Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes
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Histórico
A companhia cuja linha de pesquisa é fundamentada na comédia popular brasileira é dirigida por Ednaldo Freire e tem como dramaturgo constante o prestigiado Luís Alberto de Abreu. Dedica-se ao resgate e recriação de formas tradicionais populares, tais como os autos e as narrativas cômicas, como também desenvolve intensa pesquisa em torno do gesto, da máscara e da interpretação cômica popular.
O núcleo nasce a partir do Grupo Teatral ADC Siemens, fundado em 1981 de um projeto cultural voltado a desenvolver atividades artísticas em empresas. Durante sua primeira fase, ainda numa estrutura amadora, são várias as montagens, que já revelam a preferência do grupo por um repertório brasileiro e popular: O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, 1981; Quem Nasce Pato Não Chega a Cisne, de Paulo Afonso Grisolli e Tite de Lemos, 1982; Portobello Circus (A História de Muitos Amores), de Domingos Oliveira, 1985; O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna,1986; O Capeta de Caruaru, de Aldomar Conrado, 1992; O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, 1993; entre outras - todas sob a direção de Ednaldo Freire.
Em 1993, seus integrantes criam o projeto Comédia Popular Brasileira, coordenado por Ednaldo em parceria com o dramaturgo Luís Alberto de Abreu, dando início à pesquisa mais profunda do conjunto em torno dos fundamentos da comédia popular brasileira. O objetivo é resgatar uma vertente esquecida na cena nacional e investigar temas, formas e expressões simbólicas presentes na Cultura Popular, tendo em vista a consolidação de uma comédia popular contemporânea, a partir da dramaturgia do próprio Luís Alberto.
O ponto de partida é dar vida e desenvolver os tipos já fixados no imaginário da cultura popular brasileira e a estruturá-los segundo alguns princípios da comédia popular.. Para tal, estudam os textos de Mikhail Bakhtin sobre o universo do riso na cultura popular, como também, adotam pesquisadores indispensáveis como Luís da Câmara Cascudo, Amadeu Amaral e Cornélio Pires.
A estreia do projeto dá-se com O Parturião, ou o Homem que Quase Foi Mãe, de Abreu, em 1994. Inspirado num tema recorrente na literatura cômico-popular medieval (o tolo que é convencido estar grávido), o mineiro João Teité, tipo inspirado em Pedro Malazartes, e seu companheiro Mathias Cão, empregados de duas famílias inimigas (uma italiana e outra portuguesa), unem-se para ludibriarem seus patrões. Ao mesmo tempo decidem ajudar a levar a bom termo um romance sugerido entre a filha do italiano e o filho do português. O que conseguem, depois de muitas e engraçadas peripécias que levam à um insólito final.
Em 1995, com sua composição bastante modificada, o grupo passa a se chamar Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes, estreando O Anel de Magalão, e marcando a entrada do grupo em sua fase profissional. Ao contrário da peça anterior, O Parturião, nesta o picaresco João Teité é o agente principal de uma série de artimanhas que ele próprio arma para conseguir subir na vida. Raptos, disfarces, amores interesseiros e sinceros, militares aposentados e um cavalo estranhamente apaixonado são alguns elementos que compõem a trama.
1996 é um ano frutífero para a companhia. Realiza Burundanga - A Revolta do Baixo Ventre, uma recriação brasileira da famosa comédia dell'arte italiana, em que João Teité e Mathias Cão, travestidos de militares, fazem crer a uma pequena cidade isolada do resto do país por uma tempestade, que uma revolução visando a queda do governo está em andamento. A cidade se divide em várias facções de apoio ao novo regime e a dupla tenta tirar toda a sorte de vantagens da situação. Ainda em 1996, lançam um segundo espetáculo: Sacra Folia, um auto típico dos representados no ciclo das festas de natal com bailados e cantos. A Sagrada Família, perseguida por Herodes e seus soldados, se perde na fuga para o Egito e acaba chegando ao Brasil. A perseguição continua em solo nacional e a Sagrada Família se vê obrigada a aceitar a ajuda de dois tipos populares, João Teité e Matias Cão, para se livrar de Herodes e retornar à Judéia. A crítica Mariângela Alves de Lima assim descreve os aspectos cênicos do espetáculo: "Sob a direção de Ednaldo Freire, o elenco da Fraternal Companhia destrincha com a maior clareza as sucessivas camadas de personagens. Um jogo que precisa de habilidade e traços concisos para ser compreensível é feito mais de interpretação do que de acessórios de figurinos. Em uma peça em que cada ator faz várias personagens, em que há cenas interrompidas para que se intercalem narrativas paralelas sugerindo "personalidades" para os narradores que conflitam com características das figuras bíblicas, há oportunidade para o exercício de vozes e atitudes corporais diferentes. Sem exagerar no tom cômico, com uma leveza ao que parece inspirada na celebração natalina, o travestimento se organiza de modo sereno, endereçando-se ao público em uma tonalidade de congraçamento".1
Iepe, Uma Comédia Épica, é a montagem de 1998, com uma nítida mudança de percurso, inaugurando a pesquisa em torno do universo popular das narrativas cômicas. As personagens fixas (João Teité, Mathias Cão, Mané Marruá, Boracéia, Mateúsa e outros) temporariamente cedem lugar a outra casta de personagens. O ponto de partida é IEPE (Jepe, na grafia original), criado no século XVIII, pelo comediógrafo norueguês Ludwig Holberg, personagem escandinavo beberrão que tem parentesco direto com as personagens das festas populares medievais. Enquanto na tetralogia da comédia popular brasileira, conjunto das quatro peças anteriores, as personagens eram fixas e representadas sempre pelo mesmo ator e atriz, em IEPE, os protagonistas são interpretados por atores e atrizes diferentes dentro do mesmo espetáculo, através da utilização do artifício da máscara.
Em 1999, é a vez de Till Eulespiegel, peça em torno do herói medieval da tradição oral alemã, pouco conhecido no Brasil. Neste espetáculo a forma narrativa épica é aprofundada exigindo dos atores novas maneiras de interpretar, uma vez que as personagem quase saem da ação presente para narrar no passado ou futuro assim como deixam a primeira pessoa para narrar na terceira, constituindo assim, várias máscaras interpretativas. A representação das múltiplas máscaras estrutura-se numa série de imagens que estão contidas na gestualidade, indumentária, uso do espaço cênico e trilha sonora.
Durante estas seis montagens anteriores, a Fraternal Cia. de Arte e Malas-Artes pesquisam, renovam e trazem à contemporaneidade uma infinidade de temas, gêneros e formas populares tais como o ciclo de autos, a revista, o verso épico, o melodrama, o pastoril, o teatro de bonecos, o musical e a ópera popular.
Em 2000, a Fraternal perde o patrocínio da Siemens, mas não o fôlego, realizando uma série de produções subsequentes. É agraciada no Projeto Cidadania em Cena da Secretaria da Cultura da Cidade de São Paulo e passa a ocupar o Teatro Paulo Eiró, inaugurando o projeto com o espetáculo Masteclé - Tratado Geral da Comédia, e realizando oficinas de interpretação cômica, dança, e máscaras totalmente gratuitas para a comunidade, em 2001. No ano seguinte é uma das companhias agraciadas com o Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo e lança Nau dos Loucos (Stultífera Navis) e a prestigiada Auto da Paixão e da Alegria, que eleva a representatividade do grupo no panorama teatral paulista, ganhando quatro prêmios Panamco: melhor espetáculo; melhor autor (Luís Alberto de Abreu); melhor diretor (Ednaldo Freire) e melhor ator (Luti Angelelli). Em 2003, começa a desenvolver o Projeto Auto das Festividades Juninas, além de continuar com a ocupação artística do Teatro Paulo Eiró. Dá inicio a pesquisa com 15 famílias da região de Santo Amaro dentro Projeto "Sagas Familiares" para desenvolver o espetáculo Borandá (Auto do Migrante), que estréia no mesmo ano. E, no ano seguinte, é a vez de Eh, Turtuvia.
Ednaldo Freire, Luís Alberto de Abreu, Aiman Hammoud, Ali Saleh, Edgar Campos, Luti Angelelli, Mirtes Nogueira são alguns integrantes da companhia.
A crítica Mariângela Alves de Lima, ao criticar o espetáculo Auto da Paixão e da Alegria, faz um panorama da pesquisa do grupo: "O sonho recorrente dos artistas de teatro é integrar um grupo estável e fazer com que cada espetáculo seja um desdobramento ou um avanço em relação à obra anterior. Não é fácil conseguir condições materiais para essa estabilidade e a Fraternal Cia de Arte e Malas Artes, que começou seu trabalho em 1994 com o apoio de uma empresa criando espetáculos para um público cativo, já não dispõe desse modesto privilégio. No entanto, prova uma vez mais que, sejam quais forem as condições de produção, a estabilidade se garante quando há densidade no projeto artístico e disciplina na investigação dos meios expressivos. Em oito anos de trabalho, o grupo permaneceu ancorado na idéia de criar um repertório inspirado na tradição da comédia popular brasileira e mobilizou, para a formalização desse projeto, um vasto repertório de temas míticos e históricos, tradições cênicas, plásticas e musicais. Isso não quer dizer que tenha se contentado com o resgate ou com o inventário desse patrimônio cultural. Os espetáculos, com textos escritos por Luis Alberto de Abreu e sempre sob a direção de Ednaldo Freire, combinaram estratos temporais como a farsa romana, o fabulário medieval e o romanceiro popular contemporâneo, extraindo de cada fonte traços estilísticos diferentes e uma constante: na representação popular de todas essas épocas, a faina diária pela sobrevivência é o componente heróico das dramatizações. A utopia que move a ardente imaginação cômica das tramas e das personagens dessas encenações é sempre a harmonia entre o espírito livre e o corpo satisfeito. Ao longo dessas investigações minuciosas, as soluções cênicas variaram entre a sedutora proliferação de formas e cores moldadas sobre as danças dramáticas, as farsas circenses e festividades religiosas ou sobre o imaginário do teatro barroco, com seu gosto pela máscara e pelos anteparos. De qualquer forma, sempre à margem dos recursos ilusionistas da cena italiana".2
Notas
1. LIMA, Mariângela Alves de Lima. O singelo presépio da Fraternal. São Paulo, O Estado de São Paulo,13 de dezembro de 2002.
2. LIMA, Mariângela Alves de Lima. 'Auto da Paixão e Alegria', pela Fraternal Cia. de Artes, revive episódios da 'Bíblia' com recursos da fantasia profana. São Paulo, O Estado de São Paulo, 2002.
Espetáculos 20
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 9
- FERNANDO, Mauro. Cristo no agreste é tema de peça em SP. São Paulo, Diário do Grande ABC, 04 de dezembro de 2002.
- FRATERNAL Companhia de Arte e Malas-Artes. Disponível em: [http://www.fraternal-cia.com]. Acesso em 25 de setembro de 2006.
- LIMA, Mariângela Alves de Lima. 'Auto da Paixão e Alegria', pela Fraternal Cia. de Artes, revive episódios da 'Bíblia' com recursos da fantasia profana. São Paulo, O Estado de São Paulo, 2002.
- LIMA, Mariângela Alves de Lima. O singelo presépio da Fraternal. São Paulo, O Estado de São Paulo,13 de dezembro de 2002.
- LIMA, Mariângela Alves de. 'Masteclé' reflete sobre o gênero com a candura e a simplicidade de uma aula ilustrada. São Paulo, O Estado de São Paulo, 13 de julho de 2001.
- LIMA, Mariângela Alves de. O singelo presépio da Fraternal. São Paulo, O Estado de São Paulo, 13 de dezembro de 2002.
- NESPOLI, Beth. 'MASTECLÉ'. São Paulo, O Estado de São Paulo, 19 de junho de 2001.
- NÉSPOLI, Beth. Saga de migrante brasileiro em versão teatral. São Paulo, O Estado de São Paulo, 8 de agosto de 2003.
- SANTOS, Valmir. Abreu busca a face humana da comédia. São Paulo, Folha de São Paulo, Ilustrada, 23 de junho de 2001.
Como citar
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FRATERNAL Companhia de Arte e Malas-Artes.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo407448/fraternal-companhia-de-arte-e-malas-artes. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7