Murilo Rubião
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Biografia
Murilo Eugênio Rubião (Carmo de Minas, Minas Gerais, 1916 - Belo Horizonte, Minas Gerais, 1991). Contista, jornalista, professor, advogado. Principia seus estudos no município mineiro de Conceição do Rio Verde, concluindo-os em Belo Horizonte. Ingressa no curso de direito, em 1938, na Universidade de Minas Gerais, onde funda, com outros estudantes, a revista literária Tentativa. Ainda estudante, assume, em 1939, a função de redator da Folha de Minas, permanecendo no diário por dez anos. Em 1940, tem sua primeira publicação literária, o conto Elvira, Outros Mistérios, impressa na revista Mensagem. Entrementes, forma-se advogado em 1942 e, no ano seguinte, passa a atuar, também, como diretor da Rádio Inconfidência de Minas Gerais. Dois anos depois, assume o cargo de presidente da seção mineira da Associação Brasileira de Escritores, participando do 1º Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo. Em 1946, começa a destacar-se em sua atuação política: torna-se oficial de gabinete do interventor do estado, passando em seguida a outros cargos até, no ano de 1952, chegar à chefia de gabinete do então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek. Nesse meio tempo, publica dois livros: O Ex-Mágico (1947) - ganhador de um prêmio da Academia Mineira de Letras - e A Estrela Vermelha (1953). Em 1956, viaja para a Espanha, onde colabora como adido junto à Embaixada do Brasil, o que lhe vale uma condecoração do governo espanhol. Somente cinco anos depois, retorna ao universo jornalístico, quando é designado para a redação do jornal Minas Gerais. De volta à literatura, em 1965, lança o volume de contos Os Dragões e Outros Contos e, no ano seguinte, torna-se o primeiro editor do aclamado Suplemento Literário, também no jornal Minas Gerais, em que permanece até 1969, quando se afasta para assumir a chefia do Departamento de Publicações e Divulgação da Imprensa Oficial. Ainda antes da publicação de mais dois volumes de contos - O Pirotécnico Zacarias e O Convidado, ambos de 1974 -, exerce a função de presidente da Fundação de Arte de Ouro Preto. Aposenta-se em 1975, ano em que também é eleito presidente do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais. Em 1978, vem ao lume mais um livro, A Casa do Girassol Vermelho, e, no início dos anos 1990, publica a antologia O Homem do Boné Cinzento e Outras Histórias. Falece em 1991, e a sua obra, apesar de não muito extensa, é reconhecida como uma das mais inventivas do conto brasileiro da segunda metade do século XX.
Análise
Em texto publicado no início da década de 1970, o crítico Antonio Candido reflete sobre os caminhos da prosa brasileira, a partir da segunda metade do século XX: de um lado, o intimismo de Clarice Lispector; do outro, o regionalismo universalizante de Guimarães Rosa. Como caminho alternativo, o crítico brasileiro aponta o uso do fantástico como elemento sistematizador da narrativa, nos contos de Murilo Rubião - expediente bastante comum na literatura hispano-americana (vide os argentinos Jorge Luis Borges e Júlio Cortázar), porém de pouca frequência em letras brasileiras.
Nos contos de Ex-Mágico, já se vislumbra certa influência de Edgar Allan Poe e do escritor alemão E.T.A. Hoffmann, no sentido de transportar o leitor para um universo próximo ao do fantástico, seja pela descrição de fatos inexplicáveis (como o mágico que retira quaisquer objetos ou seres de seu bolso, em O Ex-Mágico da Taberna Minhota), seja pelo surgimento de seres maravilhosos (como os dragões que aparecem, de repente, em uma cidade do interior de Minas, em Os Dragões).
Tais descrições de fatos que fogem ao senso comum, contudo, são realizadas em uma linguagem bastante precisa, e que se aproximam muitas vezes, conforme percebe Álvaro Lins, dos processos judiciais, à semelhança do que ocorre, por exemplo, no estilo de Kafka ou de Henrich von Kleist, importante autor alemão do século XVIII. Essa busca pela clareza leva o autor a reelaborar exaustivamente seus textos, a ponto de eles serem publicados com palavras ou mesmo trechos inteiros modificados entre uma edição e outra. Como relata Audemaro Goulart, até volumes presenteados pelo escritor a amigos contêm correções feitas à mão pelo autor.
Com essa linguagem precisa, Murilo Rubião provoca, no leitor, um efeito de realidade, mesmo quando os fatos mais disparatados são contados, como a inacreditável conversa entre um coelhinho e um rapaz, em Teleco, o Coelhinho. A esse efeito de realidade soma-se, também, uma sensação de estranheza, advinda do fato de os personagens de Murilo Rubião aceitarem como normais acontecimentos muitas vezes próximos do estapafúrdio, como aponta Arrigucci Jr.
Mesmo a partir do inacreditável, contudo, pode-se perceber como o autor incute em seus textos um forte teor crítico: em Os Dragões, por exemplo, a surpresa oriunda de acontecimento surpreendente (o surgimento dos monstros na cidade) cede espaço aos relatos dos preconceitos sofridos pelos monstros, que são obrigados a comportar-se como humanos para que sejam aceitos na cidade. O resultado acaba sendo a morte dos animais, fato que representa o triunfo do senso comum sobre o que lhe é diferente.
Como nota Nelly Novaes Coelho, essa crítica social torna-se ainda mais aguda quando o escritor mineiro abandona o uso de metamorfoses mirabolantes ou seres maravilhosos para colocar os seus personagens diante de situações inexplicáveis, que, na maior parte das vezes, lhes são incompreensíveis e das quais não conseguem se desvencilhar. Esse expediente se fortalece a partir do livro O Convidado (1977), no qual a influência kafkiana é ainda mais perceptível. No conto que intitula o livro, por exemplo, o protagonista é convidado a uma estranha festa, da qual não consegue sair; em A Fila, por sua vez, Pererico persevera em enfrentar uma longa fila com o intuito de conversar com o gerente de uma empresa, mas seu objetivo encontra sempre como barreira a ação de um segurança que dificulta sua chegada ao destino almejado. Essas dificuldades fazem com que o personagem principal desista aos poucos e, quando finalmente o objetivo de sua ida à capital parece prestes a cumprir-se, um infortúnio lhe serve como bloqueio.
Ao analisar o enredo desses contos, Jorge Schwartz comenta que essas situações paradoxais funcionam como uma crítica às sociedades extremamente burocratizadas, que inserem o indivíduo em um sistema cuja mecânica transforma o humano em mero objeto administrável: diante da impossibilidade de entender o funcionamento desse sistema, resta ao indivíduo simplesmente aceitá-lo, assim como o protagonista de O Processo, de Kafka, é julgado e condenado por um crime que ele próprio desconhece. Em Rubião isso chega a ser levado ao extremo: em Aglaia, o marido é obrigado a suportar os partos sucessivos da esposa, que, de repente, passa a produzir filhos incessantemente, e cada vez com prazos mais curtos de gravidez, como se fossem peças em uma linha de produção.
Outro ponto relevante, também trabalhado por Schwartz, é a importância do universo bíblico em suas histórias. Cada conto, e mesmo os livros, apresentam epígrafes retiradas da Bíblia, que, contextualizadas na história, passam a adquirir um novo sentido. O Edifício, que narra a construção de um prédio cujo número de andares tende ao infinito, por exemplo, remete ao mito da Torre de Babel, ao mesmo tempo que serve de metáfora para o crescimento exacerbadamente rápido e violento das metrópoles modernas.
E é justamente na metrópole moderna, como verifica Fernando Marques, que o processo de reificação do indivíduo se processa com mais força: de acordo com Marques, os procedimentos provenientes do grotesco - como a instauração de um "mundo alheado", que desloca os personagens para um universo regido "por leis desconhecidas" - exageram a realidade e, justamente por exagerá-la, revelam a hipocrisia de forças - "justiça, medicina, empresas todo-poderosas" - que instauram realidades desumanizadoras devidamente edulcoradas com a aparência do real.
Obras 1
Espetáculos 3
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16/10/2011 - 13/2/2010
Como citar
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MURILO Rubião.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa6474/murilo-rubiao. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7