Maria Olenewa
Texto
Maria Olenewa (Moscou, Rússia, 1896 – São Paulo, São Paulo, 1965). Bailarina, coreógrafa, professora e fundadora da primeira escola de dança clássica profissionalizante do Brasil. Inicia os estudos de balé em sua cidade natal, na Academia Nelidowa, e estreia na Ópera de Zemin. Em 2016, muda-se para Paris com os pais, que fogem da Revolução Russa (1917). Torna-se a primeira-bailarina da companhia da compatriota Anna Pavlova (1881-1931).
Viaja pela Europa e pelas Américas. Apresenta-se na Argentina e no Brasil, em 1918. Volta a apresentar-se no Brasil, em 1921, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro com a companhia do bailarino russo naturalizado americano Léonid Massine (1896-1979). Volta ao Rio em 1923, como estrela da temporada lírica, com destaque para a participação nas óperas Salomé, do compositor alemão Richard Strauss (1864-1949), e Aída, do italiano Giuseppe Verdi (1813-1901). Atua entre 1922 e 1924 no Teatro Colón de Buenos Aires, do qual é professora e diretora da Escola de Dança. Em 1926, fixa residência no Rio de Janeiro e volta à cena no teatro de revista com o partner Ricardo Nemanoff e duas das irmãs Carbonell, Luíza (1900-1985) e Maria (1895-1973).
Com apoio do crítico Mário Nunes (1886-1968), do Jornal do Brasil, propõe, em 1927, a criação de uma escola de dança para o Theatro Municipal da cidade. Em abril, nasce a Escola Oficial de Bailados, pioneira no país na formação de bailarinos. Seis meses depois, os alunos participam da temporada lírica e do primeiro espetáculo de balé. Em 1931, as atividades da instituição são oficializadas por decreto municipal, e passa a se chamar Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal. Em 1934, o Municipal recebe os Ballets Russes, de Serge Lifar (1905-1986).
Em 1935, Olenewa ganha cidadania brasileira e deixa os palcos para dedicar-se à formação da dança no país. No ano seguinte, é criado o Corpo de Baile do Theatro Municipal, uma companhia independente da escola, e os bailarinos contratados ganham salário mensal. Maria Olenewa torna-se diretora da Escola e do Corpo de Baile. Em 1939, ela recebe o tcheco Vaslav Veltchek (1896-1967), coreógrafo atuante em Paris. Em conjunto, elaboram o programa de uma bem-sucedida temporada. Nesse mesmo ano, na Quinta da Boa Vista, o grupo dança O Maracatu do Chico-Rei, com coreografia dela e música de Francisco Mignone (1897-1986). Em 1942, o Theatro Municipal do Rio recebe o Original Ballets Russes, depois de já ter abrigado a apresentação do Ballet Russe de Monte Carlo.
Durante a temporada de 1942, Olenewa pune fisicamente duas alunas atrasadas para a apresentação da ópera La Traviatta. Acionada na Justiça pelos pais das meninas, é afastada da direção. Em 1943, é exonerada. No mesmo ano, muda-se para São Paulo, onde dirige a Escola de Bailados do Theatro Municipal. Pede demissão em 1948 para abrir sua academia. No ano seguinte, cria a companhia de dança São Paulo Ballet.
No cinquentenário do Theatro Municipal carioca, em 1959, recebe a encomenda para montar Evocação de Duas Épocas. Seu retorno reúne críticos, ex-alunos e amigos, em calorosa acolhida. Em 1963, recebe o título de cidadã paulistana da Câmara Municipal de São Paulo.
Análise
O legado de Olenewa é imenso: “Abriu a primeira escola profissional de dança deste país e fundou a primeira – e até hoje a maior e mais constante – de nossas companhias estatais de dança. Nossa dança nasce com ela”, registra o crítico Antônio José Faro (1933-1991)1.
Os jornais da época apontam o impacto de sua passagem pelo Theatro Municipal, em 1923, como intérprete de grande categoria, segundo registro do historiador de dança Eduardo Sucena: “A bailarina Olenewa dançou com tanta vida, expressão e sentimento o bailado dos sete véus, que, ao terminar, qualquer espectador lhe daria, como Herodes, talvez mesmo sem a resistência deste, a cabeça de João Baptista”, publicou um jornal carioca em 12 de setembro de 19232.
Na “Dança dos Sete Véus” da ópera Salomé, regida pelo próprio compositor, Richard Strauss, Maria Olenewa obtém um dos maiores êxitos de sua carreira: é ovacionada pelo público e homenageada pelo autor. Entusiasmado por sua interpretação, ele arranca da partitura o trecho da dança e entrega à bailarina com a dedicatória: “A Maria Olenewa, en signe d’estime et considération – ass. Richard Strauss” (A Maria Olenewa, em sinal de estima e consideração - ass. Richard Strauss).
A arte da intérprete alimenta o ofício da professora. Em 1927, o primeiro espetáculo da então Escola de Bailados do Theatro Municipal traz um título curioso para uma coreografia: Como se Faz uma Bailarina. É uma demonstração dos passos básicos da escola clássica. O título revela o enfrentamento, por parte da mestra, da concepção artística aliada a um processo de aprendizado.
Pioneira, luta para levar adiante a formação de uma escola e de um corpo de baile brasileiros. Exigente, segue a disciplina e a rigidez da escola russa. Sem ajuda financeira no início da escola, arca com as despesas das apresentações, penhorando pertences pessoais e objetos de casa. Sua persistência dá frutos: “Da pequena Escola de Dança saiu o atual Corpo de Baile do Theatro Municipal e a sua famosa Escola de Ballet”3, diz Maria Olenewa.
Graças à formação e à experiência anterior, ela convence o poder público de que é preciso investir em uma escola para preparar bailarinos e criar uma companhia consistente, aliando a formação à atuação artística. Em curto período – entre a oficialização da Escola, com decreto de 1931, e a criação do Corpo de Baile, em 1936 –, obtém resultados palpáveis: a escola passa a ter dois cursos regulares – o preparatório, de um ano; o superior, de dois anos – e o curso especial para solistas. Em 1932, as irmãs Carbonell já possuem o título de solistas, e o estoniano naturalizado brasileiro Yuco Lindberg (1906-1948), o de primeiro-bailarino.
Maria Olenewa firma grandes parcerias, como a de Serge Lifar, com quem coreografa espetáculos de balé e de ópera. A vinda dele ao Brasil, em 1934, para a temporada lírica do Theatro Municipal, é importante na formação do grupo de bailarinos da agora Escola de Danças Clássicas, que tem a oportunidade de conviver com um dos artistas mais reconhecidos da época. A participação de alunos em montagens daquela temporada, com destaque L’Après-Midi d’un Faune, com o próprio Lifar, é um momento ímpar da Escola. Em 1939, a presença de Veltchek em uma temporada bem-sucedida também cria perspectivas para os jovens talentos. Tais parcerias funcionam como contraponto para as críticas e dirigidas à Escola, evidenciando que é necessário mais investimento público em formação de bailarinos.
Em 1937, com a promoção da aluna Madeleine Rosay (1924-1996) à primeira-bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, concretiza-se o ideal de Olenewa: tornar a Escola de Danças Clássicas um celeiro para o Corpo de Baile. Madeleine é a primeira brasileira a receber esse título, confirmando a importância da formação em dança. Assim como no Brasil, a presença de Maria Olenewa na Argentina é significativa para a dança clássica. Tanto em Buenos Aires quanto no Rio de Janeiro e em São Paulo, ela tem atuação importante para desvincular o balé da ópera. Consegue isso ao lutar pelo reconhecimento da dança como arte independente e contra o preconceito das famílias dos profissionais que escolhem esse ofício.
Maria Olenewa recebe muitas homenagens póstumas. Em 1983, a Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal passa a se chamar Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, em reconhecimento à artista que dá ao Brasil um bailado próprio e, com seus alunos, cria um ambiente propício ao ensino da dança no país.
Notas
1. FARO, Antonio José. . Rio de Janeiro: Fundacen, 1988. p. 28.
2. SUCENA, Eduardo. A Dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura: Fundação Nacional de Artes Cênicas, 1989. p. 150.
3. OLENEWA, Maria apud PAVLOVA, Adriana. Maria Olenewa: a sacerdotisa do ritmo. Rio de Janeiro: Funarte: FundaçãoTheatro Municipal do Rio de Janeiro, 2001.
Espetáculos 2
Fontes de pesquisa 6
- CAMINADA, Eliana. Escola Estadual de Danças Maria Olenewa. Blog da Caminada. Disponível em: http://blogdacaminada.wordpress.com/2012/05/02/248/. Acesso em: 20 jan. 2020
- FARO, Antonio José. A dança no Brasil e seus construtores. Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Artes Cênicas, 1988.
- LEE, Ana; SILVA JUNIOR, Paulo Melgaço da. Escola Estadual de Dança Maria Olenewa: um sonho feito de cores. Rio de Janeiro: Escola Estadual de Dança Maria Olenewa: Fundação Teatro Municipal do Rio de Janeiro, 2008.
- PAVLOVA, Adriana. Maria Olenewa: a sacerdotisa do ritmo. Rio de Janeiro: Funarte: Fundação teatro Municipal do Rio de Janeiro, 2001.
- SILVA JUNIOR, Paulo Melgaço da. Escola Estadual de Dança Maria Olenewa – 75 anos: a história que fez estórias. Rio de Janeiro: Imprinta, 2002.
- SUCENA, Eduardo. A dança teatral no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Cultura: Fundação Nacional de Artes Cênicas, 1989.
Como citar
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MARIA Olenewa.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa482530/maria-olenewa. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7