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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Ismael Silva

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 12.06.2017
14.09.1905 Brasil / Rio de Janeiro / Niterói
14.03.1978 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Milton de Oliveira Ismael da Silva (Niterói, Rio de Janeiro,1905 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1978). Compositor, violonista e cantor. Caçula entre cinco irmãos, fica órfão de pai aos 3 anos, fato que o obriga a mudar-se com a mãe da Praia de Jurujuba, em Niterói, para a cidade do Rio de Janeiro. Após viver em alguns bairros cariocas e cursa...

Texto

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Biografia

Milton de Oliveira Ismael da Silva (Niterói, Rio de Janeiro,1905 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1978). Compositor, violonista e cantor. Caçula entre cinco irmãos, fica órfão de pai aos 3 anos, fato que o obriga a mudar-se com a mãe da Praia de Jurujuba, em Niterói, para a cidade do Rio de Janeiro. Após viver em alguns bairros cariocas e cursar a escola primária, fixa-se no Estácio de Sá. Cresce nesse bairro e desde jovem convive nas rodas de partido alto, em que conhece os sambistas Bide, Baiaco, Nilton Bastos, Mano Edgar e Brancura. Começa a frequentar a boêmia carioca e com 20 anos compõe Me Faz Carinhos, lançada em disco pelo pianista Cebola (Orlando Tomás Coelho) na Casa Edison. Em 1927, Francisco Alves compra a parceria da música, lance corriqueiro entre sambistas e o conhecido intérprete, que se compromete a gravá-la na Odeon. O relativo sucesso da canção faz o cantor propor para os anos seguintes novas parcerias e exclusividade na gravação dos sambas de Silva e Bastos, como Nem É Bom Falar (1931), O que Será de Mim (1931) e Se Você Jurar (1931). A parceria permanece ativa e com sucesso até 1935, quando é definitivamente encerrada.

No fim da década de 1920, com esses compositores que conhece no Estácio, Ismael Silva transforma um antigo bloco carnavalesco na primeira escola de samba carioca, a Deixa Falar, em 1928. A escola desfila pela primeira vez em 1929 cantando os sambas do "pessoal do Estácio". O impacto é significativo, pois ela apresenta tanto um desfile quanto sambas diferentes dos tradicionais, inaugurando uma fase do Carnaval e do samba do Rio de Janeiro.

A vida do compositor, na década de 1930, é muito instável. Aborrecido com a morte de seus companheiros Bastos e Edgar, deixa, em 1931, o Estácio e a escola de samba. Vive no centro, frequenta rodas de boêmia mais intelectualizadas e inicia uma trajetória de sucesso e reconhecimento. Nessa época conhece Noel Rosa, com quem compõe, em 1932, diversas canções, como Adeus, Para Me Livrar do Mal, A Razão Dá-se a Quem Tem e Uma Jura que Eu Fiz. As canções lançadas por Francisco Alves e Mário Reis dão visibilidade a Ismael Silva, que também passa a gravar as próprias composições, assim como a outros intérpretes, entre eles João Petra de Barros, Silvio Caldas, Carmen Miranda e Aurora Miranda. A partir de 1935 sua vida ganha outra direção e ele se afasta do cenário artístico. Fato atribuído a uma desilusão amorosa e ao namoro com Diva Lopes Nascimento, com quem tem uma filha, Marlene Martins Batista, nunca reconhecida. O rompimento com Francisco Alves também tem impacto negativo na vida profissional. Além disso, é preso em flagrante por tentativa de homicídio. Solto, três anos depois, vai morar com irmã e desaparece da vida artística.

Nos anos 1950 tenta retornar e compõe Antonico (1950). Dolores Duran grava seu samba-canção Tradição (1954). Em 1955, o compositor lança os discos O Samba na Voz do Sambista e Ismael Canta e participa do show O Samba Nasce no Coração, com Pixinguinha, Donga, Ataulfo Alves e João da Baiana, na boate Casablanca. Adoentado, sua produção cai drasticamente nos anos 1960, mas mesmo assim participa de shows e grava LPs. Em 1965, se apresenta no show O Samba Pede Passagem, ao lado de Baden Powell, MPB-4 e Aracy de Almeida, que resulta num disco com 11 composições suas. Em 1973, lança o LP Se Você Jurar.

Análise

Ismael Silva está no núcleo das experiências sociais, culturais e musicais que atua na formação do samba moderno e no centro do processo de mudanças do entretenimento urbano definido no Rio de Janeiro pela expansão dos binômios carnaval/escola de samba e indústria fonográfica/radiofônica. Esses dois universos são determinantes para a decantação de alguns gêneros musicais urbanos, sobretudo o moderno samba.

Sobre o primeiro aspecto, os jovens sambistas do Estácio de Sá têm papel pioneiro ao fundar em 1928 o bloco carnavalesco Deixa Falar. Segundo Ismael Silva, junto com o bloco surge o conceito de escola, pela proximidade de uma escola normal, justamente para criar identidade com a prática escolar, ou seja, "professores" e "catedráticos" introduzem os mistérios do samba e os ensinam aos alunos. A expressão "escola de samba" é difundida e consolidada pouco mais tarde, consagrando uma nova prática e tradição cultural no Rio de Janeiro. Porém, o fato mais relevante é que esse bloco/escola apresenta em seus desfiles as composições do "pessoal do Estácio", que gradativamente se afasta das experiências das primeiras décadas do século XX, mais próximas do maxixe. De acordo com o pessoal, os sambas são feitos para andar ou desfilar e não mais simplesmente para dançar, como ocorre até então. Para exemplificar essa mudança, Silva cria a onomatopeia "bumbumpaticumbumprugurundum". Diálogo registrado, e muito conhecido, entre Donga e Ismael Silva para definir o que é o "verdadeiro samba" revela essa oposição. Donga defende como "samba original" Pelo Telefone, 1917, caracterizado, no entanto, por Silva como maxixe. De seu lado, o compositor defende Se Você Jurar, 1931, como "samba de fato", mas qualificado por Donga como marcha.

A historiografia da música popular no Brasil consagra essa avaliação dos sambistas, estabelecendo no processo de decantação do samba urbano a clivagem entre o "estilo antigo" e o "estilo moderno". Assim, o primeiro está vinculado ainda a algumas tradições folclóricas, de caráter rural, em contraposição à dicção urbana do samba do Estácio, sobretudo ao maxixe. O segundo revela as mudanças que ocorrem a partir do fim da década de 1920, protagonizadas pela turma e também por Noel Rosa. Importante estudo recente do musicólogo Carlos Sandroni - cuja capa traz a foto de Ismael Silva - apresenta os argumentos e as justificativas sociais, culturais e musicais que confirmam essa percepção. Para Sandroni, a importância de Silva e demais compositores do Estácio é tão significativa que eles criam outra forma de fazer samba, que ele denomina como "paradigma do Estácio". Segundo esse paradigma, o ritmo contramétrico, fortemente marcado pelas tradições africanas, e a melodia se articulam de tal modo que as acentuações ocorrem de acordo com o encadeamento dos dois elementos. Esse fato exige do intérprete uma forma diferente de cantar - uma nova "bossa" -, aproximando-se da fala cotidiana e se afastando das prolongações vocálicas comuns na época. A marcação desse ritmo é dada, sobretudo, pela batida do tamborim. Aliás, o trinômio "cuíca, surdo e tamborim", consagrado na letra do samba Antonico, 1950, é mais uma inovação dos compositores do Estácio no padrão rítmico das escolas de samba.

A obra de Ismael Silva é protagonista dessa mudança do samba nos anos 1930 e definidora do "estilo moderno". As mais conhecidas e inovadoras de suas composições, na maioria, estão concentradas justamente na primeira metade dessa década, sejam as feitas em parceria com Nilton Bastos - Nem É Bom Falar (1931), O que Será de Mim (1931), Se Você Jurar (1931), Amar (1931), É Bom Evitar (1931), Eu Bem Sei (1931), Feiticeiro (1931) - ou com Noel Rosa - Gosto, mas Não Muito (1931), Ando Cismado (1932), Adeus (1932), A Razão Dá-se a Quem Tem (1932), Não Tem Tradução (1933), Para Me Livrar do Mal (1932), Uma Jura que Eu Fiz (1932), Vejo Amanhecer (1933), Assim, Sim (1934). É justamente esse estilo de samba que se consagra na década de 1930 como o gênero do disco e da radiofonia e, pouco depois, ganha contornos de "canção nacional".

Compositor espontâneo, Silva pensa música e letra ao mesmo tempo e em conjunto. Além do aspecto musical inovador, sua obra segue a tradição temática e cronista presente nos compositores do período e revela um universo cultural tipicamente carioca de camadas sociais sufocadas no novo espaço urbano e industrial. Ele traduz e apresenta esse mundo por meio de temas como a malandragem e a boêmia, centrais em sua produção (O que Será de Mim, Se Você Jurar, Nem É Bom Falar, Para Me Livrar do Mal). Muitas vezes essa temática está relacionada com a desilusão amorosa que ele aborda também de modo isolado e vinculada ao sofrimento (Sofrer É da Vida, A Razão Dá-se a Quem Tem, Boa Viagem). Manda recado aos companheiros que morreram (Adeus e Rir para Não Chorar) e faz crônica do cotidiano (Antonico).

Conhecido pela elegância, impetuosidade e gosto pelo carteado, seu modo de vida muitas vezes lembra o dos malandros que canta e conta em suas canções. Após período de ascensão artística em que predominam as relações comerciais de venda de parceria com Francisco Alves, a partir de meados da década de 1930, sua carreira entra em decadência. Certamente concorrem para isso sua valentia na tentativa de homicídio e o fim da parceria. Quando retorna, no início da década de 1950, sua música, um tanto deslocada, já não interessa mais às gravadoras. Sua produção musical cai, e o fato de seguir sempre adoentado limita ainda mais suas atividades artísticas. Mesmo assim, nos anos 1960, ele volta e é reconhecido pela geração mais nova. Compositores e intérpretes como Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Nara Leão, Gal Gosta e MPB-4 o consideram um dos grandes compositores de samba, reconhecem sua influência e gravam suas canções.

Obras 1

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Fontes de pesquisa 7

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  • Acervos Instituto Moreira Salles. Disponível em: https://ims.com.br/acervos/.
  • CABRAL, Sérgio, As escolas de samba. O que, quem, como, quando e por quê. Rio de Janeiro, Fontana, 1974.
  • CARVALHO, Luiz Fernando. Ismael Silva: Samba e resistência. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1980.
  • DIDIER, Carlos, MAXIMO, João. Noel Rosa. Uma biografia. Brasília, Ed. UnB, 1990.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. (Ed.). Enciclopédia da Música Popular Brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo: Art Editora,1977. 2 v.
  • SANDRONI, Carlos. Feitiço decente. Transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed./Ed.UFRJ, 2001.
  • TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo, Editora 34, 1998.

Como citar

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