Neodada
![Você Faz Parte II, 1966 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/001917021013.jpg)
Você Faz Parte II, 1964
Nelson Leirner
Madeira, aço cromado, espelho e aglomerado de madeira
Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
Texto
Nos Estados Unidos, na década de 1950, artistas como Robert Rauschenberg (1925-2008) e Jasper Johns (1930) retomam certas orientações do dadaísmo no que ficou conhecido como o neodada. A denominação dessa vanguarda nova-iorquina - localizada na passagem do expressionismo abstrato à arte pop e ao minimalismo - liga-se precisamente à recuperação de algumas conquistas do movimento dadá, sobretudo ao uso que os dadaístas fazem de objetos e temas derivados do mundo diário, da mídia e da publicidade, mitigando as fronteiras entre arte e vida cotidiana. O neodada reabilita procedimentos como a assemblage e a apropriação, pela utilização de objetos extra-artísticos nos trabalhos de arte. A inspiração primeira são os ready-mades de Marcel Duchamp (1887-1968), construídos a partir da combinação inusitada de elementos da vida cotidiana ou das simples exposição de objetos comuns.
A idéia forte que ancora as assemblages diz respeito à concepção de que os objetos díspares reunidos na obra, ainda que produzam um conjunto outro, não perdem o seu sentido primeiro. Menos que síntese, trata-se aí de justaposição de elementos, em que é possível identificar cada peça no interior do arranjo mais amplo. Rauschenberg denomina combine paintings as assemblages que começa a ensaiar em 1951 pela aplicação de diversos materiais sobre a tela, sobretudo papéis e materiais planos. A partir de 1953, o leque de elementos utilizado se amplia (Bed, 1955 e Canyon, 1959). Suas assemblages ou combine paintings empregam também garrafas de Coca-Cola, ventiladores elétricos, tecidos etc. Um de seus trabalhos mais conhecidos é Monograma (1959), um bode empalhado com um pneu ao redor da cintura. A abertura da pesquisa com materiais remete às aulas com Josef Albers (1888-1976) e às influências de John Cage (1912-1992), com quem aprende a assimilar informações díspares do entorno, das cidades e da vida cotidiana. As combine paintings de Rauschenberg propõem múltiplas associações e leituras, na medida em que não há temas predeterminados ou sentidos últimos que organizem os conjuntos. Tendem a se distanciar dos objetos surrealistas, que usam a justaposição de materiais, por meio da livre associação, como chave de acesso ao inconsciente. Na década de 1960, o artista volta-se para superfícies bidimensionais, destacando-se no campo da serigrafia. Imagens tomadas do mundo da mídia e da publicidade, ao lado de símbolos desenhados e pintados, invadem as telas (por exemplo, a imagem do presidente Kennedy em Búfalo II,1964). O trabalho de Jasper Johns orienta-se por uma pauta semelhante, embora possua feitio bastante diverso. Boa parte de sua obra é constituída de pinturas representando objetos comuns bidimensionais, como as Bandeiras, Alvos e Números. Bandeira (1954-1955), um de seus trabalhos mais famosos, apresenta um símbolo conhecido - a bandeira norte-americana - que é também uma composição formal de linhas, formas geométricas e cores. O jogo entre o realismo e o artifício que a tela propõe - por que seria a bandeira na realidade mais "real" que a pintura do artista ? - é um dos elementos valorizados na obra de J. Johns.
Alguns comentadores incluem a arte pop de Andy Warhol (1928-1987) e Roy Lichtenstein (1923-1997) no interior do movimento neodada; outros classificam Rauschenberg e Johns como artistas ligados à arte pop. Denominações à parte, o fato é que as colagens tridimensionais de Robert Rauschenberg, assim como as imagens planas e emblemáticas de Jasper Johns, abrem a arte norte-americana para a utilização de imagens e objetos inscritos no cotidiano, caminho que a arte pop vai explorar de modo sistemático pela incorporação das histórias em quadrinhos, da publicidade, das imagens televisivas e do cinema. As junk sculptures, realizadas nos anos de 1950 e 1960, aparecem freqüentemente associadas ao neodada, o que tampouco soa estranho. Os trabalhos pioneiros de David Smith (1906-1965), que fazem uso de refugo industrial, sucatas e materiais descartados, as obras de John Chamberlain (1927) - por exemplo H.A.W.K (1959), construído com carcaças de automóveis - ou os trabalhos de Ettore Colla (1899-1968), que realiza suas obras a partir de componentes de máquinas, sucatas e objetos quebrados, apelam, de modo semelhante, aos objetos comuns e à vida ordinária. Só que aí, as obras mobilizam sobretudo os elementos descartados, o lixo e as sobras que a sociedade industrial produz. Outras fontes mencionam ainda o Novo realismo dos anos 1960 - espécie de versão européia da arte pop -, como uma corrente diretamente ligada ao neodada. Arman (1928) - conhecido por suas assemblages de objetos descartados (Arteriosclerose, 1961 e Acumulação de Bules Partidos, 1964) - e Domenico Rotella (1918), que trabalha a partir de cartazes publicitários rasgados (O Asfalto na Noite, 1962) são dois nomes importantes dessa vertente.
No Brasil, um certo espírito do neodada e da arte pop pode ser localizado em obras da década de 1960, como as realizadas por Antonio Dias (1944), Querida, Você Está Bem? (1964), Nota Sobre a Morte Imprevista (1965), Mamãe, Quebrei o Vidro (1967); Rubens Gerchman (1942-2008), Não Há Vagas (1965), O Rei do Mau Gosto (1966); Nelson Leirner (1932), Você Faz Parte II (1966), Adoração (1966), Homenagem a Fontana II (1967); e Wesley Duke Lee (1931-2010), A Zona (1965), Caríssimo Wesselman (1964) e Savedire Que Ce de La ... Não (1964). Procedimentos próximos aos da assemblage podem ser observados em trabalhos de Rochelle Costi (1961) - Toalha, Vegetais Mofados e Toalha, Flores Mortas (ambos de 1997) - e Leda Catunda (1961), Jardim das Vacas (1988) e Camisetas (1989).
Obras 10
A Zona
A-doração
Camisetas
Caríssimo Wesselman
Homenagem a Fontana II
Fontes de pesquisa 5
- ARCHER, Michael. Art since 1960. London: Thames and Hudson, 1997, 224 p.il. p&b. color.
- ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann, Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
- CHILVERS, Ian (org.). Dicionário Oxford de arte. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
- FINEBERG, J. Art since 1940 - strategies of being. New York: Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 1995. 496p. il. color.
- La nuova enciclopedia dell'arte Garzanti. Milano: Garzanti, 1986.
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NEODADA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo3465/neodada. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7