Élle de Bernardini

Élle de Bernardini, 2020
Texto
Élle de Bernardini (Itaqui, Rio Grande do Sul, 1991). Artista visual, performer, bailarina. Muitos trabalhos de Bernardini têm como suporte a própria figura da artista ou outras estruturas que remetem ao corpo. As obras criam experiências sensoriais que se opõem às investidas contra a liberdade de gênero.
Bernardini estuda balé clássico desde a infância e se torna uma das poucas bailarinas transgênero a ingressar em uma turma feminina de balé da Royal Academy of Dance de Londres (2011). Estuda Butô com os artistas japoneses Yoshito Ohno (1938-2020) e Tadashi Endo (1947), em 2012. A partir de 2015, concentra seu interesse na produção visual, mas a intensidade de sua presença cênica e a busca pelas sínteses, que a artista experimenta no Butô, marcam suas performances.
Na dança/performance Corpo à Beira da Crise (2013-2019), lutas sociais e identitárias que não se expressam verbalmente são travadas no corpo da performer. Nesse trabalho já se nota o diálogo com o conceito de “corpo falante”, investigado por Bernardini no Manifesto Contrassexual (2000), do filósofo espanhol Paul B. Preciado (1970). Ao cursar filosofia na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (2015), seus interesses se voltam para os pensadores que abordam a sexualidade questionando as categorias de gênero fundadas num sistema binário, masculino e feminino.
O Manifesto Contrassexual propõe sociabilidades baseadas na compreensão dos sujeitos como “corpos falantes” imbuídos de potencialidades, superando a noção de gênero. Tal discussão emerge em diferentes trabalhos da artista, como na série Formas Contrassexuais (2019). Embora tragam algo de orgânico, é difícil atribuir a tais formas um referente direto. Elas se multiplicam por superfícies maleáveis, como tecido, vinil, silicone, couro, borracha, em texturas e tonalidades orgânicas e inorgânicas.
Por trás do projeto orgânico está um código visual que representa, segundo Bernardini, as cinco principais zonas erógenas do corpo humano: pênis, vagina, escroto, seios e ânus, signos que se metamorfoseiam entre si. As cores também são codificadas, com a recorrência de diferentes tons de pele, entre rosas e azuis, culturalmente associados aos gêneros feminino e masculino, mas distanciados da interpretação corrente. A artista desdobra esse mapeamento corporal em paisagens e objetos que se aproximam da abstração.
Em alguns trabalhos, a aparência esquemática das formas contrassexuais alude a uma escrita hieroglífica. Na instalação Tumba (2020), a parede forrada por folhas de ouro inscreve os corpos dos observadores numa escritura proposta pela artista, a fim de conceder maior liberdade à sintaxe corporal dos discursos verbais e visuais. Ao ouro também é reservado o papel de atrair o observador para dentro do discurso.
O mel e as folhas de ouro que Bernardini aplica sobre si para a performance Dance with me (2018-2019) fazem referência aos trabalhos do artista alemão Joseph Beuys (1921-1986) e sua ideia de escultura social. Também contêm uma ironia sutil. Dance with me combina sentidos: a visão, o olfato, a audição despertada por um repertório de música brasileira considerado de bom gosto pelas classes mais abastadas e, principalmente, o toque, na dança com a artista. A pluralidade sensorial corresponde à diversidade dos corpos dissidentes. Com sua nudez coberta por ouro, a artista dança no espaço expositivo, jogando com a expressão popular utilizada para repudiar uma pessoa: "nem se fulano(a) estivesse coberto(a) de ouro". Bernardini responde a essa afirmação subentendida pintando-se de ouro e convidando seus interlocutores à dança, defendendo a aceitação dos corpos que se afastam da heteronormatividade.
Na série de fotoperformances A Imperatriz (2018-2019), com sua presença pictórica em vermelho, Élle ocupa espaços arquitetônicos gélidos e imponentes, representativos do poder político e cultural. Utilizando joias e roupas de alta-costura como recurso estratégico para adentrar tais espaços, que impõem determinados padrões de comportamento, a personagem criada por Élle pretende seduzir as instituições e abrir caminho para outras artistas trans. A visita a esses espaços representa uma reparação simbólica da injustiça histórica gerada pela ausência de pessoas trans nas coleções e espaços artísticos. Com a incorporação de uma fotografia da performance ao acervo da instituição, o trabalho atua sobre o próprio sistema de arte e suas estratégias de eleição.
As obras de Bernardini dedicam-se ao tato, talvez o sentido mais capaz de provocar os limites das convenções de sociabilidade. Sexualidades e identidades ganham materialidade por meio da pele, órgão social, e por essa razão ela é tão enfatizada em muitos trabalhos da artista, como ocorre na instalação Transdialética (2020), obra que consiste numa síntese de proposições anteriores da artista e apresenta um modelo de sociabilidade não binário, propiciado pela experiência sensorial.
Explorando diferentes texturas, tantas quantas são as diferenças entre os corpos e identidades, as obras de Élle de Bernardini abordam questões políticas e de gênero por meio da atuação no campo simbólico, propondo meios para pensar a sociedade atual e para forjar uma sociedade futura, mais igualitária.
Obras 13
A Imperatriz Está Entre Nós
A Imperatriz no Palácio do Itamaraty
As Marcas que Carreguei
Exposições 36
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1/8/2014 - 31/8/2014
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2014 - 3/10/2014
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8/5/2015 - 31/5/2015
Performances 5
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16/4/2015 - 16/4/2015
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31/7/2015 - 2/8/2015
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30/7/2017 - 30/7/2017
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27/7/2019 - 27/8/2019
Mídias (1)
Suas obras dialogam com elementos da dança e discussões sobre performance de gênero. Por meio de referências da filosofia, ela fala sobre a importância de existir e marcar sua presença em tudo o que produz, em especial como mulher transexual.
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Fontes de pesquisa 8
- BALBI, Clara. Artistas trans querem hackear o mundinho da arte com joias bélicas e pelúcia. Folha de São Paulo, 7 mar 2020.
- BERNARDINI, Élle de. TransDialética, 2020, projeto de instalação para a 12 Bienal do Mercosul: www.elledebernardini.com. Acesso em: 23 abr. 2020.
- BERNARDINI, Élle. Corpo à beira da crise. Apresentação realizada no Tusp em outubro de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jQbd6aAIN-s. Acesso em: 29 abr. 2020.
- BERNARDINI, Élle. Dance with me. Registro da performance realizada na exposição “Somos Muit+s - Experimentos sobre coletividade”, Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2019. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=VgeM7Qnpvxs&feature=emb_logo. Acesso em: 20 abr. 2020.
- BERNARDINI, Élle. [Currículo]. Enviado pela artista em: 27 abr. 2020.
- FONSECA, Raphael. Black and gold. Texto para a exposição homônima de Élle de Bernardini, na Galeria Luciana Caravello, 2020. Disponível em: https://raphaelfonseca.net/Blacl-and-gold. Acesso em: 23 abr. 2020.
- LEME, Mariana; PEDROSA, Adriano; RJEILLE, Isabella (org.). Histórias das Mulheres, Histórias feministas. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), 2019.
- MACIEL, Nahima. Élle de Bernardini aposta no poder transformador da arte na sociedade. Correio Braziliense, Brasília-DF, 17 dez 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2019/12/17/interna_diversao_arte,814519/elle-de-bernardini-aposta-no-poder-transformador-da-arte-na-sociedade.shtml. Acesso em: 19 abr. 2020.
Como citar
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ÉLLE de Bernardini.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa640305/elle-de-bernardini. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7