Conjunto Arquitetônico da Pampulha
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O conjunto arquitetônico da Pampulha, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), entre 1942 e 1944, surge de uma encomenda do então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek (1902-1976), para a construção de uma série de edifícios em torno do largo artificial da Pampulha. A obra prevê cinco edifícios: um cassino, um clube de elite, um salão de danças popular, uma igreja e um hotel, que não foi realizado. Ao final do projeto, o prefeito acrescenta uma residência de veraneio de fim de semana para ele e sua família. A obra faz parte de um plano de modernização da cidade - que nos anos de 1940 e 1950 conhece ampla expansão física e populacional - traduzido na criação de novos bairros como, por exemplo, a Pampulha e Cidade Jardim, zonas residenciais de elite. Datam também desse período a criação de uma cidade universitária (1944-1951) e de um distrito industrial, batizado de Cidade Industrial. Na Pampulha, especialmente, a administração municipal visa criar um local luxuoso de lazer - com cassino e lago para a realização de esportes náuticos para atrair investimentos. Para a execução da obra, Niemeyer conta com a colaboração do engenheiro de estruturas, e também poeta, Joaquim Cardoso (1897-1978) e do paisagista Burle Marx (1909-1994).
A obra é projetada por Niemeyer como um conjunto, mas onde cada elemento é visto como uma forma independente e autônoma. Além disso, os edifícios são pensados em estreita relação com o entorno, que fornece a moldura natural e a inspiração para os desenhos e plantas. O centro do projeto, de acordo com a encomenda, deveria ser o cassino. Não é por acaso que ele é o primeiro edifício a ser construído. Do alto de uma península, o prédio do cassino é concebido a partir da alternância de volumes planos e curvos, de jogos de luz e sombra. O bloco posterior em semicírculo estabelece um contraponto em relação à ortogonalidade do salão de jogos. O rigor das retas é quebrado pela parede curva do térreo e pela marquise irregular. O sentido vertical em que estão dispostos os caixilhos, por sua vez, opõe se à horizontalidade da construção. As superfícies envidraçadas e as finas colunas que sustentam a marquise são outros elementos que dotam de leveza o conjunto. O uso do vidro - também na escadaria envidraçada que liga o restaurante ao terraço - é mobilizado em função da luz e da comunicação entre interior e exterior.
No Iate Clube e na Casa Kubitschek, Niemeyer volta a jogar com os volumes, de modo que eles pareçam, ao mesmo tempo, fundidos e individualizados. Também se nota a continuidade exterior/interior como elemento fundamental dos edifícios. A fachada em forma de proa do Iate remete às imagens náuticas popularizadas por Le Corbusier (1887 - 1966) em diversas de suas obras. A cobertura de águas invertidas, por sua vez, é vista como referência direta ao projeto do arquiteto suíço para a residência Erazuriz, no Chile, 1930. Se no Cassino e no Iate Clube a curva é utilizada como contraponto às linhas retas, na Casa de Bailes, localizada numa pequena ilha próxima à margem, a curva impera. A marquise sinuosa de concreto, cujas linhas se inspiram diretamente no contorno da ilha, torna-se a partir desse momento, um motivo central da arquitetura de Niemeyer.
A Igreja de São Francisco é considerada a obra-prima do conjunto. Nessa obra o arquiteto lança mão de nova solução construtiva: não mais a estrutura independente, com lajes de concreto apoiadas em pilares, de acordo com o léxico arquitetônico racionalista, mas uma abóbada parabólica de concreto armado, estrutura até então utilizada em obras de engenharia como o hangar de aviões do aeroporto de Orly, em Paris, de autoria de Eugène Freyssinet (1879-1962). Niemeyer se apropria, de uma forma cara, das construções utilitárias, ao explorar os seus rendimentos plásticos e estéticos. O uso da abóbada parabólica permite que um único elemento seja suficiente para a construção do teto e das paredes. Mas, de qualquer modo, para concentrar a atenção no mural de São Francisco, realizado por Candido Portinari (1903-1962), que ocupa toda a parede do fundo, ele encurta a abóbada, estreitando-a na direção do altar. O jogo de luz entre o coro iluminado e a madeira escura da nave é mais um elemento que destaca o mural. É ainda Portinari o autor da composição branca e azul de azulejos que cobre a fachada posterior da capela. O emprego das curvas e linhas oblíquas em toda a Igreja - na fachada e no interior - confere a ela um caráter assimétrico e flexível que atesta a liberdade criativa do arquiteto, envolvido com a exploração máxima das possibilidades plásticas e com as potencialidades escultóricas do concreto armado.
O conjunto da Pampulha torna-se um marco da arquitetura moderna no Brasil e no mundo. Diversas críticas foram feitas ao projeto, sobretudo à falta de um plano urbanístico para o novo bairro no qual as obras têm lugar e à falta de função social da obra, ponto sublinhado por Max Bill (1908-1994) em entrevista à revista Habitat, n. 12, 1953. Tal crítica é rebatida por Joaquim Cardoso, na mesma revista, em 1953: "... o Conjunto da Pampulha é, no Brasil, o primeiro e, em certo sentido, talvez o único de um grupo de edifícios visando a uma finalidade coletiva e social; o próprio cassino construído com o objetivo imediato de servir à exploração do jogo de azar não está, pela disposição dos seus elementos, imperativamente destinado a esse fim: é, na verdade, um cassino, mas organicamente mais adaptado a uma colônia de férias para estudantes ou funcionários públicos, do que mesmo para jogadores profissionais". Discordâncias à parte, o fato é que uma série de dificuldades ronda o projeto e o redefine: a proibição do jogo faz com que o cassino se transforme em Museu de Belas Artes; a Casa de Bailes nunca chega a funcionar; a interdição do lago, devido à contaminação por parasitas, impede a prática de esportes náuticos e reduz as atividade do Iate Clube; finalmente, a capela, nada convencional em sua concepção, custa a ser aceita pela Igreja e permanece durante muitos anos sem uso.
Fontes de pesquisa 4
- BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Tradução Ana M. Goldberger. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
- DEPOIMENTO de uma geração: arquitetura moderna brasileira. rev. ampl. Organização Alberto Xavier. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
- SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil, 1900-1990. 2.ed. São Paulo: Edusp, 1999.
- UNDERWOOD, David Kendrick. Oscar Niemeyer e modernismo de formas livres no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 160 p., il. p&b.
Como citar
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CONJUNTO Arquitetônico da Pampulha.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra11963/conjunto-arquitetonico-da-pampulha. Acesso em: 02 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7