Dom Salvador
Texto
Biografia
Salvador da Silva Filho (Rio Claro SP 1938). Pianista, compositor e arranjador. Desde pequeno convive com a música em sua casa. Batucando na mesa, sua família percebe sua aptidão e ele começa a tocar repique. Logo depois, passa a estudar bateria e a ser influenciado pelas irmãs, que formam o quarteto As Irmãs Silva, e seu irmão Paulo, que toca violão, contrabaixo e saxofone. Admirador dos bateristas das orquestras Severino Araújo e Zacarias, passa a ter aulas de bateria. Seu professor muda-se para São Carlos e o jovem tem de aprender outro instrumento.
Dom Salvador interessa-se por instrumentos de sopro, logo descartados pelo fato de sofrer de uma hérnia e não poder fazer muito esforço. Passa a estudar piano. Ingressa no Conservatório Carlos Gomes, de Campinas, formando-se em 1960. Logo em seguida, muda-se para São Paulo a convite da cantora Marita Louise, e trabalha em casas noturnas, como Baiúca, ou boates, como Cave e Lancaster. Na capital paulista, passa a ter contato com os pianistas Tenório Junior, Amilton Godoy, Cesar Camargo Mariano e Laércio de Freitas. A convite do baterista e compositor Dom Um Romão, muda-se para o Rio de Janeiro. Lá, na década de 1960, com Dom Um Romão, forma o Copa Trio, apresentando-se nas boates do Beco das Garrafas, como o Little Club, o Bottle's e o Bacará. Acompanha Elis Regina no primeiro show da cantora, o Quarteto em Cy, Jorge Benjor e Marcos Valle.
Logo depois, faz suas primeiras viagens para a Europa e os Estados Unidos com o Salvador Trio - com Edson Lobo (baixo) e Victor Manga (bateria) -, conhecendo ídolos que só ouvia em discos, como Bill Evans. Em 1965, forma o Rio 65 Trio, com Edison Machado (bateria) e Sérgio Barrozo (contrabaixo), gravando no mesmo ano o álbum que leva o mesmo nome do conjunto. Quatro anos depois, lança o disco Dom Salvador.
No início dos anos 1970, por sugestão do produtor e baterista Hélcio Milito, do Tamba Trio, forma um grupo apenas com integrantes brasileiros e negros, o Abolição. Em 1971, com essa banda, lança o disco Som, Sangue e Raça, que anteciparia o movimento black Rio, com destaque para as faixas Guanabara, Moeda, Reza e Cor. Ainda no começo da década, com o Abolição, Dom Salvador se classifica em quinto lugar no 5º Festival Internacional da Canção, com o tema Abolição 1860-1960, parceria sua com Arnoldo Medeiros. No mesmo ano, trabalha com Tony Tornado como arranjador no disco que leva o nome do ator e crooner. Em 1973, muda-se para Nova York, Estados Unidos, apresentando-se em um piano bar na região de Manhattan. Dom Salvador muda-se para o país com a intenção de ficar apenas por um mês e retornar ao Brasil, mas ali decide morar, lançando em 1976 o disco My Family, com temas como Passagem, Suddenly e Going to Rio Claro, homenagem à sua terra natal.
A partir da década de 1980, o músico diminui o ritmo de produções fonográficas, lançando os álbuns Rio Claro Suíte, disco antológico em sua carreira, com composições como Gafieira e Rio Claro Suíte. Nos anos 1990, destaque para o álbum Transition, de 1997, com Dom Salvador o trio composto de Rogério Botter Maio (baixo) e Duduka da Fonseca (bateria). Ele também toca como baterista do reconstituído Dom Salvador Trio, que lança álbum com o mesmo nome em 2007, pela Biscoito Fino. Ao lado de Sergio Barrozo (baixo), Dom Salvador apresenta um trabalho autoral. Na década seguinte, lança o disco The Art of Samba Jazz (2010), regravando temas como Depois da Chuva, Gafieira, Som, Sangue e Raça e Meu Fraco É Café Forte.
Comentário crítico
Dentre os inúmeros pianistas que se destacam no Brasil na virada da década de 1950 para a de 1960, com o despontar da bossa nova, Dom Salvador tem lugar de destaque. Assim como seus pares, nomes como João Donato, Johnny Alf, Dick Farney, Sergio Mendes e Luiz Eça, entre tantos outros, Dom Salvador tem formação erudita, passagens pelo jazz e assimila com naturalidade e rapidez as inventividades harmônicas propostas pelo novo gênero. Mas, além disso, o que lhe garante uma "bossa" diferente é, primordialmente, sua iniciação musical. Ainda jovem, em Rio Claro, ele começa no repique e depois passa a estudar bateria. Ali, na cidade interiorana de São Paulo, com esse instrumento, ele adquire musicalidade e base rítmica extremamente relevantes, que desaguariam mais tarde no seu jeito de tocar o piano. Não à toa, anos depois é classificado como "o cara que batuca ao piano".
No começo de sua carreira, no início dos anos 1960, com sua personalidade reservada e timidez, ele reluta em dar canjas nas jam sessions do Beco das Garrafas. Após superar os medos, faz daqueles inferninhos um laboratório para seus experimentos musicais, acompanhando nomes que se consagrariam no métier instrumental e vocal, como Elis Regina, Quarteto em Cy, Jorge Benjor e Marcos Valle.
Na primeira metade dos anos 1960, com o Rio 65 Trio, ao lado de Edison Machado na bateria e Sérgio Barrozo no contrabaixo, forma um dos conjuntos mais admirados no Rio de Janeiro, não devendo nada para outros trios de bossa e samba jazz importantes do período, como Tamba Trio e o Zimbo Trio. Novamente sua iniciação em instrumentos percussivos é determinante para acompanhar o suingue de bateristas como Edison Machado e Dom Um Romão. Além disso, o contato com os pianistas Amilton Godoy, Tenório Junior, Luiz Eça e Cesar Camargo Mariano é citado pelo próprio Dom Salvador como um fato relevante em sua carreira em termos de aprendizado e troca de ideias musicais.
Além de instrumentista, outro ponto determinante na carreira do pianista é a de compositor. Ainda no começo de sua trajetória artística Dom Salvador interpreta com seus grupos temas relevantes do período, compostos por João Gilberto, Tom Jobim, Johnny Alf, Carlinhos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli e Vinicius de Moraes, entre outros, mas não deixa de criar, evoluir e andar com as próprias pernas. Prova disso são suas composições no primeiro disco, Salvador Trio, como Tema pro Gaguinho, Maria e Pro Batera.
Sua contribuição vai além dos êxitos alcançados nos anos 1960. Críticos e especialistas apontam como o "grande salto" de sua carreira o que ele viria a propor na década seguinte, com o conjunto Abolição. Ao lado de outros integrantes negros, Dom Salvador entra para a história como um dos criadores do movimento black Rio. Com o álbum Som, Sangue e Raça, o grupo deixa de lado o caráter intimista da bossa nova para fazer um som que mistura soul e funk, mas com sonoridade brasileira. Essa proposta permite a Dom Salvador criar temas autênticos, ressaltando aspectos rítmicos no piano, com prática e arranjos de big band, guardando espaço para improvisos de músicos talentosos, que atuam naquele momento inspirados no funk e no jazz, sem se esquecer de suas origens fudamentadas na gafieira e no choro. Do trabalho inaugural do Abolição, dez dos doze temas do disco, lançado em 1971, são assinados por ele, com destaque para Guanabara, Uma Vida, O Rio, Moeda, Reza e Cor e Tema pro Gaguinho. Algumas músicas foram elaboradas em parceria com Arnoldo Medeiros e Marcos Versiani. O disco apresenta um trabalho com características suburbanas do Rio de Janeiro, mas com influências norte-americanas, universais, levando-o a ter uma assinatura e identidade nacionais.
Além de sua atuação reconhecida como pianista e compositor, Dom Salvador exerce papel importante no período como arranjador. Em seus trios, ele pensa e adapta temas para diferentes formações, sempre criando com bom senso estético. Exemplo disso é seu trabalho com o crooner Tony Tornado, em 1971, tido como um dos pioneiros da soul music brasileira ao lado de Tim Maia.
Reunindo essas qualidades, Dom Salvador viaja aos Estados Unidos em 1973 e mora em Nova York, onde se apresenta semanalmente no River Café. Depois da década de 1970, o pianista, compositor e arranjador diminui o ritmo de sua produção, mas mantém o vigor criativo com discos elogiados pela crítica no exterior. Além de registros fonográficos ao vivo no piano bar nova-iorquino, ao lado de nomes como Maurício Zotarelli (bateria), Itaiguara Brandão (contrabaixo) e Rodrigo Ursaia (sopros), Dom Salvador lança em 2010 o disco The Art of Samba Jazz. O CD, que conta com regravações de temas antológicos de sua carreira, tem ainda composições como Indian River e Para Elis, em uma aula de samba jazz com o que há de melhor entre as criações norte-americanas com a levada sincopada da música brasileira.
Fontes de pesquisa 2
- CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
- NOBILE, Lucas. No Rio, Dom Salvador apresenta CD inédito. O Estado de S. Paulo, 29 nov. 2010. Caderno 2.
Como citar
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DOM Salvador.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa359506/dom-salvador. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7