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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

O Ateneu

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 12.08.2015
1888
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú Reprodução Fotográfica Horst Merkel

O Ateneu, 1888
Raul Pompéia

Publicado em 1888, O Ateneu, de Raul Pompéia (1863-1895), constitui uma das mais inquietantes realizações do romance brasileiro, única em seus procedimentos estilísticos e desafiadora em seu modo de abordar a matéria social. Lançada à época do fim Império, possui forte influência da escola naturalista – da qual depende o materialismo que embasa-...

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Publicado em 1888, O Ateneu, de Raul Pompéia (1863-1895), constitui uma das mais inquietantes realizações do romance brasileiro, única em seus procedimentos estilísticos e desafiadora em seu modo de abordar a matéria social. Lançada à época do fim Império, possui forte influência da escola naturalista – da qual depende o materialismo que embasa-lhe o ponto de vista sem, contudo, limitá-lo. O romance integra o horizonte da literatura nacional como análise social permeada de um olhar aguçado aos processos constitutivos da psique.

Nesse sentido, a “crônica de saudades” produzida por Sérgio, narrador-protagonista do romance, sob o interesse da formação do homem que recorda seus anos de educação e busca seu sentido, desdobra-se em eixos distintos de avaliação da vida coletiva. Não há um enredo propriamente dito em O Ateneu – como revela os dizeres do pai do narrador: “Vais encontrar o mundo [...] Coragem para a luta” –, o romance explora os diversos aspectos de uma máquina de cinismo, injustiças e perversidades, o internato administrado por Aristarco e frequentado pelos filhos de uma elite agrária e burocrática. À medida que riqueza e poder permanecem à sombra das relações dos internos, entre si e com seu megalomaníaco diretor, as reminiscências de Sérgio retomam os pedantismos de classe e também algo de sua violência mais profunda, que o narrador resgata sob a forma de ressentimento.

É partindo de tal ressentimento que se estabelece o recorte da vida privada no internato; desta, destacam-se as transformações circunstanciais de Sérgio em face de uma dinâmica de abusos, descaso e vingança quase sempre mediada pelo poder econômico e o desejo sexual. Entre as lições introdutórias do veterano Rabelo (“Faça-se homem, meu amigo. Comece por não admitir protetores”) e a postura final de independência, Sérgio conhece o medo e a solidão. Após um desventurado início de amizade com Sanches, que o inicia nos ardis do assédio, a tristeza o faz aproximar-se dos marginalizados pela sociedade do colégio – Franco, o pária, humilhado por Aristarco em virtude do pouco prestígio e a falta de pagamentos do pai; e em seguida de Barreto, com o qual compartilha temporariamente uma religiosidade escapista. Será necessária a intervenção do pai, durante uma visita de Sérgio à casa da família, para que o garoto recupere a autoestima e, por fim, adapte-se à economia libidinal do colégio, como mostram as relações com o bibliotecário do Grêmio literário, o veterano Bento Alves, e o aluno de origem inglesa Egbert, nas quais amizade e sedução demonstram pouca diferenciação.

A educação sentimental de Sérgio sugere, portanto, uma espécie de fio condutor de seu processo de amadurecimento, ao qual a narrativa dá uma resposta ambígua: pois, se da perspectiva do conteúdo, o que temos é uma espécie de progressão rumo à liberdade, da perspectiva retórica (isto é, de como o ato narrativo recupera antigos sentimentos e os molda à luz da vida presente do protagonista) dá-se o contrário. Tal contradição ganha intensidade máxima na cena que dá fecho ao romance: o colégio em ruína tanto remete à superação íntima da vida no colégio e ao fim dos anos de aprendizado de Sérgio quanto à catástrofe da vida que a escola engendrava. Assim, arruína tanto o passado irrecuperável, no plano do conteúdo, quanto o sentimento do presente, no plano da expressão.

Diante das muitas questões estilísticas e de fundo psicológico lançadas por Pompéia, a fortuna crítica busca recuperar as qualidades dessa prosa caudalosa em relação ora a um sentido existêncial fundamental, ora a uma dinâmica social que impõe a “postulação trágica e cruel do ofício de viver”, no dizer de Ledo Ivo (1924-2012),1 a régua do processo histórico brasileiro. Os primeiros debates sobre a obra sugerem uma verdadeira obsessão pelo enquadramento estilístico do romance, oscilando entre o rótulo naturalista, com destaque para a sexualidade e a brutalidade de motivos, e o impressionista, com maior atenção dada aos aspectos psicológicos da narrativa.

Somente a partir da década de 1950 é que cresce o interesse pela singular integração de estilo e psicologia presentes na obra, principalmente no que ela pode ensinar sobre a sociedade da época. Dessa forma, a análise da “presença emotiva do narrador”2 (moldada a partir dos talentos de caricaturista de Pompéia) passa a observar os vínculos entre os fantasmas que rondam a consciência de Sérgio (como a efeminação e o sentimento de impotência que acompanha sua educação) e o poder da elite que vivia, então, os estertores do Império escravocrata. À potência vulcânica da retórica de Sérgio, a partir da qual se estabelece uma espécie de “fotosfera [...] tão intensa que, suprimidas as figuras que nela se agitam, ainda assim a obra permanece inteira, vibrante e percuciente”, segundo Araripe Jr. (1848-1911),3 contrapõe-se a estrela ambígua de Aristarco – em quem Sérgio encontra o centro dessa atmosfera desumana a ser constantemente denunciada e repudiada, mas também um melancólico modelo da realização frustrada de si. Por essa via, Pasta Jr.4 chega à importante noção de uma “construção como dissolução”, falso movimento inerente à narrativa, o qual nos lega os paradoxos de seu fechamento: o conhecimento do mundo, perseguido desde o início, é conquistado pela sua destruição, como se apenas mediante as ruínas do Ateneu e de seu diretor é que a vida possível se desmascarasse. Disso decorre a contraditória manifestação ressentida da saudade, retorno querido à dor e atualidade do passado, que marca a prosa de Sérgio.

Seja pelo moderníssimo entrelaçar de tensões estilísticas e dramáticas, seja pela sensibilidade a aspectos fundamentais da formação social brasileira, O Ateneu permanece em seu elevado posto no cânone literário brasileiro como uma de nossas mais incômodas obras-primas.

Notas
1 IVO, Ledo.O universo poético de Raul Pompéia. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1963.
2 SCHWARZ, Roberto. O Atheneu. In: ______. A sereia e o desconfiado: ensaios críticos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965.
3 ARARIPE Jr. Raul Pompéia, O Ateneu e o romance psicológico. In: Obra crítica II. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1960.
4 PASTA JÚNIOR, José Antonio. Pompéia: a metafísica ruinosa de O Ateneu. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 1992
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Fontes de pesquisa 6

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  • CAPAZ, Camil. Raul Pompéia: biografia. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001.
  • LÓPEZ HEREDIA, José. Matéria e forma narrativa de O Ateneu. São Paulo: Edições Quíron, 1979.
  • PASTA JÚNIOR, José Antonio. Pompéia: a metafísica ruinosa de O Ateneu. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 1992.
  • PERRONE-MOISÉS, Leila (org.). O Ateneu: retórica e paixão. Comemoração do centenário de O Ateneu (1888-1988). São Paulo: Brasiliense: Editora da Universidade de São Paulo, 1988.
  • TÔRRES, Artur de Almeida. Raul Pompéia: estudo psicoestilístico. 2 ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1972.
  • YONAMINE, Marco Antonio. Reverso specular: sexualidade e (homo)erotismo na literatura brasileira finissecular. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, 1997.

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