Cassandra Rios
Texto
Odette Pérez Ríos (São Paulo, São Paulo, 1932 – Idem, 2002). Escritora. Seus livros são predominantemente romances ficcionais com forte conteúdo sexual. Pioneira na representação de protagonistas lésbicas na literatura brasileira, tem um estilo simples e direto que a coloca entre as autoras mais vendidas de sua época e também entre as mais perseguidas politicamente.
Filha de imigrantes espanhóis de classe média, Rios cresce em São Paulo, onde desenvolve sua vocação para a literatura. Escreve desde a infância e aos 13 anos publica seus primeiros contos em jornais. Aos 16 anos, com a ajuda financeira de sua mãe, publica seu primeiro romance sob o pseudônimo de Cassandra Rios, intitulado A volúpia do pecado (1948).
Volúpia é o primeiro romance brasileiro com protagonistas lésbicas. O livro se passa na São Paulo dos anos 1940 e traz a história da descoberta do amor entre as jovens Lieth e Irez, em uma sociedade patriarcal e controladora. Na ânsia de entender o que sente, Lieth chega a procurar no dicionário o significado de "lésbica". As iniciações sexuais das duas são narradas em detalhes explícitos. Elas chegam a se casar em frente a um presépio, a sós. As famílias de ambas, entretanto, ao descobrirem o romance, forçam a separação do casal.
A culpa e o preconceito seguem Lieth, assim como seu desejo, que é associado a uma doença mental ou desvio moral. Lieth se casa com um rapaz, mas não suporta o sofrimento e comete suicídio, intoxicando-se com gás, enquanto murmura o nome de Irez. A temática inovadora e o conteúdo sexual despertam o interesse do público leitor e o incômodo de grupos conservadores. O sucesso de vendas estimula a autora a conquistar na literatura o seu ofício e seu sustento.
A ficção de Rios é frequentemente marcada por traços autobiográficos. A autora, também lésbica, retrata, em muitos de seus romances, as dúvidas, medos e violências que envolvem experiências de amor homoafetivo. O espaço romanesco de sua obra é principalmente urbano, passando por cidades, bares e a vida noturna de lugares frequentados pela autora.
Rios é muitas vezes classificada como pornográfica, o que afasta, mas também atrai leitores. Muito de sua popularidade vem do conteúdo erótico das edições de baixo custo, com capas constantemente apresentando imagens de mulheres seminuas em posições sensuais. Sua produção segue com boas vendas, permitindo a Rios a rara condição de viver exclusivamente da literatura. Com a instauração da ditadura civil-militar em 19641, entretanto, a perseguição contra a obra e a autora se intensifica. Em particular, com o Ato Institucional nº 5, que torna a censura prévia de obras uma política oficial do governo.
A homossexualidade da autora e o erotismo de suas obras atraem a atenção dos censores. Muitos de seus livros são proibidos e recolhidos de livrarias, sob a alegação de atentarem contra a moral e os bons costumes. Como uma espécie de teste, Rios escreve uma autobiografia Censura: minha luta, meu amor, publicada em 1977. O livro chama atenção para a perseguição sofrida pela autora.
Outra estratégia de Rios é publicar com pseudônimos masculinos e estrangeiros como Clarence Rivier e Oliver Rivers. Os livros dessa fase seguem a linha do erotismo explícito, mas escapam à censura pela combinação do nome masculino e a representação de relacionamentos heterossexuais.
O romance Eu sou uma lésbica (1981) é narrado em primeira pessoa pela protagonista Flávia. No início do livro ela é uma garota de sete anos que, antes mesmo de entender o que se passa, vive uma relação amorosa com a vizinha, Dona Kênia, amiga de sua mãe.
Kênia se muda de casa, mas Flávia fica com uma sandália de salto alto dela. A sandália vira um objeto de fetiche de Flávia. Anos depois as duas se reencontram e o leitor descobre que Eduardo, marido de Kênia, morreu no dia da mudança dela. Com ciúmes, Flávia, ainda criança, havia quebrado uma lâmpada usando a sandália de Kênia e colocado o vidro moído na comida de Eduardo. A morte dele é considerada suicídio.
A fortuna crítica da obra de Rios indica que a presença de estereótipos da lesbiandade é uma forma também de problematizar o tema da discriminação. As personagens ora reproduzem visões preconceituosas, ora expressam a voz e a subjetividade de populações marginalizadas.
Em 2000, publica uma nova autobiografia Mezzamaro, flores e cassis: o pecado de Cassandra. A obra se divide em sete capítulos. Cada capítulo representa um conjunto de flores doadas. O primeiro capítulo é nomeado "Uma rosa para você...", e progressivamente até o último: "Sete rosas para você...". O livro se concentra em suas experiências enquanto escritora, tratando relativamente pouco de sua vida particular.
A narrativa não segue a ordem cronológica. Dirigida diretamente ao leitor, reflete sobre os abusos sofridos pela autora, a perseguição, multas e proibições. Rios fala sobre sua luta contra o câncer, o tratamento e a forma precária de atendimento médico às pessoas de baixo poder aquisitivo. Rios também agradece e saúda seus leitores, pedindo que não confundam obra e autora.
A literatura de Cassandra Rios é pioneira, tratando de forma direta e honesta a homoafetividade, muitos anos antes do surgimento de movimentos lésbicos organizados no Brasil. Suas personagens são, com frequência, pessoas marginalizadas ou perseguidas. Sua linguagem é acessível e popular, com grande apelo de vendas, apesar das proibições.
Nota
1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
Obras 17
Fontes de pesquisa 3
- LIMA, Maria Isabel de Castro. Cassandra, rios de lágrimas: uma leitura crítica dos inter(ditos). 2009. 82 f. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
- SANTOS, Rick. O mito de Cassandra: a gênesis da literatura gay e lésbica no Brasil. In: AZEVEDO FILHO, Deneval Siqueira; MAIA, Rita Maria de Abreu de. (Org.). Livros e idéias: ensaios sem fronteiras. São Paulo: Arte & Ciência Editora, 2004.
- SOUSA, J. M. Os caminhos para a produção de uma escrita de si em Cassandra Rios. In: ARAÚJO, Maria da Conceição Pinheiro; LIMA, Antonia Rosane Pereira. (Org.). Censura e silenciamento: a literatura de autoria feminina em questão. 1. ed. Alagoinhas: Bordô- Grená, 2019, v. 1, p. 1-234.
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CASSANDRA Rios.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa644530/cassandra-rios. Acesso em: 07 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7