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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Santo Forte

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 25.04.2016
1999
Quinto longa-metragem do cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014), Santo Forte é inspirado em pesquisa para série não realizada na TVE e conversas com o crítico José Carlos Avellar (1936-2016), então presidente da RioFilme. Em 1997, Coutinho realiza o documentário sobre manifestações da religiosidade nos discursos dos moradores da favela Vila Parqu...

Texto

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Quinto longa-metragem do cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014), Santo Forte é inspirado em pesquisa para série não realizada na TVE e conversas com o crítico José Carlos Avellar (1936-2016), então presidente da RioFilme. Em 1997, Coutinho realiza o documentário sobre manifestações da religiosidade nos discursos dos moradores da favela Vila Parque da Cidade, localizada na Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro. As filmagens começam durante a visita do Papa João Paulo II (1920-2005) à capital fluminense e são retomadas no Natal desse mesmo ano. As 40 horas de captação resultam, um ano depois, em uma edição de 80 minutos, com 11 entrevistados. A fala deles dá ênfase ao imaginário religioso, tônica das perguntas de Coutinho que, na montagem do filme, respeita o ponto de vista dos depoentes. Com recursos da Riofilme e do programa Rumos Itaú Cultural Cinema e Vídeo 1998, Santo Forte é realizado em vídeo. Isso lhe permite mais tempo de gravação de entrevistas, sem a necessidade de as interromper por questões técnicas. O produto final é transferido para película de 35mm para exibição e distribuição nos cinemas – processo conhecido como kinescopagem.1

Em Santo Forte, Coutinho consolida diversos procedimentos como, por exemplo, o uso do som direto e de diferentes câmeras, dedicadas ao personagem e à atividade e interação da equipe. Na montagem, não utiliza músicas de fundo ou imagens de cobertura, o que fortalece os discursos apresentados. Além disso, incorpora estratégias (ou dispositivos) que compõem uma narrativa ética e respeitosa ao seu objeto.

Na etapa de pré-produção, define-se a necessidade de uma única locação, escolhida com base nos trabalhos2 das antropólogas Patrícia Birman e Patrícia Guimarães. Além disso, uma equipe faz a pesquisa de personagens. O método, iniciado timidamente em O Fio da Memória (1991), é consolidado a partir desse momento. As pessoas selecionadas só encontram Coutinho no momento da gravação, para manter a espontaneidade das conversas. A disponibilidade de suas agendas é acertada mediante o pagamento de cachê, utilizado pela primeira vez em seus filmes. Esse processo, assim como a presença da equipe e dos equipamentos em quadro são absorvidos na montagem com cortes descontínuos que abreviam o depoimento.

Outros dispositivos são observados em uma das quatro cenas em que a personagem Thereza é apresentada. Ela está no quintal e conta à equipe, pela primeira vez, a história do falecimento da irmã, causado pela Pombagira. Nesse depoimento, Coutinho utiliza a câmera na mão, em oposição ao restante do filme, em que fica estática. O fato demonstra a adaptação ao espontâneo, mesmo que, em outros momentos, perceba-se que o cineasta possui conhecimento prévio sobre seus protagonistas. A força do depoimento aumenta quando, ao se referir a Pombagira, Thereza gesticula e diz que estão rodeados de espíritos. A performance do corpo e a narração da história contrastam com os planos gerais do quintal vazio, inseridos na edição no início e ao final do depoimento. O mesmo efeito é conseguido, durante o relato, com o uso de um plano vazio e estático de uma pequena escultura com a representação da entidade. O uso dos ícones religiosos é uma das poucas formas de ilustração das religiões no documentário, servindo também como plano de corte.

O filme estreia no 27º Festival de Gramado, em 1999, quando conquista o prêmio especial do júri. Comercialmente, o longa é lançado em 19 de novembro do mesmo ano em quatro cópias, poucos dias antes de ser exibido e premiado como Melhor Filme, Montagem e Roteiro, além do prêmio da crítica no 32º Festival de Brasília. Santo Forte é considerado pela crítica, pelos pesquisadores e pelo próprio diretor um divisor de águas de sua carreira. A pesquisadora Consuelo Lins, por exemplo, entende que Coutinho assume os elementos estéticos presentes em documentários anteriores e estabelece uma ética no uso das imagens, com base nos dispositivos que ele desenvolve a partir desse filme.3 O crítico José Carlos Avellar, por sua vez, destaca a viagem em busca do inesperado que guia o diretor e a convergência entre filme e personagens que contam a mesma história.4 Nesse sentido, a observação do crítico Carlos Alberto Mattos (1954) é complementar, quando diz que o diretor prefere dar voz às pessoas a tornar espetáculo suas crenças com imagens de rituais religiosos.5 Na Folha de S.Paulo, o crítico Inácio Araújo (1948) é enfático quanto à longevidade da obra: “É bastante possível que hoje pouca gente vá ao cinema para ver ‘Santo Forte’. Não importa. Daqui a cem anos, quando alguém quiser saber como pensavam e viviam as pessoas – ou certas pessoas – no fim do século 20, esse filme ainda estará vivo. Este é seu tempo. Esta é sua razão de existir”.6

Notas
1 O vídeo possibilita ao cinema mudanças financeiras e estéticas. Os rolos de 16mm e 35mm são curtos, permitindo apenas 11 minutos de filmagem contínua. Isso gera altos custos de rolo de filme, equipamentos, revelação e montagem em laboratório. Já o vídeo é mais econômico, garante mais tempo de gravação, com câmeras leves e de maior mobilidade.
2 Consuelo Lins explica que, em 1997, Coutinho teve acesso “ao trabalho da antropóloga Patrícia Birman sobre trajetórias religiosas, construído a partir de uma pesquisa de campo por ela realizada nessa comunidade. Coutinho também teve acesso às entrevistas que a assistente de Patrícia na época, a antropóloga Patrícia Guimarães, fazia para sua tese de doutorado”. Cf. LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 100.
3 LINS, Consuelo. O documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 99 a 118.
4 AVELLAR, José Carlos. A palavra que provoca a imagem e o vazio no quintal – entrevista com Eduardo Coutinho. Revista Cinemais. Rio de Janeiro, n. 22, p. 31-71, mar./abr. 2000. p. 31.
5 MATTOS, Carlos Alberto. Eduardo Coutinho: o homem que caiu na real. Portugal: Festival de Cinema Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira, 2003. p.70.
6 ARAÚJO, Inácio. Deuses e homens encontram-se em 'Santo Forte'. Folha de S. Paulo. São Paulo, 19 nov. 1999. Ilustrada, p. 22.

Fontes de pesquisa 22

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  • ALMEIDA, Carlos Heli de. Gramado confirma vigor de documentários. O Globo. Rio de Janeiro, 13 ago. 1999. Segundo Caderno, p.6.
  • ARAÚJO, Inácio. Deuses e homens encontram-se em 'Santo Forte'. Folha de S. Paulo. São Paulo, 19 nov. 1999. Ilustrada, p. 22.
  • AVELLAR, José Carlos. A palavra que provoca a imagem e o vazio no quintal – entrevista com Eduardo Coutinho. Revista Cinemais. Rio de Janeiro, n. 22, p. 31-71, mar./abr. 2000.
  • BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
  • COMOLLI, Jean-Louis. Sob o risco do real. In: _____. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008.
  • COUTINHO, Eduardo; FURTADO, Jorge; XAVIER, Ismail. O sujeito (extra)ordinário. In: MOURÃO, Maria Dora, LABAKI, Amir (org.). O cinema do real. Textos de Brian Winston et al. São Paulo: Cosac Naify, 2005. 285 p.
  • DIAS, Verônica Ferreira. A construção da realidade - o estudo do processo criativo de Eduardo Coutinho na elaboração do documentário Santo forte. 210f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
  • LABAKI, Amir. Introdução ao Documentário Brasileiro. Apresentação Ismail Xavier. São Paulo: Francis, 2006. 123 p.
  • LINS, Consuelo. O Documentário de Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
  • LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
  • MACHADO, Tiago Mata. “Santo Forte” documenta as crenças do povo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 09 fev. 2001. Ilustrada, p. E-13.
  • MATTOS, Carlos Alberto. Cineasta mostra o cotidiano místico do Brasil. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 jun. 1998. Caderno 2, p. D-1.
  • MATTOS, Carlos Alberto. Eduardo Coutinho: o homem que caiu na real. Santa Maria da Feira, Portugal: Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, 2003.
  • NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.
  • OHATA, Milton (Org.). Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac & Naify: Sesc, 2013.
  • OLIVEIRA, Bernardo. Novos parâmetros para o filme documental. Contracampo. Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.contracampo.com.br/criticas/santoforte.htm >. Acesso em: 07 out. 2015.
  • ORICCHIO, Luiz Zanin. Acaso e necessidade. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 jun. 2013. Caderno 2, p. C-5.
  • ORICCHIO, Luiz Zanin. ‘Santo Forte’ articula a fé com o plano social. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 27 out. 1999. Caderno 2, p. D-6.
  • ORICCHIO, Luiz Zanin. ‘Santo Forte’ expõe a real religiosidade brasileira. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 nov. 1999. Caderno 2, p. D-16.
  • SILVA NETO, Antonio Leão da. Dicionário de filmes brasileiros: longa metragem. São Bernardo do Campo: Edição do Autor, 2009.
  • SUKMAN, Hugo. Tudo o que existe me interessa. O Globo, Rio de Janeiro, 11 ago. 1999, Segundo Caderno, p.4.
  • VALENTE, Eduardo. Fé e Santo Forte - e as caras do documentário brasileiro. Contracampo, Rio de Janeiro, n.13-14. , jan./fev. de 2000. Disponível em: < http://www.contracampo.com.br/13-14/santoforteefe.htm >. Acesso em: 07 out. 2015.

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