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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Barro Humano

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 23.11.2023
1929
Barro Humano, de Adhemar Gonzaga (1901-1978), é produção da Cinédia que põe em prática os ideais da Cinearte, principal revista que busca realizar cinema no Brasil nos moldes norte-americanos. Sua cenografia, seus intérpretes e seu estilo o tornam um dos filmes mais sofisticados do período, ao lado de Sangue Mineiro, de Humberto Mauro (1897-1983...

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Histórico
Barro Humano, de Adhemar Gonzaga (1901-1978), é produção da Cinédia que põe em prática os ideais da Cinearte, principal revista que busca realizar cinema no Brasil nos moldes norte-americanos. Sua cenografia, seus intérpretes e seu estilo o tornam um dos filmes mais sofisticados do período, ao lado de Sangue Mineiro, de Humberto Mauro (1897-1983), e de Fragmentos da Vida, de José Medina (1894-1980), ambos de 1929. Pouco resta de Barro Humano, e o que se sabe sobre ele deve-se principalmente aos textos e fotografias publicados na imprensa da época. O negativo do filme é destruído no início da década de 1940 e sua última cópia desaparece em incêndio na Cinédia, em 1953. Sobram apenas partes do material de divulgação, algumas fotografias e uns poucos fotogramas, além das imagens nas revistas Cinearte e Scena Muda. Como se trata de um material de grande valor histórico, a descrição extraída da documentação correlata pode auxiliar no conhecimento de uma fase importante do cinema brasileiro.Com a distribuição da Paramount, o filme é lançado no Rio de Janeiro no dia 16 de junho de 1929, no Cine Império. Em seguida, segue o circuito da Paramount, para nos meses de julho e agosto ser exibido em São Paulo.

Segundo a documentação existente, Barro Humano conta os percalços de Vera (Gracia Morena), que, após a morte do pai, é obrigada a trabalhar. Os encantos da moça seduzem todos, inclusive Mário Bueno (Carlos Modesto), jovem, rico e galanteador. Mário, por sua vez, é também muito assediado, o que desperta o amor na sedutora Helena (Eva Schnoor) e até mesmo em sua irmã adotiva, Diva (Eva Nil). Mas seu coração é atraído por Vera e eles se apaixonam intensamente, apesar das diferenças sociais. Certo dia, o playboy fica sabendo que sua amada se muda do Rio de Janeiro sem deixar nenhuma informação. Desconsolado, passa a frequentar cabarés, até o dia em que encontra Gilda (Lelita Rosa), uma antiga amiga de sua amada. Ela informa que Vera nunca saíra da cidade e ainda continua apaixonada por ele. Eufórico com a notícia, Mario parte ao encontro da moça que, de início hesita, mas não resiste ao amor.

Ao que tudo indica, pelo sucesso alcançado, esse melodrama é bem realizado. Gonzaga e o roteirista Paulo Wanderley exercitam toda sua experiência de contato com o cinema norte-americano para estruturar o filme. Os cenários são rigorosamente desenvolvidos, os intérpretes seguem uma concepção definida dos tipos, com o mocinho atlético envergando sempre um bom terno e contracenando com a loura (símbolo de pureza moral no cinema da época) recatada em sua vestimenta.

As fotografias e os materiais de divulgação, assim como a revista Cinearte, reforçam o aspecto burguês dos ambientes e dos personagens. Os seis minutos de imagens em movimento que sobrevivem, provavelmente um material não editado, apresentam esse gosto por lugares luxuosos, ocupados por pessoas elegantes. Além disso, essas imagens têm certo rigor na composição dos enquadramentos e reiteram a escolha adequada dos tipos físicos, sempre segundo a fórmula do cinema popular norte-americano. O destaque é para Eva Nil, que, apesar do pequeno papel que desempenha, aparece de vestido levemente decotado, com detalhes de renda, sem manga, abraçando seu pai adotivo. Em seguida, é vista recostada em uma porta de vidro com formas de losangos. Ela contempla docemente e sorri absorta, com a mão em uma écharpe. Em outra cena, Eva e Modesto estão numa varanda e ela estende a mão ao rapaz, que permanece sentado. Em outro plano, o casal caminha de mãos dadas por uma pequena alameda. Num primeiro plano, em que exibe toda sua beleza e melancolia, Eva está com a cabeça pousada num tronco de árvore. Modesto também aparece a seu lado. Nos planos seguintes, ele bem trajado desce escadas, e ela toca piano em uma antessala decorada com vasos, colunas art déco e um quadro do gênero nu artístico. Por fim, Eva, vestida com delicada camisa de marinheiro, gira lentamente seu rosto até encarar a câmera.

Esses fragmentos, apesar de sua pouca extensão, têm a força de revelar o projeto de cinema desenvolvido por Gonzaga, Wanderley e Pedro Lima, em Cinearte. Tudo o que esse grupo aprende em matéria de técnica e estética do cinema se resume em Barro Humano. Nos moldes das revistas norte-americanas de publicidade cinematográfica, Cinearte defende o mesmo modelo de produção e o mesmo culto aos astros, com entrevistas com atores e diretores, reportagens sobre filmagens, resumos e pequenas notícias, e um farto material fotográfico. E quando seus articulistas se dedicam ao cinema brasileiro no curto espaço da revista, eles o fazem em nome de um cinema local mais "fotogênico", "moderno" e com "boa aparência", recusando os filmes documentais que mostram um país atrasado. Enfim, o que Cinearte promove é um tipo de cinema com ambientes luxuosos e pessoas de alto nível social2, que carrega a premissa de que tais valores ligados a um mundo romântico de gente abastada têm mais força de atração do público.

O crítico Paulo Emílio Salles Gomes analisa as ideias de Cinearte e descreve o processo de realização do filme. Embora se inspire nas produções norte-americanas, sua feitura é bastante artesanal, com as filmagens acontecendo nos fins de semana e se estendendo por um ano e meio. O sucesso de bilheteria de Barro Humano leva a crer que o filme alcança pelas imagens, um padrão narrativo dramático avançado para o cinema brasileiro. Salles Gomes conjectura que "(...) ao que tudo indica esta fita marca muito melhor do que Braza Dormida a conquista pelo cinema brasileiro - naturalmente em termos relativos - da linguagem e arte tal como se desenvolveram nos Estados Unidos a partir de Griffith".

O teórico do Chaplin-Club, Octavio de Faria comenta o filme com euforia, louva o trabalho do roteiro, mas critica a direção: 'As interpretações são todas notáveis, a direcção é muito boa, a fotografia por vezes optima, tudo muito bem, mas o que sobresáe realmente e eleva Barro Humano ás alturas de um grande film nacional é o scenario [roteiro]. Só verá realmente Barro Humano quem ler o seu scenario [roteiro]. Quem lhe estuda os detalhes, os simbolos sempre felizes, a continuidade agradavel e ainda suas possibilidades. A direcção do filme já não me entusiasma tanto. Talvez por esperar demais, tendo ouvido falar muito dela. Muito perfecta tecnicamente, mas por demais objectiva. Há optimas colocações de maquina que realçam muito a historia (...), mas eu gostaria de sentir mais a personalidade do Sr. A. de A. Gonzaga (...)'. Depois de salientar a coesão de Braza Dormida em detrimento de Barro Humano, Faria não deixa de criticar a influência estrangeira: "Outro defeito, para mim, de Barro Humano é um pouco de influência da vida americana na concepção e no desenrolar da história".4

A repercussão de Barro Humano estimula muito Adhemar Gonzaga, que decide concretizar definitivamente seu projeto de um cinema industrial. Em 1930, ele investe na fundação da Cinédia, disposto a fazer os filmes idealizados na Cinearte. Com considerável aparato técnico, a empresa torna-se o principal estúdio do país e produz obras importantes do cinema brasileiro, como Mulher (1931), Ganga Bruta (1933) e Bonequinha de Seda (1936).

Notas

1. Para o circuito exibidor completo do filme acessar o site da Cinemateca Brasileira: www.cinemateca.org.br.
2. Para uma discussão sobre os aspectos ideológicos de Cinearte, cf. XAVIER, Ismail. Sétima arte: um culto moderno. São Paulo: Perspectiva, 1978.
3. GOMES, Paulo Emílio Salles. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 334.
4. FARIA, Octavio de. Barro Humano, O Fan, n. 6, Rio de Janeiro, set. 1929.

Fontes de pesquisa 8

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  • FARIA, Octavio de. Barro Humano. O Fan, n. 6, Rio de Janeiro, setembro de 1929.
  • GOMES, Paulo Emilio Sales. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, 1974.
  • GONZAGA, Alice. 50 Anos de Cinédia. Rio de Janeiro, Record, 1987.
  • MIRANDA, Luiz Felipe. Dicionário de cineastas brasileiros. Apresentação Fernão Ramos. São Paulo: Art Editora, 1990, 408 p.
  • RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000.
  • SCHVARZMAN, Sheila. Filmando a Mulher no Cinema Mudo Brasileiro. Acesso: RG(A) - ArtCultura, v. 7, n. 10, jan.-jun. 2005. p. 55-64.
  • SOUTO, Gilberto. O Cinema Novo dos anos vinte. Filme e Cultura, n.4, pp.40-2, abril 1967.
  • XAVIER, Ismail. Sétima Arte: um culto moderno. São Paulo: Perspectiva, 1978.

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