de Cristo, figura esta vista como o único possível salvador.  O trajeto do caipira é representado a partir de um olhar que, em termos de imagens, se aproxima da experiência física e religiosa do migrante. Os bruscos movimentos de câmera, os zooms constantes, os rodopios do caipira em torno de si mesmo, bem como o trajeto espacial realizado pelo personagem, sugerem a construção de um universo violento e circular.

Os gestos e passos trôpegos interpretados por Llorente indicam a loucura e o desespero. Em meio aos tropeços e giros sobre si mesmo, o personagem vive tomando empurrões em suas andanças pela multidão. O primeiro ponto de referência da perambulação é a Praça da Sé, na construção espacial proposta pelo filme, a catedral é oi centro de uma região cercada por várzeas. Em seu caminho à catedral pelo Viaduto do Chá, ele apresenta aos transeuntes a figura de um santinho, seguido de perto por uma estranha moça boliviana. Aborda os trabalhadores, uma mendiga deitada no chão e um catador com o seu carro de madeira. As imagens quebram o equilíbrio do olhar, pois a câmera tenta reproduzir o movimento do personagem, seus impulsos e contratações diante da multidão, compartilhando seu caminhar. A câmera choca-se contra os passantes, procurando focar o corpo do protagonista e o pedaço de papel por ele carregado. Compartilha seu caminhar indeciso e suas bruscas mudanças de direção. No decorrer da seqüência, há uma súbita interrupção, dada pelos zooms.

No contato com a cidade, a experiência visual sugere altenativas ao poder religioso e, também, com a unicidade da salvação divina. O final do filme possui um poder didático frente ao que observa como estado de alienação. Ao descobrir que Cristo não está ao lado dos pobres, mas sim dos coronéis latifundiários, o caipira abandona a sua fé. Frente à imagem de uma metralhadora dependurada em uma cruz, o caipira vê novas possibilidades: luta armada; libertação guerrilheira dos povos sul-americanos oprimidos.

No livro O Rural no Cinema Brasileiro, Célia Tolentino reafirma o poder político do filme, nele identificando  uma crítica à pregação religiosa católica, difundida no meio rural paulista através de um tipo de canção denominada "cururu". Contextualizado historicamente, o questionamento do conformismo religioso pode representar um ataque mais amplo ao "milagre econômico", propagandeado durante a ditadura.  Segundo Tolentino, o filme "discute de perto com o projeto de modernização do próprio governo militar e a sua violenta pregação ideológica, que converte a seu favor grande parcela despolitizado do povo brasileiro"2.

Notas
1 CANDEIAS, Ozualdo. Ozualdo Candeias. Cadernos da Cinemateca. São Paulo, no. 4, 1980, p.75-87. Entrevista concedida a Tânia Savieto e Carlos Roberto de Souza.
2 TOLENTINO, Célia Aparecida Ferreira. O Rural no Cinema Brasileiro. São Paulo: ed. Unesp,  2001. p.288.

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O Candinho
Direção: Ozualdo Candeias Conteúdo licenciado para uso exclusivo na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras

Fontes de pesquisa 15

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  • Cabral, João Mors. Candinho. Contracampo Revisa de Cinema, Rio de Janeiro, n.25-26. Disponível em: <http://www.contracampo.com.br/25/frames.html;. Acesso em: 15 ago. 2011.
  • Calil, Carlos Augusto. O marginal. In. Puppo, E.; Albuquerque, H. (Org.) Ozualdo R. Candeias. São Paulo: CCBB, 2002. p. 39-41.
  • Candeias em Três Filmes Experimentais. O Estado de S.Paulo, 18 mar. 1980. p.24.
  • Candeias, Ozualdo. Ozualdo Candeias. Cadernos da Cinemateca. São Paulo, no. 4, 1980, p.75-87. Entrevista concedida a Tânia Savieto e Carlos Roberto de Souza.
  • Candeias, Ozualdo. Um cinema à margem. In. Santos, Francisco Alves dos. Cinema Brasileiro 1975: Entrevistas com cineastas brasileiros. Curitiba: Ed. Paiol, 1975. p. 51-59. Entrevista concedida a Francisco Alves dos Santos.
  • FERREIRA, Jairo. Candeias. Cinema de invenção. São Paulo: Limiar, 2000.
  • GAMO, Alessandro C. Aves sem rumo: a transitoriedade no cinema de Ozualdo Candeias. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Instituto de Artes, Unicamp. Campinas, 2000.
  • Machado Jr., Rubens. "Uma São Paulo de revestrés: sobre a cosmologia varziana de Candeias", Significação, nº28. São Paulo: CEPPI, Annablume, CTR/ECA-USP, 2007. p.111-131.
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  • RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, estado e lutas culturais (anos 50/60/70). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
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