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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Blue Tango

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 19.08.2022
1984
1988
Considerado um dos mais importantes fotógrafos brasileiros da contemporaneidade, Miguel Rio Branco (1946) reafirma – em discurso e obra – que seu interesse não se restringe à fotografia. Um exemplo dessa busca pela pluralidade é Blue Tango, políptico1 criado em 1988, uma de suas obras mais divulgadas2. A composição que articula registros fotográ...

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Considerado um dos mais importantes fotógrafos brasileiros da contemporaneidade, Miguel Rio Branco (1946) reafirma – em discurso e obra – que seu interesse não se restringe à fotografia. Um exemplo dessa busca pela pluralidade é Blue Tango, políptico1 criado em 1988, uma de suas obras mais divulgadas2. A composição que articula registros fotográficos de dois capoeiristas feitos quatro anos antes, em Salvador, é um elogio sincopado à leveza do movimento. Não é uma figura com identidade própria, mas uma ideia da capoeira, alegoria de meninos pobres que povoam Salvador e as periferias das grandes cidades brasileiras. Há também um esforço de síntese por meio da imagem e uma tentativa de colocar a linguagem fotográfica em xeque, forçando-a em direção a um caráter mais expressivo e menos documental.

Ao dar unidade à série fotográfica, Rio Branco age como orquestrador, harmonizando diferenças e desdobrando as possibilidades de leitura das imagens3. Sublinha o efeito sintético e ritmado da fotografia por meio procedimentos como: a ênfase no contraste entre a cor escura da pele dos jogadores e a tonalidade azulada da cena; o uso de uma luz rebaixada que suaviza o conjunto e não permite que se apreendam detalhes; um destaque dado à trama geométrica que ocupa a parede ao fundo e que contribui para criar instabilidade; a indefinição entre a existência real dos modelos e o caráter fantasioso da cena; e, sobretudo, o estabelecimento de um fluxo narrativo, obtido pela repetição de cenas que, não sendo as mesmas, são semelhantes.

Desta maneira, pode-se dizer que Blue Tango é um e vários trabalhos. São fotos com existência coletiva e autônoma (é assim que são exibidas no livro Miguel Rio Branco, de 19884), situadas num plano não exclusivamente fotográfico. “Sou mais um embaralhador, um montador de narrativas”, afirma o autor5. Tempo e movimento são sua matéria-prima. Procedimentos como o corte e a edição, a síntese entre corpo e espaço e intensidade cromática estão na base de sua construção. Em outras palavras, Blue Tango e outros trabalhos remetem à música e à fotografia, ao cinema e à pintura.

Do cinema, retira a questão temporal, de construção de uma narrativa com fragmentos isolados6. Ao invés de adotar a forma cinematográfica tradicional, que organiza a imagem para criar a ilusão do movimento contínuo, Rio Branco enfatiza o fragmento, acentua os intervalos. Recorre inclusive a uma estrutura geométrica de linhas brancas horizontais e verticais que intensificam as divisões e isolam os diferentes elementos que compõem a obra.

A cor também é essencial. Surge como explosão cromática (deriva daí a recorrente aproximação entre sua obra e uma densidade emocional típica das representações barrocas). Outras vezes, como em Blue Tango, ela é trabalhada não como forma de enfatizar diferenças, mas como vínculo, como elo de aproximação entre os elementos compositivos. O papel fundamental dessa paleta enxuta (formada apenas pelo negro e azul) é coordenar as imagens dos garotos, gerando unidade e ampliando a potência expressiva e dramática explícita no próprio título da obra. 

Derivado da música homônima do compositor italiano Paolo Conte (1937), que Rio Branco diz ter ouvido sem parar na época de realização do trabalho, o nome Blue Tango merece atenção. O termo “blue”, ou azul, remete à tonalidade azul, à luz rebaixada da aurora ou do crepúsculo presente nas imagens e carrega outros significados. Na língua inglesa, por exemplo, designa melancolia, um estado letárgico de tristeza e depressão e um gênero musical com fortes vínculos, assim como a capoeira, com a cultura negra. A referência ao tango funciona como reforço, por contraste, do caráter sedutor dos passos desenvolvidos pelos dois rapazes diante das câmeras.

Fica evidente, portanto, no título e na imagem, a contiguidade estabelecida entre a musicalidade e o movimento dos modelos. Em cada uma das fotografias do conjunto está representado um momento preciso, de desafio corporal, de celebração da leveza e instabilidade da dupla retratada. O movimento congelado e a ambientação pouco detalhada fazem parte de uma estrutura que promove ambiguidades e explora paradoxos.

Notas

1 Termo usado para designar obras constituídas de vários elementos.

2 Blue Tango já foi exibido em diversas mostras nacionais e internacionais, como o festival belga Europalia Brasil (2011). Está presente também em acervos de destaque como o Instituto Cultural Inhotim e o Metropolitan Museum de Nova York.

3 Existem três versões de Blue Tango, com 9, 16 e 20 imagens, esta última a mais conhecida e, segundo o próprio autor, a mais interessante.

4 RIO BRANCO, Miguel. Miguel Rio Branco. Ensaio David Levi Strauss. São Paulo: Rio, 1998. 

5 HIRSZMAN, Maria . A visão fragmentada e poética de Miguel Rio Branco. Estado de S. Paulo, Sâo Paulo, 20 mar. 2007.

6 No caso trata-se do cinema clássico, aquele gerado com a exibição de 24 fotogramas por segundo.

Fontes de pesquisa 6

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  • HIRSZMAN, Maria. A visão fragmentada e poética de Miguel Rio Branco. Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 mar. 2007.
  • PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira 2. São Paulo: Estação Liberdade: Senac, 2000.
  • RIO BRANCO, Miguel. Miguel Rio Branco. Ensaio David Levi Strauss. São Paulo: Rio, 1998. 149 p., il. color.
  • RIO BRANCO, Miguel. Miguel Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 149p. il. color.
  • RIO BRANCO, Miguel. Miguel Rio Branco: pele do tempo. Texto Paulo Sérgio Duarte. Rio de Janeiro: Centro de Arte Hélio Oiticica, 2000. [48] p., il. color. 1 CD-ROM.
  • SERÉN, Maria do Carmo. Um imaginário do medo. In: BRANCO, Miguel Rio. Gritos surdos. Porto: Centro Português de Fotografia, 2002.

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