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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

J. Altair

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 08.01.2024
13.08.1934 Brasil / Rio Grande do Sul / Porto Alegre
15.02.2013 Brasil / Rio Grande do Sul / Porto Alegre
João Altair de Barros (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1934 – Idem, 2013). Pintor, babalaô. Um dos expoentes da arte naïf em Porto Alegre, autor de pinturas de colorido intenso, que exploram a visualidade primitivista por meio do diálogo com a iconografia iorubá tradicional e os temas do universo religioso afro-brasileiro.

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João Altair de Barros (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1934 – Idem, 2013). Pintor, babalaô. Um dos expoentes da arte naïf em Porto Alegre, autor de pinturas de colorido intenso, que exploram a visualidade primitivista por meio do diálogo com a iconografia iorubá tradicional e os temas do universo religioso afro-brasileiro.

A tradição religiosa, que permeia todo o substrato da vida social na cultura iorubá, está presente nas pinturas de J. Altair. Babalaô da nação Ijexá, o artista é filho de Bará e, por isso, conhecido como João do Bará, o orixá mensageiro1

Sua trajetória na pintura remonta à década de 1950, quando se torna aluno de Vicente Perlasca, pintor de origem suiça atuante em Porto Alegre entre os anos 1940 e 1950. Nas obras Obá-daí e Exú-Tiriri, ambas de 1967, o aprendizado de noções tradicionais de desenho e pintura é notado na busca de verossimilhança no traçado das figuras e na indicação de volumetria por meio do claro-escuro. Os tons de amarelo e vermelho, apesar de fortes, afastam-se das gradações puras para se aproximarem da aparência dos materiais que representam. Sobre o fundo neutro, o foco se concentra nas figuras humanas, como na tradição pictórica ocidental de representação de divindades. Nessa fase, os temas são o principal ponto de conexão do pintor com suas raízes religiosas. A atenção aos detalhes simbólicos das vestimentas e adereços dos orixás serve tanto à preservação dessa sabedoria como à invocação de seus poderes. Essa ligação religiosa torna a pintura do artista quase uma extensão de seu trabalho como babalaô, sacerdócio cuja iniciação envolve o aprendizado de vasta tradição oral e visual.

Nas décadas de 1960 e 1970, trabalha em São Paulo, engaja-se em movimentos sociais e se candidata a vereador. Realiza exposições no Paço das Artes e participa de feiras de arte e artesanato na Praça da República, Praça Roosevelt e em Embu das Artes. Altera os rumos iniciais de sua produção e começa a explorar formas simples e planas, de cores abertas e circunscritas por contornos pretos, como em Santo guerreiro (1971), representando São Jorge, um dos símbolos do sincretismo religioso brasileiro. 

De volta a Porto Alegre, realiza diversas exposições que trazem visibilidade para as artes negra e naïf da região. Em 1972, realiza mostra individual na Galeria do Banco Ítalo-Belga. Em novembro do ano seguinte, inaugura a exposição Três pintores negros, ao lado dos artistas Maria Lídia Magliani (1946-2012) e Paulo Chimendes (1954). Organizada pelo Grupo Palmares no Teatro de Câmara Túlio Piva, em Porto Alegre, a exposição integra um ciclo de atividades que homenageiam o líder negro Zumbi dos Palmares (1655-1695) e propõe a data de sua morte como Dia Nacional da Consciência Negra. O pintor participa ainda da Exposição coletiva de ingênuos e primitivos, primeira mostra de arte popular realizada pelo Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), em 1975. 

Em uma de suas obras de temática cristã, A ressurreição (1977), mesmo ao flertar com resquícios do sombreado naturalista, o artista faz uso de cores que não recuam, mas disputam o primeiro plano do quadro. Entre os anos 1980 e 1990, as figuras se simplificam ainda mais, reduzidas a perfis, muitas vezes, em rituais coletivos. Em A sagrada família (1989), figura e fundo se misturam e todos os espaços são ativamente preenchidos. Já a pintura Sagrado e profano (1992) representa um ritual sincrético, no qual figuram anjos, oferendas de animais e estandartes com pontos riscados de entidades africanas. Ao se aproximarem das imagens do cordel e dos quadrinhos, essas obras se situam entre a singeleza da arte popular e a imediatez da pop art.

O desenho do artista se transforma significativamente ao longo da década de 1990. Já não se tratam de representações humanas naturalistas ou ingenuamente simplificadas, mas de figuras repletas de estilizações geométricas. Em A posição de joelho, o culto da fertilidade (1995), as cores disputam em intensidade com o preto chapado das figuras ajoelhadas, postura associada na religião iorubá a pedidos por fertilidade (iunkule abiamo) que não podem ser recusados pelas divindades. Suas telas abandonam as narrativas complexas e retornam ao caráter icônico centrado em poucas figuras, como em Sarapebé (2010).

As naturezas-mortas/oferendas, que o artista insere nesta e em outras pinturas, além dos valores compositivos de cores e formas, exploram a conexão dos alimentos com divindades específicas. É neste momento que a pintura de J. Altair conquista a visualidade que melhor a caracteriza. Cores e contornos se intensificam e assumem formas esquemáticas que parecem esculpidas. Figura e fundo são chapados, quase sem uso de claro escuro, com exceção de alguns frutos. Altair dialoga conscientemente com a visualidade primitivista, notada na redução da paleta aos tons elementares, no geometrismo das figuras e, sobretudo, no esquema anatômico que dialoga com a escultura tradicional iorubá. 

Desde o início da carreira, J. Altair se vincula à tradição da arte religiosa iorubá, principalmente por meio dos temas que retrata. Com o amadurecimento de sua poética, esse universo passa a construir a plasticidade das pinturas, buscando modelos nas formas artísticas tradicionais africanas. Com um amálgama de diferentes culturas visuais, a produção de J. Altair expande os campos da arte naïf e da arte afro-brasileira. 

Nota

1. Babalaô (pai dos segredos) é um sacerdote do culto de Ifá, cultura religiosa iorubá, cujo princípio é o equilíbrio de toda a criação, considerada sagrada. O Ifá é composto por um código ético e um sistema de adivinhações, formado por 256 odu, 16 maiores e o restante menores.

Exposições 7

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Fontes de pesquisa 15

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  • ALMEIDA, Maria Inez Couto de. Cultura iorubá: costumes e tradições. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2006.
  • BEVILACQUA, Juliana Ribeiro da Silva; SILVA, Renato Araújo da. África em artes. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2015.
  • BRITO, Patrícia. Ingênuo e primitivo, um tributo a J. Altair. Porto Alegre, Black Brazil Art, 2014. Disponível em: https://issuu.com/blackbrazilart/docs/ingenuo. Acesso em: 21 ago. 2022.
  • CAMPOS, Deivison Moacir Cezar de. O Grupo Palmares (1971-1978): um movimento negro de subversão e resistência pela construção de um novo espaço social e simbólico. 2006, 196 f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006. Disponível: https://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/3984. Acesso em: 8 set. 22.
  • MARGS. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2011.
  • MINUTO, Lelia. O artista/The artista. J. Altair Naif (blog). Porto Alegre, 2013. Disponível em: http://jaltairnaif.blogspot.com/p/o-artista.html?m=1. Acesso em: 10 maio 2017.
  • MUSEU de Arte do Rio Grande do Sul. Exposição coletiva de ingênuos e primitivos. Documentos da exposição. Porto Alegre: MARGS, 1975. Disponível em: https://acervo.margs.rs.gov.br/atividades-do-margs/exposicao-coletiva-de-ingenuos-e-primitivos/. Acesso: 3 ago. 2022.
  • MUSEU de Arte do Rio Grande do Sul. João Altair Barros. Porto Alegre: MARGS, disponível em: https://acervo.margs.rs.gov.br/artistas-participantes/joao-altair-de-barros. Acesso: 3 ago. 2022.
  • OBINO, Aldo. Cinco primitivos gaúchos. Correio do Povo, Porto Alegre, 5 abr. 1975.
  • PRESSER, Décio. J. Altair, um dos ingênuos do MARGS. Folha da Tarde, Porto Alegre, 15 abr. 1975.
  • SASSI, Maria Helena. Pintura naïve: conceitos, características e análises (quatro exemplos em São Paulo). São Paulo: Editora Unesp, 2014.
  • SPINELLI, Teniza de Freitas. Ingênuos e primitivos gaúchos no Museu de Arte. Correio do Povo, Porto Alegre, 5 abr. 1975.
  • TRIBUNA Afro Brasileira. João Altair de Barros: um brasileiro que conquistou o mundo com a arte negra. Tribuna Afro Brasileira, ano XXV, n. 409, jul.-ago. 2014, p. 16 . Disponível: https://pt.calameo.com/books/001382020300d34357cf3. Acesso em: 11 jul. 2022.
  • VARGAS, Pedro Rubens. O óbvio ainda pode surpreender. Porto Alegre: Secretaria da Cultura de Porto Alegre. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smc/usu_doc/exposicao_pedro_rubens.pdf. Acesso em: 11 jul. 2022.
  • VARGAS, Pedro Rubens. O óbvio ainda pode surpreender. Porto Alegre: Secretaria da Cultura de Porto Alegre. Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smc/usu_doc/exposicao_pedro_rubens.pdf. Acesso em: 11 jul. 2022.

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