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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

José Bezerra

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 05.07.2024
1952 Brasil / Pernambuco / Buíque
José Bezerra (Buíque, Pernambuco, 1952), escultor. Sua produção se caracteriza pelo trabalho em madeira, que busca no formato original dos troncos e galhos as formas sugeridas, criando, a partir destas, esculturas que remetem a animais e pessoas.

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José Bezerra (Buíque, Pernambuco, 1952), escultor. Sua produção se caracteriza pelo trabalho em madeira, que busca no formato original dos troncos e galhos as formas sugeridas, criando, a partir destas, esculturas que remetem a animais e pessoas.

Filho de agricultores, José Bezerra nasce na cidade de Buíque, interior de Pernambuco, que fica a 300km de Recife, no limite entre o agreste e o sertão. Sua ancestralidade está ligada aos fulni-ô, etnia indígena guerreira da região, e aos caboclos cangaceiros. Lavrador, carreiro e trabalhador braçal em diversas atividades ao longo da vida, passa a se dedicar à escultura no início dos anos 2000 quando, em um sonho, recebe uma ordem de um espírito da mata para se tornar artista, trabalhando com madeira. Vivendo no Vale do Catimbau, reserva ecológica na qual se encontra o segundo maior sítio arqueológico do Brasil, em uma casa de taipa, Zé Bezerra produz e expõe ali mesmo. Exibidas dessa forma, espalhadas pelo terreiro em torno da casa, e todas elas voltadas para o ateliê onde o artista trabalha, as esculturas compõem uma aldeia de seres de madeira que chamam a atenção de quem passa.

Zé Bezerra atribui a inspiração de seu trabalho aos espíritos da caatinga. Usualmente, utiliza toras retorcidas, típicas da vegetação nativa, como a umbuarana1, se concentrando no material que encontra caído na mata. Como não corta árvores, frequentemente precisa comprar material em Petrolina. Utilizando formão, grosa, facão e serrote, José Bezerra não esculpe de modo tradicional, procurando submeter a matéria prima a uma forma predeterminada. Ao contrário, esculpe figuras que são sugeridas pela forma natural dos troncos e galhos. Quando são necessários detalhamentos mais precisos, utiliza pregos, gravetos, agulhas de crochê ou qualquer outro artefato que cumpra a função. No caso de trabalhos que unem dois blocos distintos de madeira, utiliza couro ou, até mesmo, tripas de bode. A partir deste método intuitivo, surgem animais domésticos e bichos da região, como cachorros, tatus, socós2, tamanduás e bichos-preguiça. A temática da produção inclui também fomas humanas, que podem ser de corpo inteiro, apenas os rostos, ou até, partes do corpo. 

Esses temas simples, no entanto, resultam em soluções inesperadas. Trabalhando muitas vezes a partir do princípio de séries ou famílias de peças, José Bezerra, constrói figuras tortuosas com economia de entalhes. O aspecto irregular das figuras e a presença marcante das formas naturais da madeira gera uma tensão, como se as personagens lutassem para emergir da matéria. São peças que demandam imaginação do observador, afastando-se do realismo. A proposta estética do artista passa por sugerir uma figura mantendo evidentes a madeira bruta, os instrumentos e gestos que sobre ela agiram. Ainda que não tenha o hábito de nomear suas peças, isso eventualmente acontece, como em Socó. Para aludir à figura do pássaro, o artista talha quase que só o bico do animal, que avança sobre o observador. Aproveitando a curva original do tronco, o escultor posiciona o bico da ave no ponto de culminância de um movimento para frente e para cima, sugerindo a sensação de avanço do pássaro. Este, por sua vez, por conta dos olhos vazados, tem um aspecto de pânico. 

Já no caso das figuras que remetem ao humano, o corpo é representado de modo esquemático: uma cabeça evidentemente talhada que se une a um pescoço que é também tronco, do qual nascem duas longas pernas desproporcionalmente longas, formando uma figura sem braços. Se valendo de simplicidade e concisão, as deformações e a expressividade das esculturas de José Bezerra flertam com o cômico. A forma de trabalhar a madeira, de modo facetado; a presença constante das estruturas originais dos troncos e a expressividade das figuras, dão à produção de José Bezerra um aspecto inacabado, como se as peças desejassem uma continuidade para além de seus contornos.

O artista exibe seu trabalho em mostras coletivas e individuais, desde 2007, em diversos estados brasileiros, assim como na Alemanha, França, Itália e Portugal. Em 2010, realiza uma exposição individual com curadoria de Rodrigo Naves e, em 2015, outra individual, desta vez com curadoria de Tiago Mesquita. Em seu ateliê, Zé Bezerra forma discípulos que desenvolvem suas próprias linguagens a partir dos fundamentos ensinados pelo artista. A curiosidade em torno de seu trabalho estimula a transformação do Vale do Catimbau em pólo turístico, beneficiando a localidade e a região em torno.

Um dos grandes mestres da arte da madeira no Nordeste, ao lado de artistas renomados como Véio, Efrain de Almeida, Nino, Manoel Graciano e Manoel Santeiro, José Bezerra pertence às camadas economicamente desfavorecidas da população brasileira. Trabalhando com técnicas recorrentes da arte dos povos originários e com temas ligados à vida rural, sua produção, no entanto, não deve ser caracterizada com o rótulo de arte popular. Por meio de uma linguagem sintética e expressiva, José Bezerra leva para o mundo a mensagem dos espíritos da caatinga acerca da força e magia dos seres da mata.

Notas

1. Também conhecida como ambaurana, baru, cumaru-do-ceará, cumaru-das caatingas, imburana-de-cheiro, entre outros nomes populares. Nativa da caatinga, possui um cheiro suave, levemente adocicado, e propriedades medicinais úteis no combate a problemas respiratórios. O porte da árvore na mata fechada pode alcançar até 10m de altura. A madeira é medianamente pesada e, embora densa, é macia apresentando um tom amarelado ou rosado. Embora seja resistente, é vulnerável ao ataque de cupins subterrâneos, que podem derrubar galhos ou até a árvore como um todo.

2. Ave que se alimenta de peixes e vive próxima aos rios, lagos e mangues.

Exposições 17

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