[Entrada da Baía de Guanabara - Vista da Fortaleza de Santa Cruz]
![[Entrada da Baía de Guanabara - Vista da Fortaleza de Santa Cruz], 1885 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/000087007019.jpg)
[Entrada da Baía de Guanabara - Vista da Fortaleza de Santa Cruz], 1885
Marc Ferrez
Albúmen, c.i.d.
18,50 cm x 25,00 cm
Texto
No decênio de 1880, o fotógrafo Marc Ferrez (1788-1850) já desfruta do prestígio de um profissional bem estabelecido no Rio de Janeiro. Após quase duas décadas de trabalho, acumula um número considerável de honrarias e prêmios (entre eles, medalhas em exposições nacionais e internacionais e o título de Cavaleiro da Ordem da Rosa, conferido por Dom Pedro II) que o colocam em lugar de destaque entre os fotógrafos brasileiros do período. Também nesse decênio, Ferrez consolida os passos dados anteriormente, fixando algumas das inclinações e posturas que passam a definir a sua produção: investe assiduamente na sua capacitação profissional, tem predileção pela paisagem, e, sobretudo, pela paisagem do Rio de Janeiro.
É nesse período, por volta de 1885, que produz a Entrada da Baía de Guanabara, Vista da Fortaleza de Santa Cruz. Tomada de Niterói, nela são vistas, em primeiro plano, três figuras que contemplam a paisagem. Em segundo plano, o mar revolto, encontrando as rochas, é captado de maneira tecnicamente inovadora . Em último plano aparecem as montanhas do Rio de Janeiro e o céu.
Essa imagem, além de respeitar grande parte dos esquemas adotados por Ferrez nas suas fotografias da paisagem carioca (a geografia do Rio de Janeiro quase sempre emoldura o mar e define os limites de profundidade da sua imagem), oferece uma síntese das muitas relações que ele estabelece com a fotografia no período. Relações que devem ser observadas por duas perspectivas: a técnica e a estética.
Quanto à técnica, o interesse de Ferrez – como o de muitos destacados fotógrafos do século XIX – não se resume a apenas captar uma imagem, mas a contribuir para o avanço técnico da sua atividade profissional. Ele cria um histórico de inovações técnicas – aprimoramentos de câmeras panorâmicas, dispositivos para fotografar em alto-mar, reveladores – que o notabilizam no Brasil, e cujo sucesso permite que se aproxime da Société Française de Photographie (SFP), a partir de 1878.
Em Entrada da Baía, ganha grande importância o primor técnico do fotógrafo na captação das ondas que se chocam contra as rochas da fortaleza. Em 1885, é ainda uma tarefa difícil conseguir captar objetos em movimento, seja pelo sistema de colódio, seja pelo sistema de albúmen, os mais comuns então. Ferrez segue um caminho virtuoso com esse tipo de representação que tem como primeiras tentativas bem-sucedidas as imagens feitas pelo fotógrafo francês Gustave Le Gray (1820-1884), na década de 1850. De fato, é notável a semelhança entre a Entrada da Baía e a famosa The Big Wave at Sète, de 1856, de Le Gray, em que também tem destaque o congelamento bem-sucedido das ondas do mar, num cenário em que se apresenta, igualmente, um tipo de fortaleza.
O interesse de Ferrez por esse tipo de captação já é patente anos antes. Em 1880, ele realiza uma imagem muito similar à de 1885, tomada do mesmo ponto de vista, na qual as ondas, entretanto, não estão tão bem captadas. O mar aparece difuso, mostrando-se como uma superfície mais homogênea, e não sugerindo um instante preciso de captação, o que, possivelmente, fez com que o fotógrafo “refizesse” depois a imagem.
Uma segunda perspectiva importante para a análise de Entrada da Baía diz respeito ao envolvimento artístico que Ferrez tem em sua produção. Para o historiador da arte Tadeu Chiarelli, Ferrez “chama a atenção para a ‘artisticidade’ de suas fotografias” e pelos contatos que estabelece com a tradição da pintura que o antecede. Sua predileção pela paisagem o coloca nos trilhos da produção romântica brasileira que, pela atuação de diversos artistas desde a primeira metade do século XIX, também demonstra grande interesse pela paisagem carioca. Eles desenvolvem suas representações próximos, sobretudo, a duas visões correntes da paisagem romântica. As visões do sublime e do pitoresco.
De fato, é mais por esse ângulo que a fotografia de Ferrez se relaciona com a tradição da pintura: ela está em diálogo direto com as escolhas de artistas brasileiros e estrangeiros que definem, por meio da pintura, as vistas pitorescas do Rio de Janeiro. Se na década de 1880 ainda é comum definir a fotografia como destituída de “artisticidade”, o diálogo que Ferrez inicia com as escolhas herdadas dos pintores atuantes no Brasil permite que suas imagens não sejam percebidas apenas como espelhos do real, mas como vistas que guardam um dado pitoresco, e, portanto, artístico.
Na junção das duas importantes frentes na obra de Ferrez, a técnica e a artística, a Entrada da Baía se destaca como imagem exemplar. Ela alia o que há de mais moderno em possibilidades técnicas de captação a uma grande tradição vinda da pintura de paisagem. Ferrez parece perceber a diferenciação que essa imagem assume entre outras, pois, além do atestado de sua casa fotográfica, aquela imagem ganha algo que nem todas ganham: sua assinatura.
Fontes de pesquisa 7
- ARGAN, Giulio Carlo. A arte moderna na Europa: de Hogarth a Picasso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.113-118.
- FERREZ, Gilberto. A fotografia no Brasil: 1840-1900. Rio de Janeiro: Funarte, 1985.
- FERREZ, Gilberto. O rio antigo do fotógrafo Marc Ferrez: paisagens e tipos humanos do Rio de Janeiro 1865-1918. Rio de Janeiro: Ex-Libris: João Fortes Engenharia, 1984.
- GRUPO DE ESTUDOS ARTE & FOTOGRAFIA. Boletim n. 3. São Paulo: Editora Alameda: Grupo de Estudos Arte & Fotografia DAP: ECA/USP, mai. 2009.
- INSTITUTO MOREIRA SALLES. O Brasil de Marc Ferrez. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2005.
- NEWHALL, Beaumont. The history of photography: from 1839 to the present day. Boston: Brown and Company, 1937.
- TURAZZI, Maria Inez. Marc Ferrez. São Paulo: Cosac Naify, 2000.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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[ENTRADA da Baía de Guanabara - Vista da Fortaleza de Santa Cruz].
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra24746/entrada-da-baia-de-guanabara-vista-da-fortaleza-de-santa-cruz. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7