Tarde
Texto
Os poemas de Tarde (1919), de Olavo Bilac (1865-1918), reúnem-se sob um título que logo anuncia o tom crepuscular predominante nas composições. Com redação concluída no ano da morte de Bilac e publicação póstuma, o livro confirma o domínio desse parnasiano sobre o verso, e revela um sujeito às voltas com a “antevelhice”, nostálgico e mais reflexivo do que em sua produção anterior. Na trilha dos ideais parnasianos de contenção emotiva por meio da técnica, e da descrição objetiva de cenas e objetos em contraponto à expressão desenfreada do eu lírico, o poeta desenvolve os temas de sua predileção: o amor e a beleza física da mulher; a pátria e os grandiosos eventos da história nacional; a exaltação do trabalho e do progresso. E, na esteira do conjunto da obra, então reunida em Poesias(1902) há a impressão de uma emoção singela e espontânea, mesmo que conformada aos limites da forma poética fixa.
Trata-se de uma sequência de 99 sonetos petrarquianos – todos os poemas que compõem a Tarde apresentam dois quartetos e dois tercetos, somando 14 versos, decassílabos ou dodecassílabos (alexandrinos), e rigorosamente rimados. Essa configuração tem, é claro, consequências no sentido – por ser breve, a forma impõe a concisão, de modo que o soneto normalmente assuma tendência descritiva ou argumentativa. Pode-se dizer que a inclinação para a argumentação predomina em Tarde, pois nesse título o poeta se abre, embora discretamente, para interesses mais metafísicos, que problematizam a existência humana. É o que enuncia o segundo poema, Ciclo: “Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo; / A árvore maternal levanta o fruto, / A hóstia da ideia em perfeição… Pensar!”.
No que diz respeito ao tema amoroso, ao lado de sonetos que cantam o sentimento em termos genéricos, como Oração a Cibele (“Que eu morra assim feliz, tudo de ti querendo: / Mal e bem, desespero e ideal, veneno e pomo, / Pecados e perdões, beijos puros e impuros!”), há outros como Salutaris Porta, que reflete sobre uma frustrada experiência do passado (“Feliz o idílio que não teve história! / Salvando-nos do tédio, o nosso medo / Foi uma porta de ouro para a glória!”). E a descrição da beleza feminina, se foi um meio privilegiado para os parnasianos cantarem amores de modo objetivo, aparece aqui também obscurecida: “Vê-se no espelho; e vê, pela janela, / A dolorosa angústia vespertina: / Pálido, morre o sol… Mas, ai! termina / Outra tarde mais triste, dentro dela”. Algo semelhante ocorre com relação à pátria, simplesmente exaltada (“Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes, / No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!” – “Pátria”), louvada em aspectos particulares, caso de Música Brasileira e Anchieta, ou cantada em sua decadência: no conhecido soneto Vila Rica, dedicado a Ouro Preto, o poeta lamenta o abandono da cidade que antes crescera sob a exploração do ouro (“O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre”).
Também famoso é o soneto em que Bilac louva a “língua portuguesa”, a que chama a “última flor do Lácio”, por ter derivado do latim, originário dessa região europeia: “Amo o teu viço agreste e o teu aroma / De virgens selvas e de oceano largo / Amo-te, ó rude e doloroso idioma”. A dimensão metalinguística, que esteve sempre presente na obra do poeta, inclusive em aproximações entre a composição do verso e o trabalho do ourives, assume em Tarde o caráter de um balanço poético. Talvez questionando o posicionamento essencialmente antirromântico que marca a obra parnasiana, o sujeito lastima, em Remorso: “Versos e amores sufoquei calando, / Sem os gozar numa explosão sincera” – para enfim arrematar a sensação de desperdício com chave de ouro: “E por pudor os versos que não disse!”.
A conclusão dos sonetos em verso final com tom elevado e de efeito é outra constante. Embora se trate de recurso caro aos parnasianos de modo geral, o emprego intenso da chave de ouro constitui, para alguns críticos, sinal de que em Tarde Bilac já esgotava seus procedimentos. Mário de Andrade (1893-1945), para quem “outro nenhum existe que se lhe compare na língua”, dada a “perfeição técnica no manejo dos metros conhecidos”, mostra como esses poemas baseiam-se em procedimentos repetidos à exaustão. Para além da insistência no fecho grandiloquente, há o uso repetido das enumerações. Ainda que a enumeração paratática seja um procedimento poético comum, a recorrência na obra pode ser observada como artifício a fim de facilmente sustentar o ritmo do verso. Muitas vezes, há também pares de versos paralelos, que podem servir de encerramento em lugar da chave de ouro: “[…] Orfeu humanizando as feras, / São Francisco de Assis pregando às aves” (Anchieta).
Assim, ao lado dos que consideram Tarde o coroamento da obra de Bilac e da poesia parnasiana no Brasil, no dizer de Wilson Martins (1921-2010), estão aqueles que apontam o declínio na produção do poeta. Em todo caso, a crítica é unânime em apontar que “em toda a história da nossa literatura”, Bilac, conforme afirma Alexei Bueno (1963), “alcançou o maior prestígio e a mais alta identificação popular jamais registrada, em plena vida e por um período duradouro”. Nem mesmo o movimento modernista, essencialmente antibilaquiano, pela liberdade formal e expressiva que buscava, deixou de reconhecer a sua importância, como atestam as palavras de Mário de Andrade.
Fontes de pesquisa 7
- AMARAL, Amadeu. Soneto de Bilac. São Paulo: Ed. Jahu Club, 1920.
- ANDRADE, Mário de. Olavo Bilac. In: BILAC, Olavo. Obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 37-46.
- BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1974. 571 p.
- BUENO, Alexei. Bilac e a poética da belle époque brasileira. In: BILAC, Olavo. Obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. p. 15-25.
- CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 376-386.
- CARVALHO, Affonso de. Bilac, o homem, o poeta, o patriota. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942.
- MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira. v. VI (1915-1933). Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010. p. 155-158.
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TARDE.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra43829/tarde. Acesso em: 04 de maio de 2025.
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