Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Carmélia Alves

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 24.10.2019
14.02.1923 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
03.11.2012 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Carmélia Alves Curvello (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1923 - Idem, 2012). Cantora. Inicia como caloura de programas de rádio. Nos anos 1940 é contratada pela Rádio Mayrink Veiga e passa a atuar como crooner no Copacabana Palace, tendo suas apresentações transmitidas ao vivo pela Rádio Nacional. Casa-se com o cantor Jimmy Lester (1914-1998).

Texto

Abrir módulo

Carmélia Alves Curvello (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1923 - Idem, 2012). Cantora. Inicia como caloura de programas de rádio. Nos anos 1940 é contratada pela Rádio Mayrink Veiga e passa a atuar como crooner no Copacabana Palace, tendo suas apresentações transmitidas ao vivo pela Rádio Nacional. Casa-se com o cantor Jimmy Lester (1914-1998).

Grava seu primeiro disco em 1943, com os sambas Quem dorme no ponto é chofer (Assis Valente) e Deixei de sofrer (Dino e Popeye do Pandeiro). Em 1944 grava a marcha Papagaio de Berlim, de Alberto Ribeiro.

Em 1953 lança disco em apoio aos flagelados da seca, com as faixas Ajuda Teu Irmão (Teixeira) e Adeus Maria Fulô (Teixeira e Sivuca). Participa de shows beneficentes no Ceará, com o pianista Bené Nunes, Jimmy Lester e Sivuca. No mesmo ano grava Baião em Paris, de H. Teixeira, antes de sua primeira turnê pela Europa. Atua nos filmes Tudo Azul (1951) – no qual interpreta Eu Sou o Baião (Teixeira) –, Agulha no Palheiro (1953), Carnaval em Caxias (1954) e Carnaval em Lá Maior (1955). Regrava clássicos da parceira entre Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, como Paraíba, Asa Branca, Qui Nem Jiló, Assum Preto e No Meu Pé de Serra (1956). Entre os anos 1950 e meados dos anos 1960 realiza diversas turnês, passando por Argentina, Chile, Alemanha, Portugal, França e União Soviética.

Em 1976 seus maiores sucessos são reeditados pela série de discos Ídolos MPB, da Continental. Realiza show com Luiz Gonzaga no Teatro João Caetano (1977), cuja gravação é relançada em CD em 1993. Em 1999 grava CD dedicado a Jackson do Pandeiro e Gordurinha, com a participação de Inezita Barroso, Luiz Vieira e Elymar Santos. Integrante do conjunto Cantoras do Rádio desde a primeira formação (1987), apresenta-se em 2001 no Teatro de Arena no show Estão Voltando as Flores, ao lado de Carminha Mascarenhas, Ellen de Lima e Violeta Cavalcanti. Lançado em CD em 2002, este encontro é tema do documentário Cantoras do Rádio (2009), de Gil Barone. 

 

Análise

Carmélia Alves ocupa o posto de “rainha” na chamada Corte do Baião. Atuando ao lado do “rei” e do “doutor” do baião, respectivamente, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, a cantora contribui significativamente para o projeto dos compositores de difundir a música nordestina no Sudeste. Devido a sua identificação com a cultura nordestina, Carmélia logo se torna amiga de Humberto, conhecendo em primeira mão, antes de se tornarem clássicos, suas parcerias com Gonzaga. 

O baião – corruptela de “baiano” – figura como esteio deste projeto, por possuir características de fácil assimilação pelo grande público urbano. O alcance da iniciativa ultrapassa inclusive as expectativas iniciais, tomando repercussão internacional. Contribui para a aceitação do gênero no exterior o sucesso do filme O Cangaceiro (1953), premiado como Melhor Filme de Aventura e Melhor Trilha Sonora em Cannes. Ironicamente, Carmélia grava o “Baião de Ana”, dos italianos Roman Vatro e F. Giordano, versão de Caribé da Rocha, em 1954.

Dentro do país, o projeto vem ao encontro da política cultural de valorização das identidades regionais no período Pós-Guerra, justamente no momento em que a programação radiofônica é inundada por ritmos estrangeiros, como os latinos bolero e rumba, e o jazz norte-americano. O reinado do baião se estabelece também em meio a um acalorado debate acerca da definição do conceito de música popular, que mobiliza musicólogos e folcloristas em meados dos anos 1950. Observando a produção musical de seu tempo, Oneyda Alvarenga chega à definição de “música popular” como de autoria conhecida, feitas sob técnicas mais ou menos aperfeiçoadas e transmitida pelos meios de comunicação em massa, o que condiz com as características da música inventada por Gonzaga e Teixeira. 

Ao contrário de outros gêneros que surgem de maneira espontânea, o baião é fruto de um planejamento, que estiliza a adapta ao paladar urbano a música tradicional nordestina. Apropriando-se da base rítmica, variante do lundu desenvolvida no interior da Bahia no século XIX, o baião mantém em geral a estrutura assentada no acordeão, zabumba e triângulo - síntese instrumental criada por Luiz Gonzaga -, e incorpora elementos da moderna música urbana, com arranjos criados por renomados maestros das rádios e gravadoras, como Radamés Gnattali, presente nas gravações de Camélia. A ascensão do baião ocorre concomitantemente ao declínio da marcha e à proibição dos cassinos – palco de muitos músicos populares –, dotando o cenário musical e a indústria do entretenimento de novo ritmo dançante, o que explica em parte seu êxito. Ao lado do samba, o gênero é tomado como novo símbolo da música nacional, conquistando espaço na mídia impressa e recebendo a gravação por intérpretes consagrados publicamente em outros gêneros. Alcança o auge entre 1949 e 1951, através dos compositores citados e outros, como Luís Vieira, Luís Bandeira, Zé Dantas, Hervê Cordovil, e intérpretes como Ivon Curi, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Claudette Soares – a “princesinha do baião”. Atinge diferentes segmentos sociais, sendo executado inclusive em espaços frequentados pela nata da sociedade paulistana, como a elegante boate Jequiti, na qual Carmélia atua. O que é outra novidade, pois na época não é comum crooner feminina na cidade. 

Carmélia traz já em seus primeiros contatos musicais a proximidade com o gênero que se estabelecerá: filha de migrantes nordestinos, cresce aos sons de animadas reuniões de repentistas em sua família. Com dicção perfeita e habilidade para falar e cantar rápido, a cantora transforma-se numa importante referência do gênero, fazendo uma mediação entre as matrizes da música nordestina e o padrão estético já consolidado na indústria radiofônica e fonográfica. Emprega expressões regionais sem fazer uma caricatura do sotaque nordestino. A cantora confere feições peculiares a suas interpretações. É o caso do baião Trem ô-lá-lá (1950), a princípio composta por Lauro Maia e Humberto Teixeira em ritmo de toada. A interpretação mais acelerada de Carmélia, apresentada no Golden Room do Copacabana Palace é imediatamente aceita e preferida pelos compositores. O mesmo ocorre com o balanceio Trepa no coqueiro (Ari Kerner), em que a cantora acelera os versos, conferindo à estrofe o aspecto de trava-língua: “Trepa no coqueiro / tira coco / jipe, jipe / nheco, nheco / no coqueiro olirá”. Nesta música está presente outro elemento bastante recorrente no gênero: a malícia com sutileza – em versos como “os passeios de Maria/ faz papai e mamãe chorar” –, aspecto elogiado pela cantora em seus depoimentos nos anos 2000. A cantora também contribui para alavancar a carreira de outros músicos, como o acordeonista Sivuca, que ela conhece em Recife e convida para gravar em São Paulo.

A escuta de Carmélia também é formada através dos ritmos mais populares no rádio em sua juventude. Sua carreira se inicia como a de muitas cantoras da época: cantando o repertório já consolidado de intérpretes como Carmen Miranda. Em suas primeiras gravações há um grande volume de marchas e sambas, também executadas no rádio, com instrumentação do regional de Benedito Lacerda. Sua extensão vocal, assim como a da “pequena notável”, é de meio-soprano, bastante modulada, o que favorece a aproximação inicial com seu repertório. Além deste, Carmélia incorpora de Carmen elementos de sua interpretação, que mescla ao canto o ritmo da fala coloquial. Pela sua voz passam sambas-enredo, gravados no disco Sambas Enredo das Escolas de São Paulo, em parceria com Geraldo Filme – de autoria de sambistas como Doca e Xangô –; marchas, frevos, sambase até mesmo a toada tradicional gaúcha “Carreteiro”, adaptada por Caco Velho e Piratini, e a toada “Cevando o Amargo”, de Lupicínio Rodrigues e Piratini. No disco Bossa Nova com carmélia Alves (1964), do selo Mocambo, mistura canções bossanovistas notórias, como “O Barquinho”, “Corcovado” e só “Danço Samba”, com sambas de balanço, como “Deixa a Nega Gingar” e “Na Cadência do Samba”, e até a “ Valsa de uma cidade”

Fontes de pesquisa 5

Abrir módulo
  • DREYFUS, Dominique. Vida de viajante: a saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Editora 34, 1996. 349p. (Coleção Ouvido Musical).
  • MARIZ, Vasco. A canção brasileira: Erudita, Folclórica Popular. 4ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL/MEC, 1980.
  • NAPOLITANO, Marcos. A música brasileira na década de 50. Revista USP, São Paulo, nº 87, pp. 56-73, set./out./nov. 2010.
  • SEVERIANO, Jaime. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008. 504p.
  • TEIXEIRA, Humberto, JOBIM, Antonio Carlos, JOBIM, Ana Lontra, DUMONT, Denise. Cancioneiro Humberto Teixeira: biografia. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2006. 2v. 188p.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: