Tiganá Santana

Tiganá Santana, 2019
Texto
Tiganá Santana Neves Santos (Salvador, Bahia, 1982). Cantor, compositor, instrumentista, poeta, pesquisador. Sua obra convida ao movimento, ao transe e à delicadeza. O seu fazer musical, artístico e político, impele ao reconhecimento e à vivência de uma sonoridade afro-brasileira, endereçada à diáspora negra. Ao mesmo tempo, revela a experiência do que é ser negro na periferia do capitalismo.
Tiganá cresce para se tornar diplomata. O incentivo da mãe, militante do Movimento Negro Unificado (MNU) e uma das fundadoras do Bloco Ilê Ayê, Arany Santana, pressupõe “quebrar a barreira racista do Itamaraty”1. Todavia, o contato com a música aos 14 anos e o curso de filosofia fazem com que a diplomacia não encontre lugar em seus projetos. Decide, então, combinar arte e vida acadêmica.
A combinação entre as duas instâncias busca superar a hegemonia eurocêntrica, enfocando os ensinamentos da África. Origem e ancestralidade ganham destaque em suas canções e em seus estudos acadêmicos.
O próprio violão, denominado como “violão-tambor”, possui afinação, textura e disposição cordofônica próprias2. Sintetiza a especificidade sonora do artista e sua atuação política uma vez que o tambor é um instrumento ligado às culturas de matrizes africanas.
Poliglota, Tiganá é considerado o primeiro artista brasileiro a compor em língua Africana, nos idiomas quicongo, quimbundo, wolof e mandinka. As canções “Nzambi Kakala Ye Bikamazu”, “Lusuki”, “Mama Kalunga”, “Mpangi Mbote”, quase rezas, mantras, são alguns exemplos desse virtuosismo.
Sua produção também cruza a África com o português-brasileiro, inglês, francês e espanhol. “Le Mali Chez la Carte Invisible” é um recado aos colonizadores em sua própria língua. “É uma canção num francês crioulizado para dar a dimensão da reconstituição, das respostas, do redesenho à uma situação colonial. Você responde usando a língua de quem impôs”3. Essa profusão linguística, em conjunto com a musicalidade própria, gera múltiplas singularidades, com o objetivo de descolonizar o fazer musical.
Nas palavras do pesquisador Marcos dos Santos, as referências de Tiganá nas canções de matriz africana, “se mostra como elemento transgressor desta cadeia musical monocromática e se insere dentro de uma perspectiva de produção musical que busca o diverso, tal qual o nosso sistema de educação musical deveria estar alicerçado”4. A relação com o candomblé, iniciada na infância, também é parte constitutiva da vida e das canções de Tiganá que o considera uma “prática estruturante”5 de seu cotidiano.
A força dos orixás como constituinte do ser é revelada pelo título do primeiro disco, Maçalê (2010), cujo significado é “o poder do orixá em mim”. Não por acaso, o disco abre com a “fala”, a bênção, de Mãe Zulmira. Essa bênção pode ser entendida como direcionada ao artista que ora estreava quanto àquele que migrava à cidade de São Paulo no mesmo ano de lançamento do disco, ou seja, em 2010.
O desembocar das águas, do rio ou do mar, é tema constante em suas canções. A canção “Reverência” dedica-se à orixá Oxum, mãe das águas doces. “Encarnações em Kodya”, presente em The Invention of Colour (2013) e em Tempo & Magma (2015) são outros exemplos dessa temática estruturante. O tema também aparece na canção “Mama Kalunga”, título homônimo do disco da cantora Virgínia Rodrigues (1964), produzido por Tiganá em 2015. A canção “Vazante”, como o próprio título anuncia, também formaliza o desaguar, o movimento.
Vencedor em 2008 do “Edital de Apoio a Conteúdo Digital de Música” da Secretaria de Cultura da Bahia, Tiganá produz o primeiro disco. Em 2010, junto com Virgínia Rodrigues, apresenta-se na Cúpula Internacional das Nações Unidas, participa de programa na rádio BBC de Londres, apresenta-se no festival Belga Sfinks, além de gravar um programa para um dos principais canais de televisão da Suécia, a TV4.
Em 2013, com apoio da Unesco, realiza uma residência artística em Toubab Dialaw, no Senegal. Dessa estada, surge a possibilidade de produzir Tempo & Magma, e novas parcerias. Como relata Tiganá: “essa experiência artística reverbera até hoje [...]. Lá conheci músicos do Senegal, Mali e Guiné Conacri [...]”6.
Tempo & Magma é lançado no Japão, na Europa e na Oceania, sendo considerado o quarto disco mais baixado na Europa segundo o World Music Charts. A revista inglesa Songlines elege-o como um dos dez músicos mais relevantes atualmente no país.
O reconhecimento internacional e nacional coloca-o como um dos expoentes da música brasileira do tempo presente. A caracterização de sua obra não figura no samba, na MPB, ou na chamada World Music. A obra de Tiganá compõe uma nova história dentro da música brasileira, em que várias camadas (marés) de sentido se fundem.
A referência musical de matriz africana que estrutura as suas canções é uma imersão às águas da diáspora – por isso o tema do mar e dos rios – de um ponto de vista soteropolitano que incorpora elementos do mundo na globalização. Sua musicalidade materializa uma força ancestral que transita entre mares (Kalunga). Revela resistência num corpo-melodia-pensamento em que a negritude ganha força. A sofisticação das canções é chama acesa para que a história e a memória da cultura afro-brasileira sejam consagradas.
Notas
1. SANTANA, Tiganá. In: SILVA, Luciane Ramos. Tiganá Santana: filosofia Kalunga em Deságue. O Menelick 2o ato, São Paulo, 1 ago. 2015. Disponível em: < http://www.omenelick2ato.com/musicalidades/tigana-santana >. Acesso em: 22 fev. 2018.
2. INSTITUTO Cravo Albin. Tiganá Santana. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro. Disponível em: < http://dicionariompb.com.br/tigana-santana/biografia >. Acesso em: 5 mar. 2019.
3. SANTANA, Tiganá. In: SILVA, Luciane Ramos. Tiganá Santana: filosofia Kalunga em Deságue. O Menelick 2o ato, São Paulo, 1 ago. 2015. Disponível em: < http://www.omenelick2ato.com/musicalidades/tigana-santana >. Acesso em: 22 fev. 2018.
4. SANTOS, Marcos. Apontamentos para um estudo do Significado Musical na obra de Tiganá Santana. In: I SEMINÁRIO de Psicologia da Música e Educação Musical, 2016, Feira de Santana. Anais ... Feira de Santana, Bahia, 2016. p. 8.
5. MIDLEJ, Roberto. Culto e criado no candomblé, Tiganá Santana brilha e expande atuação artística. Correio 24 Horas, Salvador, 7 jun. 2015. Disponível em: < https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/culto-e-criado-no-candomble-tigana-santana-brilha-e-expande-atuacao-artistica/ >. Acesso em: 5 mar. 2019.
6. SANTANA, Tiganá. In: SILVA, Luciane Ramos. Tiganá Santana: filosofia Kalunga em Deságue. O Menelick 2o ato, São Paulo, 1 ago. 2015. Disponível em: < http://www.omenelick2ato.com/musicalidades/tigana-santana >. Acesso em: 22 fev. 2018.
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Fontes de pesquisa 6
- CORREIO NAGÔ. Diálogos Ausentes: Tiganá Santana discute sobre presença negra na música. Correio Nagô, Salvador. Disponível em: https://correionago.com.br/portal/dialogos-ausentes-tigana-santana-discute-sobre-presenca-negra-na-musica/. Acesso em: 2 mar. 2019
- GELEDÉS Instituto da Mulher Negra. Tiganá Santana participa do primeiro encontro da série Diálogos Ausentes sobre o negro na música. Portal Geledés, 4 jul. 2017. Patrimônio cultural. Disponível em: https://www.geledes.org.br/tigana-santana-participa-do-primeiro-encontro-da-serie-dialogos-ausentes-sobre-o-negro-na-musica/. Acesso em: 3 mar. 2019
- INSTITUTO Cravo Albin. Tiganá Santana. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/tigana-santana/biografia. Acesso em: 5 mar. 2019
- MIDLEJ, Roberto. Culto e criado no candomblé, Tiganá Santana brilha e expande atuação artística. Correio 24 Horas, Salvador, 7 jun. 2015. Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/culto-e-criado-no-candomble-tigana-santana-brilha-e-expande-atuacao-artistica/. Acesso em: 5 mar. 2019
- SANTOS, Marcos. Apontamentos para um estudo do Significado Musical na obra de Tiganá Santana. In: I SEMINÁRIO de Psicologia da Música e Educação Musical, 2016, Feira de Santana. Anais […], Feira de Santana, Bahia, 2016. p. 1-8
- SILVA, Luciane Ramos. Tiganá Santana: filosofia Kalunga em Deságue. O Menelick 2o ato, São Paulo, 1 ago. 2015. Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/musicalidades/tigana-santana. Acesso em: 22 fev. 2018
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TIGANÁ Santana.
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