Leticia Olivares
Texto
Leticia Maria Olivares Rodrigues (São Paulo, São Paulo, 1971). Atriz, diretora, preparadora corporal. Desenvolve um trabalho artístico pautado na pesquisa corporal pré-expressiva e na perspectiva feminista. Interessa-se por públicos marginalizados, como mulheres portadoras de HIV e detentas, conferindo um sentido social à arte.
Inicia precocemente o contato com as artes do corpo. Aos dois anos, entra para as aulas de balé clássico. Filha de um empresário e de uma pedagoga e artista plástica, ainda criança dirige as duas irmãs mais novas em peças caseiras.
Embora não tenha se formado no balé, sua expressividade corporal é reconhecida. Segue em um instituto de dança clássica e moderna até os 17 anos; aos 12, inicia estudos de teatro e, aos 15, entra para o grupo amador Cia. Avessa de Teatro, dirigido por Lúcia Pacheco e constituído somente por artistas mulheres. Com elas, atua, dirige e escreve entre 1986 e 1991.
Nessa época, pratica “treinamentos rigorosos que envolviam karatê, tai chi chuan, diversas modalidades de dança [...], além de treinos vocais, que [...] traziam a sensação de domínio e precisão para quando estava em cena”1. Como consequência, acumula lesões associadas a vulnerabilidades nos ligamentos e tendência à artrose. A atenção ao corpo se torna fator para a escolha pelo trabalho com atuação.
Aos 18 anos, profissionaliza-se como atriz. Convidada por Lúcia Pacheco, entre 1991 e 2011, trabalha com treinamento corporativo em um teatro-empresa2, na Trupe Hilária, apresentando-se a públicos não convencionais, como agricultores, campesinos e peões de fábricas, por vezes em cima da boleia de um caminhão ou em meio a plantações.
Nos anos 1990, cursa especializações em teatro-físico, yoga, consciência corporal e práticas somáticas. Em 1995, gradua-se em letras no Instituto Presbiteriano Mackenzie, em São Paulo. Em 2002, impactada por um workshop sobre o Odin Teatret, grupo criado em 1964 pelo italiano Eugênio Barba (1936), passa a buscar um teatro fundamentado em partituras corporais, trabalhando com ações físicas como procedimento para composição cênica, com base no repertório de movimentos desenvolvidos.
Um trabalho importante desse período é O mercador de Veneza (2004), dirigido por Cláudio Mendel (1953) e Gonzaga Pedrosa – este, formado no Odin Teatret. Torna-se preparadora corporal de projetos como O arlecchino (2007), do italiano Dario Fo (1926-2016).
Em 2009, conclui a especialização em dança e consciência corporal pelo Centro das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo (FMU/SP). Em 2013, viaja pela primeira vez à Dinamarca para o Odin Week Festival. Em 2015, atua com o Núcleo Arte e Ciência, dirigida por Carlos Palma (1954), na peça Insubmissas: mulheres na ciência e, em 2017, em Prometeu acorrentado, do qual ainda fez a preparação corporal.
Outra vertente determinante na sua trajetória é a perspectiva feminista, presente desde o teatro amador. Em 2009, conhece em Brasília uma das atrizes do Odin Teatret, a britânica Julia Varley (1954), que mantém o Magdalenas Project, uma rede internacional de artistas mulheres. No ano seguinte, encontra a artista feminista Stela Fischer (1977) em um dos eventos do projeto, o Vértice, em Florianópolis, e ingressa, a convite dela, no grupo Magna Mater.
Com Fischer, realiza projetos artísticos envolvendo mulheres portadoras de HIV e vítimas de violência, além da performance e oficina [Des]velhecer (2012). Em 2013, funda, com Léia Rapozo e Mônica Siedler (1980), o coletivo Rubro Obsceno, na praça Roosevelt, em São Paulo. Promovem a Mostra Obscenas e criam, com a artista mexicana Violeta Luna, o espetáculo Para aquelas que não mais estão tratando do feminicídio, a convite da 2ª Bienal Internacional de Teatro realizada pelo Teatro da Universidade de São Paulo (Tusp).
O trabalho se desdobra em módulos, apresentados individualmente ou conjuntamente nos Estados Unidos, Colômbia, Chile e Argentina, além do Brasil. De acordo com o crítico Valmir Santos, “os gritos de guerra contra abusos em projeções originais de passeatas ocorridas em países de língua portuguesa ou espanhola inflamam o espaço que transpira a rua. [...] A sincronização de ativismo político com sedimento poético torna substancial o encontro em Para aquelas que não mais estão. As afinidades estéticas do Coletivo Rubro e de Violeta Luna sustentam o hibridismo de linguagem com razão de ser e um discurso firme e urgente sobre as zonas sombrias da engrenagem capitalista”3.
Em 2016, Letícia inicia um trabalho com mulheres em situação de cárcere na Penitenciária Feminina da Capital (PFC), em São Paulo, ao lado das artistas Sandra Ximenez (1967), Beatriz Cruz (1980) e Vânia Medeiros (1984). Com apoio do Rumos Itaú Cultural publicam o livro Mulheres possíveis: corpo, gênero e encarceramento (2019). “Esse trabalho fez toda diferença na minha trajetória. Apesar de sempre ter tido um lado socio-artístico, esse me fez acreditar numa micropolítica efetiva, que faz diferença no mundo”4, observa a artista.
Em 2017, dirige Juliana Calligaris no solo Janelas para uma mulher, baseando-se na técnica de rasaboxes, desenvolvida por Richard Schechner (1934), para trabalhar os estados emocionais da atriz, tema que estuda em oficinas e como autodidata.
Envolvida em diversos grupos, frequentemente dedicados a um teatro feito às margens do grande público, com espectadores em situações de vulnerabilidade e atenção aos direitos das mulheres, Letícia Olivares serve-se de técnicas corporais para embasar um trabalho artístico interessado em intervir socialmente.
Notas
1. RODRIGUES, Letícia Maria Olivares. Em um corpo só: crônica de uma atriz-pesquisadora em contato com a tradição do Odin Teatret. 2014. 224 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 14. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27156/tde-27022015-163239/publico/LeticiaMariaOlivaresRodrigues.pdf. Acesso em: 16 maio 2022.
2. Prática teatral destinada ao treinamento corporativo e em outros espaços de trabalho para orientação e formação de funcionários.
3. SANTOS, Valmir. Topografia da dor. Teatrojornal, 25 jan. 2016. Disponível em: http://teatrojornal.com.br/2016/01/topografia-da-dor/. Acesso em: 16 maio 2022.
4. OLIVARES, Letícia. Letícia Olivares. [Entrevista cedida por telefone a] Luciana Romagnolli. 16 maio 2022.
Espetáculos 1
Fontes de pesquisa 7
- COLETIVO RUBRO OBSCENO. Blog Oficial do Coletivo. São Paulo, 2020. Disponível: www.rubroobsceno.blogspot.com/p/blog-page.html. Acesso em: 14 set. 2020.
- COLETIVO TEATRO DODECAFÔNICO. Site Oficial do Coletivo. São Paulo, 2020. Disponível em: www.coletivoteatrododecafonico.com. Acesso em: 14 set. 2020.
- MULTICIDADE: Festival Internacional de Mulheres nas Artes Cênicas. [DES]VELHECER Leticia Olivares [BRASIL] - Oficina. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: www.multicidade.com/portfolio/desvelhecer. Acesso em: 14 set. 2020.
- OLIVARES, Leticia. [Currículo]. Enviado pela artista em: 11 nov. 2017.
- PASCALE, Ademir. Projeto realizado na Penitenciária Feminina da Capital lança livro com textos e imagens produzidas durante laboratórios de criação. Revista Conexão Literatura, 2019.. Disponível em: http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/2019/12/projeto-realizado-na-penitenciaria.html. Acesso em: 16 maio 2022.
- RODRIGUES, Letícia Maria Olivares. Em um corpo só: crônica de uma atriz-pesquisadora em contato com a tradição do Odin Teatret. 2014. 224 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27156/tde-27022015-163239/publico/LeticiaMariaOlivaresRodrigues.pdf. Acesso em: 16 maio 2022.
- SANTOS, Valmir. Topografia da dor. Teatrojornal, 25 jan. 2016. Disponível em: http://teatrojornal.com.br/2016/01/topografia-da-dor/. Acesso em: 16 maio 2022.
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LETICIA Olivares.
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Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa488245/leticia-olivares. Acesso em: 04 de maio de 2025.
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ISBN: 978-85-7979-060-7