Edifício Sesc Pompéia
Texto
O edifício do Sesc Pompéia, em São Paulo, é projeto da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992), tendo como assistentes os arquitetos Marcelo Carvalho Ferraz (1955) e André Vainer (1954).
O centro de lazer Sesc Fábrica da Pompéia ocupa o terreno de uma antiga indústria de tambores constituída por uma sequência de galpões em estilo inglês. A partir de 1973, o Sesc passa a utilizar o lugar de maneira improvisada, abrindo os portões para a vizinhança composta sobretudo por operários e suas famílias. O arquiteto Júlio Neves (1932) é o primeiro a receber a encomenda do projeto e propõe a demolição dos galpões existentes para dar lugar a novas instalações. Sua proposta é rejeitada e a diretoria do Sesc procura um arquiteto com a expertise de restauro e requalificação de edifícios antigos. Em virtude da autoria do projeto do Solar do Unhão (1959), em Salvador, Bahia, Lina Bo Bardi é chamada para fazer o Sesc Pompéia.
Em sua primeira visita ao local, em 1976, Bo Bardi lá identifica um sistema estrutural pioneiro no uso do concreto armado1. Criado e patenteado pelo engenheiro francês François Hennebique (1842-1921), este modelo estrutural é amplamente utilizado na Europa na virada dos séculos XIX e XX. A antiga fábrica da Pompéia, entretanto, é caso singular no Brasil.
A arquiteta assume a precondição de manter os galpões, fazendo deles um “testemunho” de um tipo de edificação pertencente ao passado industrial do bairro e da cidade. Bo Bardi também considera a importância de aspectos humanos da ocupação improvisada e espontânea do lugar nos primeiros anos como Sesc. A partir desta percepção, estabelece-se a segunda condição para orientar o projeto, como a própria arquiteta atesta: “um público alegre de crianças, mães, pais, anciãos passeava de um pavilhão a outro. Crianças corriam, jovens jogavam futebol debaixo da chuva que caía dos telhados rachados, rindo com os chutes da bola na água. As mães preparavam churrasquinhos e sanduíches na entrada da rua Clélia; um teatrinho de bonecos funcionava perto da mesma, cheio de crianças. Pensei: isto tudo deve continuar assim, com toda esta alegria2.”
De 1977 a 1986, Lina Bo Bardi monta seu escritório no canteiro de obras do Sesc. A arquiteta acompanha a construção, fazendo medições do edifício existente, experimentações com os técnicos e operários3, resgatando o conhecimento familiar aos operários. Bo Bardi desenha desde o esquema de ocupação geral até detalhes como a “flor de mandacaru” – estruturas de ferro com formato semelhante à flor que fazem o fechamento do vão entre as passarelas – não se esquecendo da concepção dos uniformes dos funcionários e da comunicação visual.
Para quem está caminhando pelas ruas do bairro paulistano, Vila Pompéia, o olhar para dentro do portal de entrada do Sesc provoca encantamento: diversas pessoas caminham sobre os paralelepípedos da rua interna, que dão acesso aos galpões de diferentes atividades, um lugar propício ao lazer e a festas ao ar livre. A percepção é de se estar em uma cidadela4 contrastante com as caraterísticas urbanas de São Paulo: uma rua sem carros e repleta de pedestres que materializa um modelo exemplar de cidade e de convivência entre os cidadãos.
No interior dos pavilhões antes destinados à produção industrial, Bo Bardi intervém de maneira a esvaziá-los, deixando somente a “casca” sem divisões5. Além da visibilidade dada aos pilares e vigas duplas em concreto armado, a arquiteta também torna os tijolos aparentes e expõe as tesouras de madeira que sustentam a cobertura, aplicando cores nas peças metálicas que reforçam seus encaixes. O telhado conjuga sheds6 originais da edificação com telhas de vidro dispostas em alguns trechos para melhor captar a luz natural.
Lina Bo Bardi constrói novos espaços que qualificam o antigo galpão com um novo mobiliário para receber o público: poltronas, sofás, estantes de uma pequena biblioteca comunitária, estruturas de concreto com recintos para jogos de tabuleiro, a lareira e um espelho d’água com pedrinhas no fundo7.
O espaço é inaugurado em 1982 com uma programação cultural em grande parte idealizada por Lina Bo Bardi: as exposições Design no Brasil: História e Realidade (1982), Mil brinquedos para a criança brasileira (1982), Caipiras, capiaus: pau a pique (1984), Entreato para crianças (1985) resgatam aspectos da cultura popular brasileira, em especial o que ela denomina como pré-artesanato, e da visão lúdica das crianças perante o mundo.
Os outros pavilhões, originalmente industriais, contêm um teatro de arena, uma sala de exposições, o restaurante, a choperia que também abriga eventos musicais, e o galpão com as oficinas artísticas e artesanais, em ambiente organizado por paredes de blocos de concreto sem reboco – o processo do fazer não oculto pelo revestimento – e baixas, para manter a integração espacial.
Ocupando a maior parte de um quarteirão da Pompéia, o lote do Sesc tem um formato em L. Se um dos eixos é determinado pela rua interna, dobra-se a esquina para acessar o outro eixo e tem-se um choque visual: a horizontalidade dos antigos galpões contrasta com a verticalidade das torres unidas por passarelas, que constituem o bloco esportivo.
No mais delgado dos dois prédios altos estão os elevadores, escadas, vestiários, salas de ginástica e de danças. Com janelas em formatos irregulares, o edifício mais largo, a torre, tem a piscina no térreo e quatro andares superiores com quadras poliesportivas. Esta dupla de torres é conectada por passarelas, de modo que as quadras de um prédio só são acessíveis por meio da circulação vertical do outro edifício. A justificativa para isto é a existência de um córrego passando no meio deste eixo do terreno, criando uma área non aedificandi que restringe a ocupação. Bo Bardi fez da condicionante uma virtude do projeto: as duas torres que se solidarizam de forma aérea por diferentes passarelas são a forma mais expressiva do Sesc Pompéia.
Notas
1 A chamada por Lina Bo Bardi de estrutura hennebiquiana consiste em colunas ligadas por vigas duplas que formam um elemento monolítico, em concreto armado.
2 BO BARDI, Lina. In.: FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1993. p.220.
3 FERRAZ, Marcelo Carvalho. Numa velha fábrica de tambores. SESC-Pompéia comemora 25 anos. Minha Cidade, São Paulo, n. 093.01, ano 08, abr. 2008. Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.093/1897 >. Acesso em:
4 FERRAZ, Marcelo Carvalho; VAINER, André (Orgs.). Cidadela da liberdade. São Paulo: Edições Sesc, 2013.
5 COMAS, Carlos Eduardo Dias. Lina Bo Bardi. In: Revista de Cultura Brasileña, Madri, 1998.
6 Elemento translúcido de formato variável utilizado em coberturas de edifícios para que os espaços internos recebam luz natural.
7 PERROTTA-BOSCH, Francesco. A Arquitetura dos intervalos. Serrote, São Paulo, n. 15, nov. 2013. p. 17. Disponível em: < http://www.revistaserrote.com.br/2013/12/a-arquitetura-dos-intervalos-por-francesco-perrotta-bosch/>.
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EDIFÍCIO Sesc Pompéia.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra43999/edificio-sesc-pompeia. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7