Videodança
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Definição
A videodança é um produto híbrido realizado com a mistura entre o audiovisual e a dança e tem como principal elemento o movimento. É diferente do mero registro documental de um espetáculo porque pressupõe uma adaptação do que é captado do palco para a linguagem televisiva ou a criação de danças concebidas especialmente para a projeção na tela. Isso significa que os movimentos da câmera – travellings, panorâmicas, zoom in, zoom out –, assim como a escolha dos planos, a montagem e a edição das cenas são tão importantes para o resultado final quanto os movimentos capturados pelas lentes. Com isso, o vídeo deixa de ser apenas meio para se transformar em um “sistema de expressão”, conforme descreve o pesquisador Arlindo Machado (1949). Apesar de adotar o termo “vídeo” em sua nomenclatura, a videodança pode ser produzida tanto no meio eletrônico e digital quanto em película cinematográfica.
Os primeiros experimentos no que viria a ser esse campo datam dos anos 1940, com o trabalho de câmera da ucraniana naturalizada americana Maya Deren (1917-1961). A dança já havia despertado o interesse do cinema desde o seu nascedouro, no fim do século XIX e início do século XX, com a produção de dezenas de filmes curtos que, no entanto, registravam apenas bailarinas em ação. Em A Study in Choreography for Camera (1945), Deren foi além ao buscar uma interface entre dança e audiovisual e manusear diferentes perspectivas de tempo e espaço, aprofundando o uso da iluminação e explorando técnicas de edição. Com isso, ela produziu sentidos até então desconhecidos para o audiovisual, originando uma obra considerada seminal para a linguagem cinematográfica ao longo do século e para o desenvolvimento, nos anos 1960, da videoarte, da qual derivaria a videodança.
O marco inaugural da videoarte é um filme realizado em 1965 pelo coreano naturalizado americano Nam June Paik (1932-2006), em Nova York, no qual ele registra com uma câmera, de dentro de um táxi na Quinta Avenida a comitiva papal em visita à cidade. O filme é exibido como obra artística na mesma cidade e sua realização só é possível devido ao surgimento da câmera de vídeo portátil e da fita magnética. A mobilidade conquistada com essas então novidades tecnológicas permite não só o registro de uma grande variedade de cenas externas, mas também possibilita que a imagem gravada seja reproduzida instantaneamente, sem a necessidade da revelação do filme em película, provocando uma revolução no formato de registro de movimento.
Nos anos 1970, os Estados Unidos assistem à popularização dos videocassetes, que tornam mais fáceis e baratas a reprodução, a gravação e a edição de vídeos, fazendo com que artistas de vanguarda se interessem pelo meio como uma forma de desenvolvimento de suas linguagens, dando fôlego à videoarte. Não se sabe ao certo quando nem como a videodança foi assim batizada. Uma hipótese é de que o termo tenha sido cunhado em 1982 com um festival anual de exibição de filmes de dança no Centro Georges Pompidou, na França. Há ainda registros de que o batismo tenha ocorrido também nos anos 1980 pelo programa inglês de televisão Channel 4, que apresenta adaptações para a TV de espetáculos feitos para o teatro e passa a encomendar obras criadas especificamente para vídeo sob a alcunha de videodança.
Um dos primeiros coreógrafos a trabalhar com a nova possibilidade é o americano Merce Cunningham (1919-2009). A partir de 1974, ele estabelece uma parceria com o videomarker Charles Atlas (1958) que resulta na produção de obras batizadas por eles como media/dances [mídia/danças], feitas especialmente para a câmera a partir da combinação de dança, filme e vídeo. Entre os trabalhos produzidos estão Westbeth (1975) e Locale (1980). Mais tarde, Cunningham trabalha também com Nam June Paik, com quem faz Merce and Marcel (1976), e com Elliot Caplan (1953), com quem produz Beach Birds for Camera (1993).
Outra representante da videodança é a coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker (1960). Em 1982, ela cria Rosa, com o diretor britânico Peter Greenaway (1942) e, a partir dos anos 1990, torna-se parceira constante do músico e realizador belga Thierry de Mey (1956), com quem produz os vídeos Rosas Danst Rosas (1996), Fase (2002) e Counter Phrases (2004), entre outros. No Reino Unido, um dos principais expoentes dessa linguagem, a partir dos anos 1980, é o grupo de teatro físico DV8, capitaneado pelo australiano Lloyd Newson (1957), que compõe obras para o palco e as recria quase concomitantemente para a TV, como no caso de sua peça de estreia My Sex, Our Dance (1986).
No Brasil, a videoarte e a videodança têm seu início nos anos 1970 com o trabalho da coreógrafa e videomaker paulista Analivia Cordeiro (1954). Suas primeiras incursões no gênero datam de 1973, com a criação de M3x3, obra realizada exclusivamente para a câmera, resultante de uma parceria com a TV Cultura. A obra é produzida em vídeo e computador numa época em que aparelhos de videocassete ainda não eram comercializados no país. Apesar desse pioneirismo, a produção brasileira de videodança só decola a partir dos anos 1990. O primeiro evento a reunir obras do tipo no país, mesmo que apenas estrangeiras, é a Mostra Gradiente de Filmes de Dança, realizada em São Paulo, em 1992, que apresenta títulos arquivados da Cinémathèque de la Danse de Paris [Cinemateca de Dança de Paris] e da New York Public Library for the Performing Arts [Biblioteca Pública de Artes Cênicas de Nova York].
Em 1997, surge o Dança Brasil, sediado no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (CCBB/RJ), que conta com uma mostra para exibição de videodanças estrangeiras. Em 2003, o festival apresenta o programa Panorama Brasil, com 22 trabalhos nacionais vindos de estados como Ceará, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Piauí, entre os quais figuram O Tempo da Delicadeza (2002), de Alexandre Veras (1969) e Andréa Bardawil (1970); Process 5703-2000 (2001), de Mara Castilho (1972); Ursa Maior (2000), de Maíra Spanghero (1970) e Kátia Klock (1969); e Fliessfleichgewicht (2002), de André Semenza (1966) e Fernanda Lippi (1975). Dupla esta que também é responsável pelo primeiro longa-metragem brasileiro de dança, As Cinzas de Deus, filmado em 2001 e lançado comercialmente em 2003.
No mesmo ano, tem início no Rio de Janeiro, no Espaço Sesc, o Dança em Foco, criação do coreógrafo Paulo Caldas, o professor de dança Leonel Brum, cenógrafo Eduardo Bonito e Regina Levy, primeiro evento brasileiro inteiramente dedicado à videodança. Ainda em 2003, o programa Rumos Dança Itaú Cultural lança sua primeira seleção de projetos do gênero, a partir da qual são produzidas as videodanças Pé de Moleque (2004), de Kiko Ribeiro (1964) e Dafne Michellepis (1971); e Dentro do Movimento, de Patrícia Werneck (1968) e Chico de Paula (1963). Três anos depois, o programa faz nova convocatória e recebe 71% de inscrições a mais do que em relação à edição anterior.
Em 2006, é lançado em São Paulo o projeto de criação do Acervo Mariposa, uma videoteca de dança cujo objetivo é reunir documentos audiovisuais de dança cedidos por seus criadores. Até abril de 2012, 25% do acervo catalogado é composto de videodanças. Em 2009, em parceria com a Bienal Internacional de Dança do Ceará e o Núcleo de Dança do Alpendre, acontece a estreia do Terceira Margem, primeiro programa de televisão destinado à videodança no país, que tem a exibição de dez programas de meia hora sobre o tema na TV O Povo, no Ceará. Em 2010, o Ministério da Cultura (MinC) lança o primeiro edital federal voltado ao financiamento da produção de projetos de videodança.
Fontes de pesquisa 8
- CALDAS, Paulo, BRUM, Leonel (org.). Entre imagem e movimento. Rio de Janeiro: Oi Futuro, 2008. (Dança em foco, vol. 3).
- CALDAS, Paulo, BRUM, Leonel (orgs.). Videodança. Rio de Janeiro: Oi Futuro, 2007. (Dança em foco, vol. 2).
- DODDS, Sherril. Dance on screen: genres and media from Hollywood to experimental art. Nova York: Palgrave MacMillan, 2004.
- MACHADO, Arlindo (Org.). Made in Brazil: três décadas de vídeo no Brasil. Itaú Cultural: Editora Iluminuras, 2003.
- MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1995.
- MIRANDA, Regina. Dança e tecnologia. In: PEREIRA, Roberto; SOTER, Silvia. Lições de dança 2. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2000.
- MITOMA, Judy (org.). Envisioning dance on filme and video. Londres: Routledge, 2002.
- SPANGHERO, Maíra. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.
Como citar
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VIDEODANÇA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo14324/videodanca. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7