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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Retorno à Ordem

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 23.02.2017
O fenômeno artístico denominado "retorno à ordem" remete ao período entre-guerras na Europa. Trata-se de uma clara reação às experimentações empreendidas pelas vanguardas a partir da recuperação da dicção realista, da reabilitação da tradição e dos valores culturais nacionais. O abandono do radicalismo característico das vanguardas é explicado, ...

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Definição

O fenômeno artístico denominado "retorno à ordem" remete ao período entre-guerras na Europa. Trata-se de uma clara reação às experimentações empreendidas pelas vanguardas a partir da recuperação da dicção realista, da reabilitação da tradição e dos valores culturais nacionais. O abandono do radicalismo característico das vanguardas é explicado, por parte dos estudiosos, em relação à cena cultural e política mais ampla. No campo político, o recuo internacional das esquerdas vem acompanhado de uma retórica do chamado pela ordem e pela reconstrução da Europa. Um imaginário construído em torno de bandeiras como 'ordem' e "classicismo", ao lado da desorganização dos circuitos artísticos tradicionais - e da tentativa de reconstituição de um mercado de arte por parte de críticos e marchands - infletem diretamente na produção artística. A consideração dessas variáveis, entretanto, não deve afastar o exame das obras, que indicam caminhos nem sempre convergentes.

Na França, a retomada de modelos e linguagens extraídos do classicismo - com referências sistemáticas à iconografia greco-romana, assim como a releitura de artistas como Jacques-Louis David (1748-1825), Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867) e Nicolas Poussin (1594-1665) - sinalizam a recusa do programa estético cubista por parte de vários artistas da época, como André Derain (1880-1954), Maurice de Vlaminck (1876-1958), Marcel Gromaire (1892-1971), Maurice Utrillo (1883-1955), André Dunoyer de Segonzac (1884-1974) etc. O curioso é que mesmo cubistas de primeira hora, como Georges Braque (1882-1963), Fernand Léger (1881-1955) e Pablo Picasso (1881-1973), apelam para uma pauta naturalista e para técnicas tradicionais, na contramão de suas próprias inovações. O rótulo 'Escola de Paris' é aplicado a esse grupo amplo e indefinido de pintores que encontra boa acolhida do mercado e da crítica da época. Em trabalhos de Henri Matisse (1869-1954) como A Odalisca com Calças Vermelhas (1921), a técnica de feitio naturalista é mobilizada para tratar de tema exótico. O resultado é uma tela de tom decorativo, em que se observam a vivacidade das cores e a leveza do gesto do artista. Em obras de Derain, Picasso, Gino Severini (1883-1966) e Juan Gris (1887-1927), por sua vez, a dicção naturalista é colocada a serviço de temas universais e de imagens de um passado clássico. O tema da maternidade, por exemplo, emblemático da representação feminina como sinônimo de fertilidade (Maternidade, 1916 de Severini) e a figura masculina em trajes da commedia dell'arte (lembremos os célebres arlequins de Picasso) são exaustivamente explorados pelos pintores. Se isso é verdade, o naturalismo de Vlamink e De Segonzac evoca simplicidade e cenários rústicos (por exemplo, A Estrada de Nantes, 1922-3 de Vlaminck). A identificação de um tom naturalista unívoco se torna ainda mais difícil diante de trabalhos que associam pintura naturalista e estilo cubista, como Os Três Músicos (1921) de Picasso ou, de outros, que articulam temas históricos e léxico cubista - A Mulher com Bandolim (1916) de acordo com Corot, Juan Gris. A retórica da ordem, do clássico e do espírito novo na França encontra abrigo também no purismo de Amédée Ozenfant (1886-1966) e Le Corbusier (1887-1965).

O Novecento italiano - ou Novo Renascimento, como era chamado - deve ser lido no bojo desse movimento de recuperação dos gêneros tradicionais na arte nos anos de 1920. Aí, fica clara a retomada de um estilo naturalista na pintura e um resgate dos valores estéticos tradicionais, contra as conquistas futuristas. Os três artistas fundamentais do Novecento, Achile Funi, Mario Sironi (1885-1961) e Arturo Tosi (1871-1956), exemplificam  as diferentes tonalidadas que o chamado 'retorno à ordem' adquiriu na Itália. Em torno de Funi - A Adivinha (1924) reúnem-se artistas como Baccio Maria Bacci (1888-1974), Anselmo Bucci (1887-1955), Felice Casorati (1883-1963),  Giorgio de Chirico (1888-1978) (dos anos 20) etc., a partir de um neoclassicismo ou neo-renascentismo, que tem como inspiração básica a própria arte italiana. Junto a Sironi - Os imigrantes (1930) desenvolve-se uma vertente "arcaico-mística" - Pompeo Borra (1898-1973), Carlo Carrà (1881-1966), Alberto Salietti etc.-, referida à pintura metafísica proposta por De Chirico e pelos artistas ligados ao movimento conhecido como Valori Plastici [Valores plásticos]. Finalmente o grupo ligado a Tosi - Alberto Caligiani, Alberto Vitali (1898-1974), Rafaelle de Grada, Cristoforo De Amicis etc. - toma como ponto de partida o paisagismo de Paul Cézanne (1839-1906), como indica trabalhos como Ponte de Zoagli (1937) do próprio Tosi.

Na Alemanha, por sua vez, a produção reunida em torno do que se convencionou chamar Nova Objetividade [Neue Sachlichkeit] - desdobramento da voga expressionista posterior à Primeira Guerra Mundial - constitui mais um exemplo do retorno à ordem europeu. As obras de Otto Dix (1891-1969) e George Grosz (1893-1959), os dois maiores nomes dessa linhagem, se caracterizam pelo forte acento realista, pelo tom de denúncia e sátira social, e pela crítica mordaz à sociedade burguesa e à guerra que empreenderam, numa recusa clara das inclinações abstratas defendidas pelo grupo expressionista Die Brücke [A Ponte].

No Brasil, o impacto do retorno à ordem pode ser aferido em diferentes grupos e artistas. Na produção modernista em geral - com exceção da produção de Anita Malfatti (1889-1964) até 1916 -, observa-se larga influência do retorno à ordem, lembremos a  fase pau-brasil de Tarsila do Amaral (1886-1973), além das obras de Candido Portinari (1903-1962), Di Cavalcanti (1897-1976), Victor Brecheret (1894-1955) e Vicente do Rego Monteiro (1899-1970). O Grupo Santa Helena e a Família Artística Paulista - FAP, por sua vez, a despeito de sua inclinação modernista, compartilham os influxos do retorno à ordem que marcam as artes brasileiras dos anos 30. Vittorio Gobbis (1894-1968) e Rossi Osir (1890-1959) são bons exemplos de leituras do Novecento italiano realizadas entre nós.

Fontes de pesquisa 6

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  • ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann, Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • CHIARELLI, Tadeu. Arte Internacional brasileira. 2.ed. São Paulo: Lemos, 2002.
  • CHILVERS, Ian (org.). Dicionário Oxford de arte. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
  • FER, Briony, BATCHELOR, David, WOOD, Paul. Realismo, Racionalismo, Surrealismo: a arte no entre-guerras. Tradução Cristina Fino. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. (Arte Moderna : práticas e debates, 3).
  • MICELI, Sérgio. Nacional estrangeiro: história social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • MOSTRA DO REDESCOBRIMENTO, 2000, SÃO PAULO, SP. Arte moderna. Curadoria Nelson Aguilar, Franklin Espath Pedroso, Maria Alice Milliet; tradução Izabel Murat Burbridge, John Norman. São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Visuais/ Fundação Bienal de São Paulo, 2000.

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