Aurel von Milloss
Texto
Biografia
Aurel von Milloss (Ozora, Hungria, 1906 - Roma, Itália, 1988). Bailarino, coreógrafo, maître de ballet,1 teórico e diretor. Estuda filosofia, literatura e história da arte na Universidade de Budapeste. Descobre a dança ainda criança, ao ter aulas, entre 1913 e 1915, no curso regular da Ópera Real de Budapeste com o coreógrafo e professor de balé clássico Nicola Guerra (1865-1942). De 1916 a 1925, aprimora sua formação com os professores Anton Romanowski, em Bucareste, Romênia; Elena Poliakowa, em Belgrado, Iugoslávia; e Olga Preobrajenska (1871-1962), em Paris. Muda-se para Berlim em 1926 e ingressa na escola Herta Labanschule Feist,2 familiarizando-se com as teorias e as práticas de dança estabelecidas pelo coreógrafo e dançarino Rudolf von Laban (1879-1958).
Entre 1927 e 1928, obtém o diploma do Instituto de Coreografia Laban, e faz aulas com o bailarino e professor Enrico Cecchetti (1850-1928), em Milão. Seu primeiro espetáculo solo como bailarino acontece em 1928, na galeria de arte Der Sturm, em Berlim. Nessa cidade, assina contrato para atuar na temporada de 1928-1929 da Staatsoper e também tem aulas de balé com o coreógrafo Victor Gsovsky (1902-1974). Em 1932, cria sua primeira coreografia de grupo, HMS Royal Oak, com o Bühne Junge Wroclaw, em Breslau, Polônia. Dirige, coreografa e dança, de 1932 a 1934, em Augsburg, elaborando os balés O Pássaro de Fogo e Pulcinella, ambos com músicas compostas por Igor Stravinsky (1882-1971). Coreografa na Ópera de Budapeste sua versão para o balé Petrushka (1933). Em 1934, é contratado como diretor e coreógrafo da Ópera de Düsseldorf.
Depois de diversos espetáculos na Alemanha, Iugoslávia e Romênia, foge da Alemanha nazista, em fins de 1935, por razões políticas e acusações referentes à homossexualidade. Em 1936, fixa residência em Budapeste, atuando como diretor adjunto de Antal Németh, no Teatro Nacional da Hungria, e cria sua própria escola. O sucesso da coreografia Aeneas (1937), em que Milloss interpreta e coreografa ao lado da bailarina italiana Bianca Gallizia (1902-2000), em Nápoles, garante-lhe o cargo de diretor, coreógrafo e primeiro bailarino do Teatro Reale dell’Opera de Roma. Lá permanece de 1938 a 1945. Atua como coreógrafo do Corpo de Baile do Teatro Scala de Milão de 1946 a 1947, depois trabalha como coreógrafo convidado do Ballets des Champs-Élysées (França), em 1947. Cria Marsia e Orfeu, em 1948, que estreia na Bienal de Veneza. Coreografa, em 1949, para o teatro de Estocolmo e para o Teatro Colón, de Buenos Aires. Na mesma época, colabora com o teatro Maggio Musicale Fiorentino e elabora Ballata Senza Musica (1950).
De 1951 a 1952, retorna para o Corpo de Baile do Teatro Scala de Milão. Para o Grand Ballet du Marquis Cuevas, cria Coup de Feu (1953). Nesse mesmo ano, é contratado como coreógrafo, diretor e maître de ballet do Ballet 4º Centenário de São Paulo. Concebe, até 1954, 17 balés. Atua como diretor e coreógrafo de dança da Ópera de Roma de 1955 a 1957 e do Teatro Massimo de Palermo nas próximas duas temporadas. É contratado com funções semelhantes na Ópera de Colônia, passando por três temporadas (1960-1963). Recebe a cidadania italiana em 1960. De 1963 a 1966, trabalha como coreógrafo e diretor de dança da Staatsoper, de Viena. Na Itália, de 1966 a 1969, no Teatro dell’Opera de Roma, atua como coreógrafo e diretor de dança. É novamente contratado como coreógrafo e diretor de dança da Ópera de Viena (1971-1974). Coreografa seu último trabalho, La Rivolta di Sisifo (1977), para o Scala de Milão.
Sua obra compreende 177 balés. Escreve Coreosofia: Scritti sulla Danza (1942) e assina os textos: La Nuova Accademia Statale di Danza (1929), La Relazione tra Balletto e Nuova Danza è un Compromesso (1931?), Le Direzioni della Critica (1931), Theatertanz Aristocratico e Proletario (1933), Il Teatro di Danza a Düsseldorf (1934), Balletti e Malintesi (1945), Balletto e Opera (1969), Un Manifesto per la Danza (1973), entre outros. Colabora como consultor na Enciclopedia dello Spettacolo, publicação italiana fundada por Silvio D’Amico, na qual a dança é, pela primeira vez na Itália, associada ao conceito de arte. Em 1981, intervém na 1ª Conferenza Nazionale sulla Danza, com Discorso sull’evoluzione Storica del Balletto in Italia, texto ainda inédito. Morre em 1988 e suas cinzas são guardadas no Cemitério Protestante de Roma.
Análise
Com uma sólida formação, Aureliovon Milloss é reconhecido como um intelectual das artes. Sua profícua carreira artística inclui uma trajetória bem sucedida como bailarino em diversas companhias europeias. Isso favorece seu trânsito em distintas culturas, permitindo um aprimoramento de sua experiência artística. Coreograficamente, é o conceito de Laban sobre o movimento e as tensões espaciais que alimentam seu fazer, numa proposta de compreender a dança sem as amarras das convenções habituais das regras da dança clássica acadêmica.
Os Ballets Russes, de Diaghilev, que Milloss assiste em Paris, também operam como estímulo no seu processo criador ao promover o entendimento da necessidade de colocar em diálogo distintas áreas do saber – a composição, a cenografia e o figurino em colaboração com a coreografia – para tornar o espetáculo mais rico. Apaixonado pela música, tem nas composições de Stravinsky e Bartók sua inspiração. Com eles, Milloss trabalha nas várias releituras das obras de Diaghilev que faz. As parcerias rendem 17 obras com a composição de Stravinsky – que explora a riqueza na complexidade dos arranjos harmônicos – e sete de Bartók, que traz argumentos sonoros mais sombrios. Nas criações de Milloss há uma variante dramatúrgica que cultiva aspectos do cômico, do mitológico, do lúdico e do grotesco, discutindo circunstâncias políticas e sociais.
Detentor de requinte cultural e sensibilidade, Milloss se aproxima da elite artística em cada país em que trabalha. Compositores como o italiano Goffredo Petrassi (1904-2003), o húngaro Sándor Veress (1907-1992), o austríaco Arnold Schönberg (1874-1951), o francês Edgar Varèse (1883-1965), os brasileiros João de Sousa Lima (1898-1982), Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e Francisco Mignone (1897-1986) e artistas plásticos como os italianos Gino Severini (1883-1966) e Corrado Cagli (1910-1976) e os brasileiros Candido Portinari (1903-1962) e Burle-Marx (1909-1994), entre outros, fazem parte de seu círculo de amizades. As interlocuções de Milloss sublinham a junção da dança às outras artes, fomentando um lugar de destaque para a dança e captando as referências culturais de cada sociedade.
Sempre tive um sonho, aquele de envolver no ballet os compositores importantes, vivos, parti no pós-guerra com Petrassi e Dallapicola, encenei balés com músicas de Varèse, Bério, Ligeti, Bussotti... Mas, pouco a pouco, me dei conta que os compositores amavam cada vez menos a dança, e que era sempre mais difícil criar espetáculos novos. Nunca abandonei o ‘meu’ Bartók, tive fé nas minhas origens e nos meus ideais. Até quando pude.3
As duas guerras mundiais por quais passa o separam de sua terra natal, mas permanecem em sua memória as festas tradicionais e as danças folclóricas, que também funcionam como ferramentas para a composição. Sua passagem pelo Brasil, mesmo rápida, é bastante significativa. Como diretor, coreógrafo e maître de ballet do Ballet 4º Centenário, Milloss consagra um estilo marcante nos 17 espetáculos que coreografa, bem como simboliza um acontecimento ímpar no sentido de renovar o entendimento de dança no país.
Por várias circunstâncias, como sublinha a pesquisadora Patrizia Veroli, o legado artístico de Milloss desaparece completamente. Seu caráter exigente e perfeccionista fez com que não deixasse seus alunos perpetuarem seu trabalho. De cerca 177 balés, realizados em 45 anos, permanecem os espetáculos O Mandarim Maravilhoso e Estri, que foram apresentados na Hungria dois anos depois de sua morte. Veroli, ressalta que, em sua obra, a relação com a música é tão profunda e íntima que o movimento parece tornar-se som, conseguindo falar do ser humano, dos valores eternos, além dos tormentos do eu.
Notas
1 O responsável pela rotina de ensaios de uma companhia. Às vezes também atua como diretor, coreógrafo e professor.
2 A bailarina alemã Herta Feist (1896-1990) foi aluna, bailarina e assistente do grupo de Rudolf Laban.
3 Apud PASI, Mario. Milloss il Mandarino blu: A cent' anni dalla nascita un omaggio al coreografo ungherese che scelse. Corriere della Sera, 30 jan. 2007, p. 9. Disponível em: http://archiviostorico.corriere.it/2007/gennaio/30/Milloss_Mandarino_blu_co_10_070130046.shtml. Acesso em: 6 jun. 2011.
Espetáculos 6
Fontes de pesquisa 6
- DEUTSCHE National Bibliothek. Katalog der Deutschen National Bibliothek. Disponível em: http://d-nb.info/gnd/119519089/about/html. Acesso em: 1 jun. 2011.
- FONDAZIONE GIORGIO CINI. Coreosofia scritti sulla danza. Disponível em: http://www.cini.it/collezioni/i-fondi-et/musica/aurel-m-millos. Acesso em: 2 jun. 2011.
- KNEISS, Ursula. Milloss, Aurel von. In: Neue Deutsche Biographie 17 (1994), S. 529-530 [Onlinefassung]. Disponível em: http://www.deutsche-biographie.de/pnd119519089.html. Acesso em: 7 jun. 2011.
- PASI, Mario.Milloss il Mandarino blu: A cent' anni dalla nascita un omaggio al coreografo ungherese che scelse. Corriere della Sera, 30 jan. 2007, p. 9. Disponível em: http://archiviostorico.corriere.it/2007/gennaio/30/Milloss_Mandarino_blu_co_10_070130046.shtml. Acesso em: 6 jun. 2011.
- VEROLI, Patrizia. MILLOSS, Aurelio. Dizionario Biografico degli Italiani, Volume 74 (2010). Disponível em: http://www.treccani.it/enciclopedia/aurelio-milloss_(Dizionario-Biografico)/. Acesso em 6 jun. 2011.
- VEROLI, Patrizia. Milloss, um húngaro no Brasil. Fantasia brasileira: o Ballet do IV Centenário. São Paulo: Sesc Belenzinho, 1998.
Como citar
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AUREL von Milloss.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa405477/aurel-von-milloss. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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