Escola de Barbizon
Texto
Histórico
A chamada Escola de Barbizon é, em realidade, composta de um conjunto informal de artistas, incluindo Jean-Baptiste Camille Corot (1796-1875), Narcisse Virgile Diaz de la Peña (1808-1876), Charles-François Daubigny (1817-1878), Jules Dupré (1811-1889), Charles Emile Jacque (1813-1894), Jean-François Millet (1814-1875), Constant Troyon (1810-1865) e Théodore Rousseau (1812-1867), que viveram nas redondezas da pequena cidade de Barbizon, na França, entre as décadas de 1830 e 1880.
A poucas horas de trem de Paris, a cidade fica à margem da floresta de Fontainebleau que passa, na época, a atrair pintores paisagistas e fotógrafos como Charles Marville (1813-1879) e Gustave Le Gray (1820-1884). Também é visitada por turistas que vêm da capital devido a seu caráter intocado, apesar de estar em uma região muito próxima às áreas que rapidamente se industrializam no país. A cidade se oferece como uma atmosfera idílica, arcádica, onde é possível uma relação direta com a natureza como antídoto à modernização realizada pelo Barão de Haussmann (1809-1891) sob as ordens de Napoleão III.
O crítico Théophile Thoré (1807-1889), entusiasta do grupo, revendo o trabalho de Diaz de la Peña no Salão de Paris de 1847, afirma que a pintura de Barbizon faz lembrar de uma natureza eternamente fecunda e luxuriante, que contrastaria com a artificialidade da vida no ambiente urbano.1
O mito de um encontro verdadeiro com a natureza coincide com o momento em que os espaços de lazer se estabelecem, contrapondo-se ao cotidiano do trabalho. Esse processo se tornaria claro poucas décadas depois nas obras de pintores como Édouard Manet (1832-1883) e dos impressionistas – tais pintores tematizam também os subúrbios de Paris, os balneários, lugares onde a população escapava do cotidiano urbano.
As influências da Escola de Barbizon incluem o rococó, as paisagens e as cenas de gênero flamengas, mas o que parece tê-la marcado de modo decisivo é a pintura inglesa de William Turner (1775-1851) e, sobretudo, a de John Constable (1776-1837), com suas pinceladas largas, rápidas e precisas, que levam a um embate direto entre a pintura e a paisagem que ela representa. No plano temático, o grupo fica conhecido por recusar parte dos preceitos que orientavam a pintura de paisagem da Academia, seus temas pastorais e o acento heroico no tratamento das vistas. Muito embora continuassem possuindo boas relações com a Academia, inclusive enviando suas obras para o júri dos salões e vendendo suas obras na capital.
Há diferenças notáveis entre os artistas: Diaz de la Peña, por exemplo, prefere os tons escuros, que aludem a uma natureza com ares impenetráveis e densos, enquanto Corot debruça-se em paisagens repletas de penumbras e luzes filtradas, com cores mais vaporosas e veladas, embora também se mostrem nelas fortes contrastes de luz e sombra. Jean-François Millet, por sua vez, pinta cenas rurais com a presença de camponeses.
Os artistas do grupo, embora conhecidos por uma familiaridade com a natureza que pintavam, voltavam ao ateliê para terminar suas obras, após realizarem seus esboços ao ar livre. Todavia, suas obras retêm a aparência inacabada de seus estudos, o que é especialmente claro nas pinceladas aparentes de Corot. Características como essas perturbavam parte da crítica da época, incomodada pela percepção de que a escola realizava descrições precisas da natureza em uma aproximação direta entre o modo de pintar fluido, com ares de inacabamento, e a paisagem observada. É isso que leva o crítico Albert de La Fizelière (1819-1878) a proclamar, em 1853, que Barbizon havia dado a luz a uma nova ciência da pintura.2
Mas, antes de um apelo científico, a escola possui um apreço pela elevação dos efeitos poéticos das cenas, o que é assinalado pela intensificação dos efeitos de cor e pela seleção dos elementos compositivos de forma a evitar quaisquer indícios da modernização que não deixava de assolar a região e seus arredores.
A atmosfera de informalidade das pinturas do grupo é, em todo caso, contrabalançada por uma composição fortemente geométrica; de modo que se pode dizer que espontaneidade, assimetria e arbitrariedade são características pictóricas conscientemente buscadas nas obras.
O mito de que essas pinturas travavam uma relação direta com a natureza era compartilhado pelos guias de viagem da época, que indicavam a floresta de Fontaineblau como a única da França onde se podia ainda ver vestígios da mata virgem.3 A crescente comercialização e visitação da área era, no entanto, um processo conhecido pelos pintores do grupo, tendo levado, inclusive, Rousseau e seus colegas a pleitearem que a área fosse protegida da devastação.4
Afinal, o círculo de artistas que se forma em torno de Barbizon parte de uma recusa dos modos de vida da sociedade burguesa, o que fazem contemporaneamente à irmandade dos pré-Rafaelitas, da Inglaterra. Não se trata de uma escolha pela contemplação, mas de uma atitude lúcida: habitar a natureza em detrimento da cidade. O grupo adquire grande repercussão, devido, em boa parte, ao agenciamento do marchand Paul Durand-Ruel (1831-1922), entre as décadas de 1860 e 1870, e chamam também a atenção do crítico Jules-Antoine Castagnary (1830-1888), duas das mais importantes personalidades ligadas ao êxito do impressionismo.
Notas
1. THORÉ, Théophile. Le Salon de 1844 précédé d’une lettre à Théodore Rousseau. In: HARRISON, Charles; WOOD, Paul. Art in theory, 1815-1900. Oxford: Blackwell, 1998. p. 223.
2. Albert de la Fizelière é quem publica o primeiro artigo abordando a Escola de Barbizon, em L'Illustration (n. 24, dez. 1853, p. 4), embora o número de 1849 possuísse um artigo intitulado Les peintre de paysage de le Fôret de Fontainebleau – étude d’après nature par un marchand de parapluies et de parasole.
3. Era o que afirmava um artigo de L'Artiste, de 1839. Cf.: Kimberly Jones. In the forest of Fontainebleau: painters and photographers from Corot to Monet. New Haven: Yale University Press, 2008. p. 24.
4. Mais de 135.000 turistas chegavam à área via trem somente em 1857. Cf.: JONES, Kimberly. In the forest of Fontainebleau: painters and photographers from Corot to Monet. New Haven: Yale University Press, 2008. Rousseau teria feito uma série de tentativas visando a uma proteção da área, em 1837 e 1841, e chegou a enviar uma petição ao Estado em 1852.
Fontes de pesquisa 10
- ADAMS, Steven. The Barbizon school and the origins of impressionism. Londres: Phaidon, 1994.
- ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução Denise Bottmann, Frederico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
- CONISBEE, Philip; FAUNCE, Sarah; STRICK, Jeremy. In the light of Italy: Corot and early open-air painting. Washington, D.C.: National Gallery of Art, 1996.
- EISENMAN, Stephen F. (ed.). Nineteenth century art: a critical history. Londres: Thames and Hudson, 1996.
- GREEN, Nicholas. The spectacle of nature: landscape and bourgeois culture in nineteenth-century France. Manchester: Manchester University Press, 1990.
- HOUSE, John. Authority versus independence: the position of French landscape in the 1870s. In: Framing France: the representation of landscape in France 1870-1914. Manchester: Manchester University Press, 1998.
- JONES, Kimberly. In the forest of Fontainebleau: painters and photographers from Corot to Monet. New Haven: Yale University Press, 2008.
- KEITH, Rachel. The Barbizon school and the nature of landscape. St. Louis: Mildred Lane Kemper Art Museum, 2008. [Catálogo de exposição ocorrida entre 2 mai. e 21 jul. 2008].
- THOMAS, Greg. Art and ecology in nineteenth-century France: the landscapes of Théodore Rousseau. Princeton: Princeton University Press, 2000.
- THORÉ, Théophile. Le Salon de 1844 précédé d’une letter à Théodore Rousseau. In: HARRISON, Charles; WOOD, Paul. Art in theory, 1815-1900. Oxford: Blackwell, 1998.
Como citar
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ESCOLA de Barbizon.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo341/escola-de-barbizon. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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