Modelo-Vivo
![Pintura do Modelo Vivo, 1936 [obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/000161003019.jpg)
Pintura do Modelo Vivo, 1936
Antônio de Pádua Dutra
Óleo sobre tela, c.s.e.
65,50 cm x 54,00 cm
Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo (SP)
Texto
Definição
Compreende-se por modelo-vivo produções artísticas cujo principal objeto é o estudo direto da figura humana, quase sempre nua. Tradicionalmente, o termo não se refere a um gênero isolado da pintura, mas à etapa final e mais importante de um método de aprendizado formalizado em academias de arte europeias a partir da segunda metade do século XVII e mantido intacto pela maioria delas até, pelo menos, o século XIX. Herdando o interesse por uma cultura artística centrada na representação do homem e de seus feitos, tal método previa que, ao lado de disciplinas teóricas como anatomia, fisiologia das paixões, história e literatura, os alunos incluíssem inicialmente em seus estudos práticos a produção de cópias das gravuras de obras célebres dos mestres, prosseguissem para o desenho da escultura e atingissem o desenho do natural - fase na qual colocariam em prática os conhecimentos adquiridos nas etapas anteriores.
Essas últimas produções caracterizam-se sobretudo por desenhos feitos em carvão ou grafite (em alguns casos poderiam ser pinturas), em médios ou grande formatos, cujos modelos, sozinhos ou em duplas, e em sua grande maioria homens1, assumiam frequentemente poses inspiradas na estatuária da Grécia clássica ou na renascentista. O modelo-vivo raramente era pensado como a pura tradução visual do indivíduo que posava. O artista deveria “corrigir” o corpo que observava, criando uma imagem não de como ele era, mas de um ideal, num esforço de aperfeiçoar a natureza, como inúmeras vezes se defendeu em tratados de arte.
A relação dos desenhos ou pinturas de modelo-vivo com o método acadêmico de ensino artístico tornou-se tão estreita ao ponto dessas produções tornarem-se historicamente conhecidas como “academias”, especialmente na França, local onde se fundou, em 1648, a Académie Royale de Peinture et de Sculpture [Academia Royal de Pintura e Escultura], primeira instituição exclusivamente voltada para a formação de jovens artistas. Ainda que o termo, tratando-se de arte, já fosse bastante utilizado na Itália desde o fim do século XVI, ele se referia, segundo Nikolaus Pevsner (1902-1983), a “uma determinada espécie muito difundida de curso de modelo-vivo realizado na casa de artistas ou de mecenas”2, de natureza ainda informal. “Nem seus criadores no século XVI nem os comentadores do ensino acadêmico no século XVII tinham a intenção de substituir a formação adquirida nos ateliês por cursos acadêmicos”.3 Com o impulso dado pelas primeiras academias, e continuado por outras fundadas posteriormente, não apenas na Europa, mas em outras parte do mundo, inclusive nas Américas, o modelo-vivo continuou sendo, até grande parte do século XIX, o eixo central de formação de estudantes em arte. E era essencial especialmente para os que desejassem se formar no gênero pictórico mais respeitado até então, o da pintura histórica.
Já na segunda metade do século XIX, recorrentes críticas às academias viriam a questionar a validade dos seus métodos e objetivos para a produção artística, com contestações sobre o amaneiramento das poses dos modelos-vivos e a sua falta de “naturalidade”. Nesse ínterim, a crescente valorização de outros gêneros - tais como a paisagem e a natureza-morta - e de outras maneiras de se tratar os objetos de uma forma menos “idealizada” não excluiu o interesse de inúmeros artistas, mesmo os ditos modernos ou vanguardistas, pela figura humana e pelo estudo do modelo-vivo. Para Albert Boime (1933-2008), pintores como Edgard Degas (1834-1917), Van Gogh (1853-1890), Georges Seurat (1859-1891) e Henri Matisse (1869-1954), entre tantos outros, “estenderam a prática do modelo-vivo até seus trabalhos da maturidade”4, a despeito de também produzirem obras nas quais o homem não é a figura central.
No Brasil, percurso similar do modelo-vivo pode ser percebido desde a fundação da sua primeira instituição oficial de arte, a Academia Imperial de Belas Artes (Aiba), nas primeiras décadas do século XIX, no Rio de Janeiro. Também no país ele se converteu desde logo em diretriz fundamental do ensino dos jovens artistas, embora seu ensino efetivo (contudo inconstante) tenha sido implementado apenas a partir de 1834, durante a direção de Félix-Émile Taunay (1795-1881).
Segundo Elaine Dias, com a aprovação do curso de modelo-vivo desde 1833, “Taunay empregará os primeiros modelos, de fato, alguns anos depois da aprovação, a partir de um esquema didático baseado nos princípios clássicos e adaptados, de certo modo, às dificuldades encontradas no Brasil”.5 Entre esses empecilhos estão: a então inexistência de modelos profissionais no país, o problema de encontrar homens cuja aparência fosse compatível com um ideal de beleza esperado (na medida em que muitos dos modelos empregados eram escravos) e, ainda, a falta recorrente de verba para o pagamento das sessões. Somente a partir da segunda metade do século XIX a prática do modelo torna-se mais constante na academia, especialmente a partir da gestão de Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), entre 1854 e 1857, com o aumento substancial da verba anual da instituição. Inúmeras academias foram produzidas por artistas que por ela passaram nesse período até o século XX, boa parte delas acessíveis ainda hoje em coleções públicas, como a do Museu d. João VI, no Rio de Janeiro, e a da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
É digno de nota que, também no Brasil, aqueles artistas que não ingressaram diretamente na Academia Imperial ou depois, durante a República, na Escola Nacional de Belas Artes (Enba), tenham se dedicado à utilização do modelo-vivo; afirmação válida mesmo para os chamados artistas modernistas, entre eles, Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti (1889-1964), Di Cavalcanti (1897-1976) e Cândido Portinari (1903-1962), cujas produções são geralmente tomadas pela historiografia da arte brasileira como bastante divergentes da tradição acadêmica do país.
Notas
1 Até o fim do século XIX, raras eram as academias, europeias ou americanas, que aceitavam que mulheres posassem para os artistas ou alunos.
2 PEVSNER, Nikolaus. Las academias de arte: pasado y presente. Madrid: Cátedra, 1982. p.137.
3 Idem. Ibidem.
4 BOIME, Albert. Curriculum vitae: the course of life in the Nineteenth Century. In: Strictly academic: life drawing in the Nineteenth Century. New York: Binghamton, 1974, p. 12-13.
5 DIAS, Elaine. Um breve percurso pela história do modelo-vivo no século XIX: princípios do método, a importância de Viollet Le Duc e o uso da fotografia. Revista eletrônica DezenoveVinte, Rio de Janeiro, v. II, n. 4, out. 2007.
Obras 1
Pintura do Modelo Vivo
Fontes de pesquisa 6
- BOIME, Albert. Curriculum vitae: the course of life in the Nineteenth Century. In: Strictly academic: life drawing in the Nineteenth Century. New York: Binghamton, 1974. p. 5-15.
- DIAS, Elaine. Paisagem e academia: Félix-Émile Taunay e o Brasil (1824-1851). Campinas: Unicamp, 2009.
- DIAS, Elaine. Um breve percurso pela história do modelo-vivo no século XIX: princípios do método, a importância de Viollet Le Duc e o uso da fotografia. Revista eletrônica DezenoveVinte, Rio de Janeiro, v. II, n. 4, out. 2007. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/. Acesso em: 11 jun. 2014.
- GOLDSTEIN, Carl. Teaching art: academies and schools from Vasari to Albers. London: Cambridge University Press, 1996.
- PEVSNER, Nikolaus. Las academias de arte: pasado y presente. Madrid: Cátedra, 1982.
- RENSSELAER, Lee. Ut pictura poesis: la teoria humanística da pintura. Madrid: Cátedra, 1982.
Como citar
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MODELO-VIVO.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo342/modelo-vivo. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7