Lydia Hortélio

Lydia Hortélio, 2019
Texto
Lydia Maria Hortélio Cordeiro de Almeida (Salvador, Bahia, 1932). Pesquisadora, educadora e pianista. Dedica-se à pesquisa etnomusical da cultura de infância, baseando-se nas cantigas que acompanham o brincar das crianças, especialmente no interior do Brasil.
Na cidade baiana de Serrinha, onde passa a infância, inicia estudos musicais em piano. Após um curso de férias nos anos 1950, em Teresópolis, Rio de Janeiro, decide sair da Bahia para seguir estudando. Conhece o músico Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005), com quem tem aulas em São Paulo, em 1954. Sua volta para a Bahia está ligada ao fato de o professor ter ido lecionar na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em 1955.
Após temporadas na Europa para estudar piano clássico, Lydia muda-se para a Alemanha, em 1961. Nesse momento, passa a refletir sobre a identidade na formação de músicos brasileiros. A principal motivação surge em uma aula, quando não consegue acertar o acento de uma peça de piano que está tocando. A dificuldade é atribuída a sua origem e à ausência de uma corte real no Brasil – segundo seu professor, era necessário visualizar reis e rainhas dançando ao som da peça para entender como ela deveria ser executada. A partir de então, Lydia passa a pensar uma educação musical baseada na cultura e tradições brasileiras, já que os músicos se formam com metodologias e repertórios europeus. Volta então ao Brasil em 1968, para estudar manifestações da cultura musical de sua região.
Em seus primeiros estudos, trabalha com bandas de gaita. Percebe, no entanto, que em sua formação de música clássica faltam conhecimentos necessários para pesquisar a fundo essas e outras manifestações do interior do Brasil. De volta à Alemanha, conhece o professor húngaro Sándor Végh (1912-1997), com quem compartilha seu desejo de estudar música no Brasil. O professor lhe recomenda estudar etnomusicologia com o também húngaro Sándor Veress (1907-1992), na Université de Berne [Universidade de Berna], Suíça.
Inspirada nas aulas de brinquedo1 infantil húngaro, em Berna, e nos trabalhos de preservação das manifestações musicais da Hungria, dos etnomusicólogos Béla Bártok (1881-1945) e Zóltan Kodály (1882-1967), Lydia faz um levantamento dos brinquedos e cantigas de sua infância e de seus conhecidos. Ainda morando na Europa, viaja ao Brasil nas férias para acompanhar as festividades da população rural da Fazenda da Grota, em Serrinha. Seu trabalho ajuda a construir uma memória de tais ritos, já que muitas bandas deixarão, mais tarde, de atuar.
Com a etnomusicologia e a pesquisa em canção tradicional, Lydia investiga a cultura da criança, em que as cantigas são a dimensão que dá ritmo ao fenômeno brinquedo, o ato de a criança entreter-se ao interagir com outras pessoas e objetos, criando movimentos que podem resultar em narrativas. Com isso, mapeia a constituição do lúdico: a construção de figuras a partir de histórias cantadas e movimentos coordenados entre crianças.
Lydia reúne um vasto material fotográfico de crianças brincando, gravações de áudio e transcrições de músicas e partituras, além de uma coleção de mais de três mil itens, com brinquedos de diversas regiões brasileiras. Sem trilhar carreira acadêmica, desenvolve sua pesquisa de maneira autônoma, com recursos próprios ou bolsas de estudo.
Volta ao Brasil, definitivamente, no final da década de 1970, e começa a promover encontros entre bandas de gaita e estudantes de ensino fundamental, além de projetos sociais, como oficinas para a construção de instrumentos. Com essas ações, inicia sua trajetória em projetos de educação não formal, tendo as manifestações do corpo como principal elemento diretivo.
Na década de 1980, convidada pelos músicos Antônio Nóbrega (1952) e Antônio Madureira a lecionar no Centro de Artes da Universidade Federal da Paraíba, desenvolve um centro de estudos da infância, chamado Casa da Criança. No entanto, em meio à ditadura militar vigente, o reitor é afastado, e um militar assume o cargo, sendo o projeto interrompido antes da conclusão.
Com a interrupção da Casa da Criança, Lydia demite-se da UFPB e muda-se para Salvador, onde, em parceria com a prefeitura, inicia um projeto educacional com crianças de comunidades de baixa renda da cidade, o Núcleo Experimental de Atividades Sócio-Culturais (NEASC). Implementado no Parque da Cidade, previa inicialmente que arte-educadores propusessem brincadeiras para crianças. A proposta não é bem recebida por elas, uma vez que a escola regular já trazia um adulto coordenando sempre suas atividades. O projeto só se torna efetivo quando as crianças passam a conduzir sua própria dinâmica de brincadeiras.
Outra experiência importante na carreira de Lydia são os festivais de inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), realizados entre 1985 e 1989 em cidades mineiras. Organizados pela educadora, tornam-se espaços de reflexão sobre a infância e permitem a construção de brinquedos e brincadeiras entre crianças e pesquisadores. Nesses e outros projetos, realizados em espaços livres e desconectados da educação formal, Lydia fomenta muito de sua pesquisa, em contato direto com a construção lúdica das crianças.
Entre os materiais resultantes de sua pesquisa estão o livro História de uma manhã (1987), sobre a experiência no NEASC, e o disco Abre a Roda Tin Dô Lê Lê, no qual Lydia elege 42 brinquedos sonoros recriados por crianças da escola Casa Redonda, de Carapicuíba, São Paulo, e pelos jovens da orquestra de percussão Zabumba. Trata-se de uma parceria com Antônio Nóbrega, que visa à preservação oral da memória da infância e do folclore brasileiro.
Lydia apresenta a criança como um agente que constrói relações sociais e contribui para a preservação da memória através de seus brinquedos. Com modelos não formais, busca a educação pela sensibilidade e pelas manifestações do corpo, muitas vezes ignoradas na experiência social de ser adulto.
Notas
1. Nos trabalhos musicológicos de Lydia Hortélio, “brinquedo” é usado como um sinônimo de “brincadeira”.
Exposições 1
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20/7/2019 - 8/9/2019
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 4
- LYDIA Hortélio. “Brincar é o maior exercício de liberdade que o ser humano pode fazer”. Revista Brincante. p 22-23. Disponível em: https://issuu.com/rosanebrincante/docs/lydia_hort__lio. Acesso em: 11 jul. 2019
- RÉ, Adriana del. Lydia Hortélio, uma defensora da cultura infantil. O Estado de S. Paulo. 27 nov. 2003. p. D7 Caderno 2.
- TOMICH, Ana Luiza Lemos. Lydia Hortélio, uma menina do sertão: educação musical na cultura da criança. Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em música, Universidade Federal da Bahia, 2015.
- É PRECISO brincar para afirmar a vida. Entrevista com Lydia Hortélio. Revista da Frater. set 2014. Ano VII, n 47.
Como citar
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LYDIA Hortélio.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa335601/lydia-hortelio. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7